“Não temos incentivo para fazer arte”, afirma ilustradora do Campo Limpo

“Da ponte pra cá realmente é diferente"

Por Lívia Lima

22|12|2015

Alterado em 22|12|2015

“Da ponte pra cá realmente é diferente. Os cursos que eu queria fazer eram sempre no centro. A periferia é muito limitada, tem biblioteca, mas não tem os livros específicos de artes, tem na Vila Mariana,  na (biblioteca) Mário de Andrade… por que as informações não chegam até aqui?”.
Esta foi uma das dificuldades que Aline Bispo Souza, 25 anos, enfrentou para seguir seus estudos. Formada em Design de Interiores e Comunicação visual, e cursando Belas Artes, hoje a moradora do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, assina seus trabalhos autorais de ilustradora como Linoca, e, dentre outros projetos, mantém uma página no Facebook com o mesmo nome para divulgar seu trabalho.

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Crédito: Denise Andrade


Linoca conta que cursou o ensino técnico em uma Escola Técnica (Etec) no Ipiranga, antes da inauguração da linha amarela e, entre trens, metrô e ônibus, levava diariamente duas horas para chegar à escola. “Meu rendimento era sempre menor, o déficit de ensino também pesava; geometria, eu não sabia, não sabia nem calcular área. Comecei a observar as diferenças”.
Ela também revela que sentia outras formas de desigualdade em diferentes espaços que frequentava, como o movimento punk e anarquista, que começou a participar na adolescência, e que a fez ter contato com o feminismo.
“Tinha coletivos que se reuniam à noite no centro e os encontros acabavam tarde, eu não podia participar. Ou marcava de terça, quarta-feira, às 11h da manhã e eu estava no trabalho! Discutir questões trabalhistas, direitos, transporte às 14h da tarde?! Isso me irritava profundamente, o discurso não condizia com a realidade”.
Preocupada com estas limitações, este ano Linoca organizou alguns encontros com amigas no Campo Limpo (zona sul) para discutir feminismo na periferia. Além disso, milita e participa de diversas atividades voltadas, principalmente, para a valorização da beleza negra, uma das referências mais marcantes de sua produção artística.
“Inicialmente a questão do cabelo me pegou mais, minhas experiências, da minha mãe. Pequenos traumas. O contato com hip hop me ajudou muito, me senti na necessidade de me valorizar. E com o contato com o universo feminista comecei a ver que era uma parte de tantas outras coisas. Tem meninas que me escrevem, sobre o sofrimento de tentar se encaixar”.
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Aline Souza, a Linoca, produzindo suas ilustrações (Arquivo pessoal)


Entre oficinas, encomendas, eventos, a ilustradora se orgulha de hoje ter seu trabalho reconhecido por seu pai, pedreiro, e a mãe, auxiliar de enfermagem, com quem hoje consegue ter mais liberdade para estas questões e que inspira sua arte.
“Ser mulher da periferia é ser guerreira, o tempo inteiro. A gente nasce com destino pré-marcado, para trabalhar, talvez estudar, ter uma família, ficar em uma caixa. As que conseguem sair são guerreiras, mas a que não tem outro caminho é tão guerreira quanto. A gente luta o tempo inteiro, por creche, saúde. A dona de casa, a mãe, a irmã que cuida dos irmãos. A história das mulheres, da minha mãe, me inspira o tempo todo”.
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Ilustração de Linoca (Arquivo pessoal)