Na política econômica de hoje, ‘o de cima sobe e o de baixo desce’

A economista Juliane Furno explica porque é necessário uma outra política econômica, centrada nas pessoas e no bem-estar social.

27|10|2022

- Alterado em 17|05|2024

Por Juliane Furno

Se você é um trabalhador talvez não seja muita novidade o que eu vou te contar, mas os números ajudam a explicitar o que as contas do mês já nos mostram cotidianamente. O empobrecimento cada vez maior dos trabalhadores – sejam os mais pobres, mas também da classe média – contrasta com o enriquecimento célere dos já muito ricos, revertendo a tendência de redução da pobreza e das desigualdades sociais que caracterizaram as primeiras décadas dos anos 2000.

Um conjunto integrado de motivos explicam a inflexão recente: em primeiro lugar o baixo crescimento econômico. Se por um lado não podemos afirmar que crescimento econômico é sinônimo de melhor distribuição e redução das desigualdades – o melhor exemplo é o do “milagre econômico” durante a ditadura militar, em que o crescimento econômico não ocorreu apenas a despeito da concentração senão que por causa dela. No entanto, a ausência de crescimento é, por excelência, um fato de agravamento da pobreza e das desigualdades, na medida em que a falta de crescimento impacta a demanda interna e, por consequência, o emprego.

O baixo crescimento (lembrem-se que estamos em 2022 e até hoje não recuperamos o pico de geração interna de riqueza que foi no ano de 2014), ao impactar o emprego causa redução dos salários. O que nós trabalhadores recebemos pelo emprego da nossa força de trabalho é determinado pela oferta e pela procura. Ou seja, se há muitos trabalhadores desempregados a tendência é a de redução do preço da força de trabalho. Como desde 2019 não vigora mais a política de valorização do salário mínimo, a base salarial está ainda mais deprimida.

Por outro lado, não apenas estamos mais pobres porque estamos ganhando menos, mas porque aquilo que consumimos está custando mais. Isso é decorrência não somente da inflação mas do “tipo” de inflação.

Quando a inflação, ou seja, o processo de aumento contínuo e generalizado do nível de preço, se concentra em serviços, há uma tendência de transferência de renda dos mais ricos para os mais pobres, porque quem consome serviços são os mais ricos e quem presta serviços – especialmente os serviços pessoais como trabalho doméstico – são os mais pobres. No entanto, a inflação atual está concentrada não em serviços, mas em bens, e os bens, principalmente os alimentos, pesam mais na cesta de consumo dos mais pobres em relação a cesta de consumo dos mais ricos.

Veja esse gráfico. Enquanto vigorava a política de valorização do salário mínimo, o reajuste acumulado durante o governo do ex-presidente Lula chegou a ser de 57% acima de inflação, garantindo redução da pobreza e redução das desigualdades entre os trabalhadores, especialmente redução das desigualdades raciais e de gênero, já que as mulheres e a população preta é quem mais está vinculado a ocupações que têm seu rendimento indexado ao salário mínimo.

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Ocorre que a queda do poder de compra é muito maior do que a queda do salário medida pela inflação, justamente porque a inflação é uma “média” de diversos bens e serviços. Se nós desagregarmos por um alimento que é a base da alimentação do brasileiro, perceberemos que o rendimento dos trabalhadores está cada vez menor.

©IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Ocorre que a queda do poder de compra é muito maior do que a queda do salário medida pela inflação, justamente porque a inflação é uma “média” de diversos bens e serviços. Se nós desagregarmos por um alimento que é a base da alimentação do brasileiro, perceberemos que o rendimento dos trabalhadores está cada vez menor.

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Medido por quilos de arroz, o salário mínimo está cada vez mais desvalorizado, assim como para outros alimentos da cesta básica, tais como feijão e leite, por exemplo.

©DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

Por outro lado, quando os alimentos custam mais e o custo do trabalho vale menos, há uma tendência de concentração dos ganhos no topo da pirâmide social. Não é à toa que desde de 2018 a Revista Forbes exalta, anualmente, a explosão do número de novos bilionários brasileiros. No ano de 2021, pior período da crise sanitária e econômica em que o Brasil bateu recorde de pessoas na extrema pobreza e desempregadas, simplesmente 40 pessoas passaram a ingressar na lista de novos bilionários. Atualmente a renda média dos brasileiros é a menor de toda a série histórica da Pesquisa PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) contínua feita pelo IBGE.

Construir um país mais justo passa por políticas públicas que tenham como centralidade a correção das desigualdades sociais, fortalecendo o mercado de trabalho, recompondo a renda nacional e a capacidade de consumo. Para isso é necessário uma outra política econômica, centrada nas pessoas e no bem-estar social.


Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Juliane Furno Mestre e doutora em desenvolvimento econômico pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), militante do Levante Popular da Juventude e economista-chefe do IREE (Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa).

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Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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