Mulher negra, escolha a reciprocidade

Nesse Dia dos Namorados, escolho um amor livre de padrões e preconceitos, um amor baseado no afeto, no respeito e, principalmente, na reciprocidade

12|06|2024

- Alterado em 12|06|2024

Por Ludi Evelin Moreira

Outro dia, rolando o feed do Instagram, me deparei com o que poderia ser apenas mais uma fofoca internacional sobre famosos de Hollywood, mas que chamou a minha atenção pelos comentários preconceituosos. Uma notícia anunciava o nascimento dos gêmeos da atriz Gambourey Sidibe, conhecida pelo seu icônico papel no filme “Preciosa” (2009), cuja atuação espetacular lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar de Melhor Atriz.

Na manchete, uma foto compartilhada pela atriz acompanhada do marido, o empresário Brandon Frankel, junto com os recém-nascidos Cooper e Maya. Nos comentários da postagem, vários internautas acusaram Gambourey de “palmitagem” e críticas ao fato da artista ter se casado com um homem branco, apesar de ser uma mulher preta retinta e gorda.

Ao ler tantos comentários preconceituosos, um filme da minha vida amorosa passou diante dos meus olhos. Não é de agora que as discussões sobre palmitagem e relações inter-raciais ganham os holofotes nas redes sociais. Todo mundo quer opinar sobre o assunto, sendo uma mulher preta ou não, porque gera engajamento, apesar de as discussões serem superficiais. Aqui, trago a minha opinião como uma mulher negra que já vivenciou na pele a dor do preterimento, mas que hoje ressignifica a solitude e experiencia uma forma de afetividade afrocentrada, muito inspiradas nos ensinamentos da grande bell hooks.

O amor que conhecemos e a que fomos ensinados a cobiçar é o amor branco, eurocêntrico, dos filmes de maior sucesso de Hollywood. Durante todo o período do meu ensino médio – o qual não sinto saudades -, os garotos cobiçavam as meninas brancas, loiras e de olhos claros, reverenciadas como o padrão da “garota perfeita”. Na época, eu ainda não havia me descoberto como uma mulher negra e, para tentar alcançar o inalcançável, alisava o cabelo e implorava à minha genitora para trocar os óculos pelas lentes verdes.

A fase da minha adolescência consolidou grande parte da falta de autoestima que tive ao decorrer dos primeiros anos da idade adulta. Depois de me descobrir como uma mulher negra, atravessar a transição capilar e buscar inspiração nas influencers crespas, comecei a sentir o peso da fetichização dos nossos corpos. Ser um corpo negro cheio de curvas, ter os lábios carnudos e exibir um black power, passa a habitar o imaginário masculino, que deseja o prazer, mas não o afeto. É aquela velha deixa do preterimento que estamos cansadas repetir: boas para o sexo, mas não para o namoro, para se colocar uma aliança no dedo; apenas para comer em segredo.

Mas onde fica o afeto, o amor que buscamos e que também merecemos viver? A solidão da mulher negra não só é uma realidade, como também é uma dor silenciosa. A imagem da mulher negra forte, que aguenta tudo sozinha e que suporta qualquer coisa é reproduzida o tempo inteiro. Nas séries, nos filmes, nas músicas… Nesse processo de desumanização dos nossos corpos, até o direito à vulnerabilidade nos é negado. Eu sou forte, mas também quero ser vulnerável, isso não é sinal de fraqueza. Não há nada de errado em querer amada e ser amada – e eu quero.

Da busca pelo amor hollywoodiano branco e colonial, carrego memórias de dor, preterimento e migalhas de afetos. Receber flores, andar de mãos dadas, ser marcada em algum post romântico e brega… Perdi as contas de quantas vezes sonhei em viver as histórias de amor tais como nos livros do Nicholas Sparks. Tive o coração partido tanto por homens brancos quanto por negros, ambos ditos racialmente letrados.

Hoje, apesar de experienciar a efetividade de forma afrocentrada, entendo que a mulher negra pode – e deve – ficar com quem lhe oferece reciprocidade, independente da identidade racial de seu parceire. Não podemos atribuir o desamor entre pessoas negras apenas a nós mesmos – vivemos uma sociedade racista e perversa, onde aprendemos a odiar a nossa negritude! Ainda precisamos percorrer um longo caminho até derrubar os padrões de beleza branco eurocêntrico e resgatar a nossa estética negra como empoderamento para as vivências afetivas.

Se somos excluídas e preteridas pela sociedade quando o assunto é amor, que encontremos força e afeto no aquilombamento entre as nossas. Nesse Dia dos Namorados, escolho um amor livre de padrões e preconceitos, um amor baseado no afeto, no respeito e, principalmente, na reciprocidade.

Ludi Evelin Moreira Lud Evelin Moreira é profissional da enfermagem e estudante de jornalismo. Defensora dos direitos humanos, atua desenvolvendo projetos sociais nas periferias de Curitiba.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.