Mulher, eu te desejo mais que 24 horas de vida
Em 2022, uma mulher foi vítima de violência a cada quatro horas. Além disso, 495 mulheres morreram por serem mulheres, uma a cada 24 horas
07|03|2023
- Alterado em 08|03|2023
Por Amanda Stabile
Na minha infância, um dos meus destinos favoritos nas férias era a casa da minha avó. A vista era a seguinte: três residências empilhadas e unidas por uma escada íngreme e estreita. A da minha avó era a segunda. E, descendo todos os degraus, após passar por um portãozinho de ferro, morava a dona, para quem o aluguel era pago.
Eu nunca troquei muitas palavras com a moça além de um tímido “bom dia”. Me lembro que a nossa conversa mais longa foi quando ela me perguntou qual das filhas da minha avó era minha mãe. Nem tive tempo de retribuir a pergunta e saber mais sobre sua vida, logo o mototáxi que ela esperava chegou.
Quando eu tinha 18 anos, em 2017, as respostas para curiosidades que eu nem tinha sobre essa mulher chegaram. Mas, dessa vez, estampadas no jornal local.
Eu descobri que sua vida valia menos que um casamento e que quem determinou isso foi um homem com quem ela mantinha um relacionamento.
Aos 40 anos, ela foi assassinada com golpes de martelo e um corte profundo no pescoço. O motivo? Estava grávida e se recusou a abortar. Aos policiais, o assassino disse que tinha se casado recentemente com uma outra mulher e que sua esposa também estava esperando um filho. Então, ele planejou o crime temendo pelo fim de seu relacionamento.
Apesar de todos os dias ouvirmos exaustivamente sobre como a violência contra as mulheres é um problema no nosso país, quando um feminicídio como esse acontece com alguém que você conhece, o choque é sempre maior. É um lembrete de que situações como essa estão mais perto de nós do que imaginamos.
Apenas no ano passado, 2423 casos de violência contra a mulher foram registrados em sete estados do país – Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo –, um a cada quatro horas. E esse número pode ser infinitamente maior, já que nem todos são denunciados. Além disso, 495 mulheres também morreram por serem mulheres. A média foi de um caso de feminicídio a cada 24 horas em 2022.
Os dados são do boletim Elas Vivem: dados que não se calam, lançado ontem (6) pela Rede de Observatórios da Segurança. O relatório ainda aponta que 75% dos crimes são cometidos por companheiros e ex-companheiros, mas também alerta para a necessidade de responsabilização do Estado por não agir para evitar essas mortes e violências.
Por isso, neste Dia Internacional da Mulher, mais do que flores, eu desejo que você, mulher, não seja a próxima vítima do feminicídio e que viva mais que quatro horas sem ser violentada. Ao Estado, eu desejo finalmente o entendimento do quanto nossas vidas importam e devem ser efetivamente protegidas.
Amanda Stabile Amanda é jornalista e repórter do Nós, mulheres da periferia. Ama contar histórias, mas é ainda mais apaixonada por ouvi-las.
Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.
Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.
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