Mônica de Menezes: conheça a primeira diplomata negra brasileira
A carreira diplomática é historicamente restrita a homens brancos da elite; mulheres negras se inspiram em Mônica de Menezes e buscam mudar esse cenário
Por Beatriz de Oliveira
07|06|2024
Alterado em 11|06|2024
Quando tinha 22 anos de idade, a carioca Mônica de Menezes Campos se tornou a primeira diplomata negra brasileira. O feito aconteceu em 1980, final da ditadura militar, e é marcante no contexto de uma carreira historicamente restrita a homens brancos da elite. Mônica se tornou referência para outras mulheres negras que seguem ou querem seguir a diplomacia.
Parte da trajetória da diplomata é contada no artigo ‘“Seria o fim do preconceito?’: a ditadura militar, o Itamaraty e a primeira diplomata negra do Brasil”, escrito pelos historiadores Ivan Andrew Campos Haxton e Camilla Cristina Silva. Ivan é sobrinho de Mônica, mas não chegou a conhecê-la, já que nasceu dois anos depois do falecimento da diplomata.
“Tenho diversas lembranças da minha família, especialmente minha mãe, Márcia, e minha vó, Nilza, comentando comigo que minha tia Mônica, irmã da minha mãe, tinha sido a primeira diplomata negra do Brasil. Me mostravam recortes de jornal que estão guardados até hoje e contavam como minha tia era inteligente e dedicada. Consideramos isso motivo de orgulho na família”, conta.
Certa vez, Ivan pesquisou o nome da tia na internet e se espantou por encontrar poucas publicações sobre a tia. Por considerar que a trajetória dela deveria ter mais notoriedade, resolveu escrever um artigo e convidou sua professora, a Dra. Camilla Silva.
Apesar de avanços, a carreira diplomática ainda é majoritariamente branca. Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou que, em 2020, 11,7% desses profissionais se declaravam negros, enquanto 58,2% diziam ser brancos, ao passo que 28,2% não informaram a classificação racial.
Na ditadura militar, uma diplomata negra
Mônica de Menezes Campos nasceu no Rio de Janeiro em 10 de dezembro de 1957. Filha de um sargento do Exército Brasileiro e de uma corretora de imóveis, era a mais velha de três irmãs. Durante a infância e adolescência, frequentou escolas públicas da capital carioca.
Em razão do trabalho do pai, a família se mudou para Brasília em 1972. Lá concluiu o antigo 2º grau e na época foi aconselhada por uma oficial de chancelaria “a não tentar a carreira diplomática, devido a sua cor”.
Dedicada aos estudos, conseguiu bolsas de estudo em escolas de idiomas na capital, aprendendo inglês, francês e espanhol. Em 1976, foi aprovada para cursar Letras na Universidade de Brasília, e deu à luz sua primeira filha: Maria Carolina.
Já em 1978, contrariando o conselho que ouvira anos antes, participou de um curso preparatório para prestar o exame do Curso de Preparação à Carreira de Diplomata (CPCD). Esse curso era direcionado a candidatos negros que tivessem condições de aprovação no exame e foi solicitado pela direção do Instituto Rio Branco, a escola diplomática do Brasil.
Mônica passou no exame, realizou o curso e em 2 de setembro de 1980 foi nomeada Terceira-Secretária, se tornando a primeira diplomata negra do país. A sua entrada na carreira repercutiu na imprensa, gerando notas em veículos como Jornal do Brasil, O Globo e Correio Braziliense.
Publicação do jornal Correio Braziliense
©Correio Braziliense
Tal repercussão era de interesse do governo. Na época, a imagem de Mônica como diplomata foi usada pela ditadura militar brasileira para reforçar uma suposta “democracia racial”. Também serviu para contestar críticas ao governo, já que a imprensa publicava que o processo seletivo à carreira era discriminatório e o intelectual Abdias do Nascimento argumentava que o Itamaraty era racista. Havia ainda outro objetivo: o estreitamento das relações diplomáticas com a África.
“A ditadura se apropriou do ingresso de Mônica na diplomacia, convocando jornalistas para noticiar que o fato de uma negra ter sido aprovada no concurso era ‘prova’ de que a seleção não era elitizada e que o Brasil não tinha preconceito contra negros. Mônica, com efeito, foi a exceção que comprova a regra”, afirma Ivan.
E complementa: “em tempos onde alguns movimentos políticos celebram as atrocidades cometidas pela Ditadura militar, é imperativo que se evidencie as maneiras sórdidas pelas quais o governo autoritário agia, sendo o ingresso na carreira diplomática apenas mais um caso entre muitos”.
Camilla Cristina Silva ressalta que o ingresso de Mônica na diplomacia coincide com um momento de ampla atuação do movimento negro no país. “No mesmo ano que Mônica ingressa na carreira diplomática, nós vamos ter as manifestações fundacionais no Movimento Negro Unificado (MNU), onde mulheres negras são protagonistas na luta contra o racismo. Essa articulação do movimento negro de forma plural, de diversas pessoas negras ocupando diferentes espaços cria um ‘horizonte de expectativas’ por um Brasil mais igual, democrático e que proporcione cidadania e direitos civis para todos” diz.
É importante lembrar de Mônica de Menezes
Logo depois de se formar, Mônica passou a exercer a função de Assistente do Chefe na Divisão de Passaporte. Foi para a Divisão de Privilégios e Imunidades em 1982, mesmo ano em que se casou com Stephane de Veyrac, mudando seu nome para Mônica de Veyrac.
Ao longo de sua carreira, também ocupou a função de vice-cônsul no consulado brasileiro em Zurique, na Suíça. Em janeiro de 1985, faleceu na Costa Rica em decorrência de um aneurisma cerebral, aos 28 anos de idade.
Mônica de Menezes foi a primeira diplomata negra do país
© Wikipedia
Apenas o veículo Correio Braziliense deu destaque ao falecimento. De acordo com o jornal, alguns amigos da diplomata afirmaram que ela sofrera racismo por parte de seu superior em Zurique, que a tratava como uma “serviçal”.
O historiador Ivan destaca que histórias como a de Mônica não devem cair no esquecimento, “porque existe um apagamento de pessoas negras e de mulheres na tradição historiográfica brasileira, o que felizmente está mudando” e “porque é importante que se saiba que diversas instituições do Estado brasileiro foram construídas com base na exclusão de boa parte da população; por isso, é, essencial que se adotem políticas de ação afirmativa, de modo a diminuir as injustiças historicamente impostas contra esses grupos”.
A Lei federal nº 12.990, de 2014, obrigou a reserva de 20% das vagas de concursos públicos para candidatos negros, o que vale, inclusive, para o Itamaraty, onde os diplomatas trabalham. A lei tem vigência de 10 anos e se encerra em 2024. Atualmente, tramita no Congresso um projeto de lei para estender por mais uma década e aumentar para 30% as cotas raciais em concursos públicos.
Inspirada em Mônica, diplomata promove diversidade na profissão
A soteropolitana Rafaela Seixas tem 37 anos e entrou na carreira diplomática aos 29, após se formar na turma de diplomatas do Instituto Rio Branco nomeada como Marielle Franco. Ela é criadora e coordenadora do coletivo Mentoria Mônica de Menezes Campos, que orienta gratuitamente mulheres e homens negros que queiram entrar para a carreira diplomática.
Como diplomata, Rafaela passou pelo serviço consular, departamento de agricultura edepois foi designada para trabalhar no Egito, onde trabalhou no setor cultural e foi responsável por um projeto que levou pela primeira vez o ritmo do olodum ao país africano. Atualmente, está no Brasil trabalhando na divisão de temas sociais.
Ela explica que a diplomacia serve para “informar, representar e negociar”, na relação com o exterior, sendo esses os principais jargões da profissão. “Negociamos acordos nas mais diversas áreas, como direitos humanos, comércio, agricultura e economia”, diz. Para além disso, “a diplomacia é um reflexo do que se planeja internamente para projetar a imagem do Brasil lá fora; há ainda a área consular, que dá assistência a brasileiros que estão no exterior”.
“É uma carreira em que você tem a oportunidade de conhecer muitas culturas diferentes e também de tentar mostrar a sua visão do Brasil, de acordo com o que o governo faz internamente, e estabelecer laços com outros povos”, conta.
Diante disso, ela explica o porquê da importância da diversidade na carreira diplomática: “pessoas de origens e classes diferentes pensam uma mesma questão de formas diferentes e isso causa impacto nas decisões”.