
Menopausa: mulheres negras sofrem mais e têm menos acesso a cuidados
Conversamos com Adriana Ferreira, fundadora do Instituto Menopausa Feliz, sobre climatério, menopausa e como essas fases são vivenciadas de forma diferente dependendo de fatores como raça, identidade de gênero e classe social
Por Amanda Stabile
09|09|2025
Alterado em 09|09|2025
A menopausa costuma ser apresentada como um processo natural e inevitável, o mesmo para todas. Mas, na realidade, essa fase biológica está longe de ser vivida da mesma forma. A intensidade dos sintomas, o acesso a tratamentos, o acolhimento nos serviços de saúde e até a possibilidade de reconhecer que está passando por essa transição hormonal dependem de fatores como classe social, raça, território e identidade de gênero.
Menopausa é o nome dado ao período após a última menstruação, e marca o fim do período reprodutivo para pessoas com útero.
“Dizem que há muita informação disponível sobre menopausa, mas eu pergunto: para quem essas informações chegam?”, questiona Adriana Ferreira, bacharel em Direito e fundadora do Instituto Menopausa Feliz. Aos 56 anos, ela transformou a própria experiência em ativismo, após vivenciar 48 sintomas diferentes.
Climatério: a fase que começa antes da menopausa
Muito antes da última menstruação, o corpo já passa por mudanças significativas, com a diminuição gradual da produção de hormônios. Esse período é chamado de climatério e pode começar a partir dos 35 anos, aponta Adriana. Ele pode se estender por até uma década antes da menopausa, que ocorre, em média, entre 45 e 55 anos.
Os sintomas são variados: menstruação irregular, ondas de calor, insônia, irritabilidade, dores de cabeça, secura vaginal e até urgência urinária. “Por volta dos 35 anos, começamos a experimentar alguns sintomas, mas muitas vezes não lhes damos muita atenção devido às demandas do dia a dia, como trabalho, estudo e, em alguns casos, gravidez”, alerta.
A especialista aponta que grande parte dos profissionais de saúde não é capacitada para identificar o quadro, o que se torna mais uma barreira para o acesso a tratamentos adequados. A pesquisa Menopause Management Knowledge in Postgraduate Family Medicine, Internal Medicine, and Obstetrics and Gynecology Residents: A Cross-Sectional Survey (“Conhecimento sobre o Manejo da Menopausa em Residentes de Pós-Graduação em Medicina de Família, Medicina Interna e Obstetrícia e Ginecologia: Uma Pesquisa Transversal”, em tradução livre), de 2019, com residentes médicos da Clínica Mayo, revelou que essa não é uma situação exclusiva do Brasil: 58% deles haviam recebido apenas uma palestra sobre menopausa em seu treinamento e 20% não haviam recebido nenhum treinamento sobre o assunto.
Os estudos de referência encontrados sobre menopausa e desigualdades, como o citado acima, estão disponível apenas em inglês. Isso exemplifica mais uma barreira que as mulheres brasileiras — em especial as negras e periféricas, que mais dependem do SUS — encontram para acessar informações atualizadas sobre essa fase da vida. A falta de materiais traduzidos e adaptados à realidade local reforça desigualdades no acesso ao conhecimento e ao cuidado.
“Quando uma mulher procura atendimento, muitas vezes recebe apenas uma prescrição de ansiolíticos [remédios para reduzir ou controlar a ansiedade]. E isso pode se arrastar por anos”, relata Adriana.
A dependência do Sistema Único de Saúde (SUS) escancara outro problema: a falta de opções terapêuticas atualizadas. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde 2019 (PNS), as pessoas que mais utilizam o serviço de Atenção Primária à Saúde (APS) do SUS são mulheres negras e pardas.
Atualmente, a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) oferece apenas uma medicação oral para o tratamento dos sintomas da menopausa e que, segundo Adriana, não contempla situações comuns como mulheres que retiraram útero e ovários. Ela argumenta que, enquanto isso, na rede privada, existem alternativas modernas — como adesivos transdérmicos, implantes, sprays e géis hormonais. Mas os custos são altos e inviáveis para a maioria das brasileiras.
“É inacessível para mães solo, mulheres em situação de vulnerabilidade e de baixa renda. Isso reforça uma desigualdade brutal na forma de atravessar a menopausa”, afirma a fundadora da Menopausa Feliz.
Raça e território importam
Um dos principais levantamentos internacionais sobre o tema, o Study of Women’s Health Across the Nation (SWAN) (“Estudo da Saúde da Mulher em Toda a Nação”, em tradução livre), iniciado em 1994, acompanhou mais de 3 mil mulheres em perimenopausa (uma das fases do climatério) e menopausa por décadas. Os pesquisadores concluíram que mulheres negras e hispânicas chegam à menopausa mais cedo do que mulheres brancas, chinesas e japonesas. O estudo também mostrou que negras e hispânicas apresentam sintomas por dez anos ou mais — quase o dobro do tempo em comparação às demais.
Ondas de calor foram identificadas pelo SWAN como um dos sintomas mais perturbadores para todas as raças, mas o levantamento constatou que mulheres negras tendem a sentir ondas mais intensas e frequentes, além de suportá-las por mais anos.
No artigo Disparities in Reproductive Aging and Midlife Health between Black and White women: The Study of Women’s Health Across the Nation (SWAN) (“Desigualdades no Envelhecimento Reprodutivo e na Saúde na Meia-Idade entre Mulheres Negras e Brancas: O Estudo da Saúde da Mulher em Toda a Nação (SWAN)”, em tradução livre), publicado em 2022, a médica Hadine Joffe Burnett-Bowie, coautora do SWAN, afirmou que as disparidades entre negras e brancas podem ser explicadas pelo “racismo estrutural”, que leva a uma “maior carga de doenças” para as mulheres negras.
Segundo o estudo, participantes negras relataram maior instabilidade financeira, experiências de discriminação, problemas com a polícia, episódios de violência e mortes de familiares próximos. Esses fatores, de acordo com Burnett-Bowie, aceleram o envelhecimento biológico em um processo conhecido como “desgaste”.
Adriana Ferreira também chama atenção para como a sobrecarga do dia a dia contribui para que essa fase seja vivenciada de maneira mais acentuada para as mulheres empobrecidas.
Se não temos informação, tempo para atividade física, alimentação adequada ou acesso a médicos especializados, como viver essa fase com dignidade?
As ondas de calor, consideradas um dos sintomas mais perturbadores, não apenas causam desconforto: podem afetar o sono, prejudicar a concentração e até comprometer a saúde cardiovascular e cognitiva a longo prazo. Pesquisas recentes, como a Menopause: Hot Flashes, Memory, and Heart Health (“Menopausa: Ondas de Calor, Memória e Saúde do Coração”, em tradução livre), associam ondas de calor frequentes e não tratadas a maior risco de derrames, insuficiência cardíaca e declínio cognitivo.
Saúde mental e mundo do trabalho
Em 2024, mais de 472 mil brasileiros pediram afastamento do trabalho por motivos de saúde mental. Desses, 64% eram mulheres com mais de 41 anos — justamente a faixa etária em que os sintomas do climatério se intensificam. Ansiedade, depressão, burnout e perda de sono estão entre os principais motivos.
“Hoje, o Brasil lidera o ranking mundial de ansiedade. Ignorar o impacto da menopausa nisso é fechar os olhos para a realidade”, afirma Adriana.
De acordo com a especialista, a ausência de políticas públicas para a menopausa não é por acaso. A história da medicina mostra como corpos femininos, sobretudo de mulheres negras, foram negligenciados e explorados. Durante séculos, sintomas relacionados às mudanças hormonais foram tratados como histeria, enquanto recursos e pesquisas se concentraram em condições masculinas, como disfunção erétil.
Ela aponta que tudo isso ainda se reflete no presente. O Manual de Atenção à Saúde da Mulher no Climatério, publicado pelo Ministério da Saúde, não é atualizado desde 2008. E, ao contrário de campanhas consolidadas como o Outubro Rosa, não há mobilização nacional em torno da menopausa.
“Todas as mulheres vão passar por essa fase, mas cada uma vive de uma forma diferente. Não existe um único modelo. A menopausa não é igual para todas — e nossas políticas de saúde precisam reconhecer isso. Queremos ser a última geração a sofrer com a menopausa”, conclui Adriana Ferreira.