Meninas em defesa da educação escolar quilombola 

A Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas é uma iniciativa da CONAQ que visa formar estudantes para defenderem o direito à educação quilombola de qualidade

Por Beatriz de Oliveira

22|08|2025

Alterado em 22|08|2025

Na Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas, Ana Clara Fonseca tem aprendido sobre a potência política da juventude e tem refletido acerca das políticas públicas voltadas para comunidades tradicionais. “A cada dia, temos que reafirmar a nossa identidade. Como parte do quilombo e da sociedade, temos que continuar o que os nossos ancestrais começaram”, relata a jovem de 17 anos, do Quilombo Candeal II, em Feira de Santana (BA).

Iniciativa da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), a Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas tem o objetivo de formar meninas quilombolas para, conscientes de seus direitos, defenderem o direito à educação escolar quilombola de qualidade.

Para isso, a iniciativa pauta temas que normalmente são ignorados pelo currículo formal das escolas, como identidade quilombola, gênero, raça e território. “Sabemos que a falta de discussão sobre esses temas compromete o desenvolvimento de jovens quilombolas, que crescem em ambientes de formação cercados de ideias racistas”, aponta o documento de chamamento para inscrições.

Nas aulas, estão presentes discussões sobre enfrentamento ao racismo e ao sexismo, e sobre a defesa dos territórios tradicionais. “A experiência é incrível e inovadora, porque muda a nossa forma de ver o mundo, mostra que a gente também tem voz e pode falar em público, que a gente também pode ser doutor e intelectual”, afirma Ana Clara.

menina negra sorrindo

Ana Clara Fonseca é do Quilombo Candeal II, em Feira de Santana (BA).

©Bruna Braz

“Temos percebido um crescimento do envolvimento das meninas com a comunidade, como nos grupos de jovens, nos grêmios escolares e nas associações locais. Acreditamos que essa formação tem ajudado a despertar as meninas para esse direito que muitas vezes não é falado em lugar nenhum e que é negado”, pontua Givânia Silva, professora, pesquisadora, quilombola e coordenadora do Coletivo Nacional de Educação da CONAQ.

Podem participar das formações meninas e meninos quilombolas que estejam cursando os anos finais do Ensino Fundamental II ou 1º e 2º ano do Ensino Médio em escolas públicas. A formação tem duração de dois anos e ocorre de forma virtual, a fim de reunir estudantes de todas as regiões do país.

Kamilly dos Santos Guimarães, da comunidade quilombola Angelim II, em Conceição da Barra (ES), também participa da iniciativa. “A escola e os professores abordam temas que abrem muito nossos olhos, e é muito importante ter o conhecimento sobre a educação quilombola”, diz.

menina negra de camiseta amarela

Kamilly dos Santos Guimarães é da comunidade quilombola Angelim II, em Conceição da Barra (ES)

O contexto da educação escolar quilombola

A educação escolar quilombola foi definida pela Resolução nº 08, de 2012, publicada pelo Conselho Nacional de Educação. Fruto de grande mobilização do movimento quilombola, o texto define que essa modalidade de ensino deve permitir que os estudantes se apropriem dos conhecimentos tradicionais.

Treze anos depois da promulgação das diretrizes, essa modalidade ainda encontra dificuldades para ser implementada. “É uma luta incidir para que os governos estaduais e municipais implementem essa modalidade de ensino, não tem sido fácil, há uma resistência que é fruto do racismo”, afirma Givânia Silva.

Ela explica que “a educação escolar quilombola é uma modalidade de ensino que trata de inserir na Educação Básica as especificidades das comunidades quilombolas, e há orientações que demarcam isso, como a questão da ancestralidade, da territorialidade e das formas de organização da comunidade”.

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Givânia Silva é professora e pesquisadora quilombola

©Bruna Braz

Essa modalidade deve ser oferecida em escolas localizadas em comunidades reconhecidas como quilombolas, sejam elas rurais ou urbanas, e também por estabelecimentos de ensino próximos a essas comunidades. Deve ser incluída também merenda escolar que respeite a cultura alimentar quilombola.

Segundo levantamento da CONAQ, baseado no Censo Escolar de 2020, existem 2.526 escolas quilombolas no país. No entanto, apenas 30% delas disponibilizam material didático específico para a diversidade sociocultural das comunidades quilombolas. E somente 21% dispõem de bibliotecas ou salas de leitura.

O estudo apontou ainda que apenas 3,2% dos docentes de escolas quilombolas realizaram cursos voltados às temáticas da educação das relações étnico-raciais e cultura afro-brasileira e africana.

Em maio de 2024, o Ministério da Educação (MEC) criou a Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (PNEERQ), que visa implementar ações e programas educacionais voltados à superação das desigualdades étnico-raciais e do racismo nos ambientes de ensino, e também a promover a política educacional voltada à população quilombola.