Maternagem preta é legado

Em sua coluna, Sarah Carolinna traz a afetividade de sua maternidade que, assim como a de outras mulheres racializadas, não é apenas de dor

11|06|2025

- Alterado em 11|06|2025

Por Sarah Carolinna

Na última coluna escrita por mim, mãe preta, contei sobre as dificuldades de mostrar ao meu filho os desafios que passamos por causa da cor de nossa pele. Relatei dores, medos e os perigos físicos e psicológicos impostos pelo racismo. No entanto, minha maternagem, assim como de outras mulheres racializadas, não é apenas de dor. Por isso, hoje,quero falar de um sentimento que define minha experiência de 22 anos sendo mãe: o legado.

Me tornei mãe, não apenas por meus filhos, mas também por minha mãe, tias, avós e toda minha ancestralidade.

Em famílias pretas, maternidade é divindade; maternar é tradição e aprendemos isso mesmo antes de gestar.

A troca de fraldas, a medição da temperatura do banho… São coisas que se aprendem no tempo certo. Mas o cuidado, esse é ensinado desde sempre. O matriarcado negro é aquele que matrigesta todos à sua volta, e esse amor e bem-querer com a coletividade são ensinados de geração para geração.

Legado, para mim, é olhar para os nossos filhos e enxergar, nas conquistas deles, a luta de nossos antepassados. Isso nos fortalece para construirmos o hoje, porque sabemos que nossa ancestralidade é potente.

Afetividade é resistência

Não estou aqui pra romantizar o sofrimento, mas educar filhos negros é um exercício de resiliência para nós mães e para os filhos também. Nossas crianças são quase sempre obrigadas a enfrentar o mundo com coragem e força. Perceber nelas esta resistência, orgulha e infla o peito.

Legado, para mim e minha família, é que, apesar dos perigos externos enfrentados por nossas crias, elas têm a certeza de amor, aconchego e paz em casa. Meu desejo é que a gente continue assim: criando filhos fortes, corajosos e tudo isso com muito afeto.

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Se a maternidade negra se faz com as perguntas difíceis que os filhos nos trazem, com as duras lições que temos que ensinar, em uma realidade injusta, ela também se fortalece e transborda de alegria quando nossos filhos se descobrem lindos, mesmo sem a permissão da sociedade; se percebem inteligentes e fortes, mesmo sem o apoio ou aval do Estado; quando vemos neles a negritude florescer por fora, em uma estética que reafirma suas raízes, mas também por dentro, quando não aceitam o desrespeito, quando questionam o racismo, quando enfrentam as dificuldades. 

A maternagem preta é linda e esse legado ninguém nunca vai nos tirar. Wendell Berry disse que “nós não herdamos a terra de nossos ancestrais. Nós a tomamos emprestada de nossos filhos”. Para mim, esse é o nosso legado: devolver essa terra melhor do que recebemos… Esse objetivo move as mães pretas.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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