Indígena Sateré Mawé busca apoio após amputação do filho em acidente com cobra

Licinha Maquiles, mãe de Silas, relata as dificuldades após o acidente com cobra que resultou na perda da perna de seu filho.

15|06|2023

- Alterado em 15|06|2023

Por Adriana Amâncio

No início desta série, apresentamos a história de Silas Maquiles, um jovem indígena que esperou oito horas para receber o soro antiofídico, o que resultou na amputação de sua perna acima do joelho. A história de Silas ilustra de forma impactante a realidade das amputações causadas por acidentes com cobras na Amazônia.

Hoje, publicamos o penúltimo capítulo da série de matérias sobre as amputações de crianças indígenas vítimas de acidentes ofídicos. Licinha Maquiles, de 48 anos, da etnia Sateré Mawé, nos conta como a amputação da perna do jovem Silas, picado por uma Surucucu Pico de Jaca, impactou a sua vida.  

No último capítulo, discutiremos as opções mais seguras para garantir o acesso ao soro nas aldeias remotas, onde os indígenas estão mais expostos ao risco de morte por acidentes com cobras.


Licinha Maquiles, mulher indígena Sateré Mawé de 48 anos, casada e mãe de oito filhos, relata as dificuldades enfrentadas após a amputação da perna de Silas devido a um acidente com cobra, no qual ele só recebeu socorro após oito horas. Silas tinha apenas nove anos quando o acidente ocorreu, mudando sua vida. “Foi muito difícil ver Silas sem a perna. Ele ficou muito triste e até mesmo quis se matar. Eu disse a ele: ‘Você ainda está vivo, vai dar tudo certo. Farei o que for preciso para ajudá-lo'”, relembra Licinha voz embargada.

O suporte emocional e psicológico não foram as únicas demandas enfrentadas por Licinha após a amputação de Silas. A falta de um membro alterou a rotina da família, que precisou adquirir muletas ou próteses, garantir roupas adequadas, transporte e cuidados médicos para atender às necessidades do jovem. Após descobrir que o filho poderia acessar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), Licinha buscou uma agência para solicitar o benefício, mas relata que não foi uma tarefa fácil. “Foi difícil conseguir o benefício. Não sei porque eles não deram o benefício logo. Demorou meses. Eu queria comprar uma muleta para ele. As coisas aqui são muito caras, é muito difícil”, afirma.

Licinha conta que, assim que recebeu o recurso, comprou uma muleta para o filho. “Ele tentava andar com a muleta na floresta, mas não era fácil, então ele chorava muito”, recorda-se. Silas teve a perna amputada acima do joelho. Segundo o médico Ricardo Ferreira, coordenador dos Expedicionários da Saúde, um projeto que busca fornecer serviços de saúde a indígenas isolados, pessoas que perdem uma parte da perna acima do joelho precisam gastar 50% mais energia para realizar suas atividades diárias em comparação a uma pessoa não amputada.

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Silas Sateré em seu território Sateré Mawé.

©Arquivo Expedicionários da Saúde.

No momento em que Silas foi levado para o hospital, Dona Licinha estava ocupada fazendo farinha junto com suas filhas. “O pai dele, que o levou ao hospital, disse que ele chorou muito”, relembra.

A mãe relata que, mesmo tendo oito filhos, precisou dedicar uma atenção especial a Silas. “Eu dei muito carinho a ele. Fiquei muito preocupada. Até hoje, estou ocupada com ele”, afirma.

Para Dona Licinha, a distância entre a aldeia e o hospital é um grande problema. “Eu gostaria que o hospital fosse mais próximo da aldeia, é muito longe. É muito ruim ter um hospital distante”, lamenta a mãe de Silas, expressando sua crença de que, se o filho tivesse sido atendido a tempo, ele ainda teria sua perna.

Para um jovem indígena, atividades como caçar, pescar e tomar banho de rio são práticas comuns que exigem o uso de todas as partes do corpo. Na floresta, eles encontram alimentos e quase tudo que precisam para se sustentar. A amputação colocou Silas em uma condição diferente, exigindo acesso a equipamentos, medicamentos e um tratamento que não faziam parte de sua rotina como indígena.

Da mesma forma, a rotina de Dona Licinha, mãe de oito filhos, mudou, pois Silas, sozinho, demandava uma atenção especial devido às suas condições emocionais e à necessidade de mobilidade causada pela perda da perna. Mãe e filho foram colocados em uma situação de vulnerabilidade e fragilidade em relação à sua identidade étnica.

Antes, Dona Licinha e Silas tinham necessidades relacionadas ao acesso à renda e políticas públicas, mas essas necessidades não estavam associadas à morbimortalidade. Eram necessidades comuns a qualquer cidadão, que, de acordo com a Constituição Federal Brasileira, deveriam ser garantidas.

Adriana Amâncio Jornalista formada pela Universidade Joaquim Nabuco (PE) com 25 anos de experiência em assessoria de comunicação e reportagem nas áreas de direitos humanos, gênero e meio ambiente. É repórter de Inclusão e Diversidade no Colabora – jornalismo sustentável. Já recebeu o Prêmio Sassá de Direitos Humanos, além de ser premiada por As Amazonas, Abraji e pela Embaixada dos Estados Unidos com o podcast “Cidadãs das Águas”.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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