Ilustração mostra mãe abraçando seu bebê

Hospital Amparo Maternal: ‘Só consegui pegar meu bebê 12 horas depois do parto’

Erika achava que só estar informada era suficiente para não sofrer violência obstétrica. Mas além de ser pressionada a fazer uma cesariana, quase foi esterilizada

Por Amanda Stabile

08|03|2023

Alterado em 13|07|2023

Esse texto compõe a série Doulas Denunciam, que relata situações de violência ocorridas no hospital Amparo Maternal, em São Paulo (SP)

“No parto do meu primeiro filho eu já tinha sofrido violência obstétrica, mas não nessa proporção”. É dessa forma que Erika Barbosa, de 32 anos, relembra o dia em que deu à luz a sua pequena Flora Satye, em 2014. A expectativa, desde o trauma que passou em sua primeira gestação, era ter o tão sonhado parto natural e humanizado.

“Eu achava que só saber das informações era suficiente para não sofrer violência obstétrica”, lamenta a articuladora cultural.

Uma complicação comum às duas gestações de Érika foi que os exames para verificar a presença de streptococcus B no canal vaginal, conhecido como “exame do cotonete”, deram positivos. Essa bactéria, presente no trato gastrointestinal e na flora vaginal, pode ser transmitida à criança durante o parto natural, fazendo com que o recém-nascido desenvolva meningite e infecções que podem levar à morte.

Por conta disso, o médico indicou a realização de uma cesariana no nascimento de seu primeiro menino, Miguel. Érika, que na época tinha apenas 20 anos e falta de acesso à internet, seguiu a recomendação do doutor. “Sendo periférica, o acesso à informação já chega de forma muito tardia”, aponta a moradora do bairro Perus, na zona noroeste de São Paulo (SP). 

Assim, às 38 semanas, partiu para a sala de cirurgia. E, após sofrer com muita dor e depressão pós-parto, descobriu que a cesariana foi uma indicação equivocada e que havia, sim, a possibilidade de um parto natural, mesmo após um resultado positivo para a bactéria. Era necessário apenas que, durante o trabalho de parto, fossem administrados antibióticos para proteger o bebê da infecção.

“Se eu fosse você, eu desistia”

Munida de informação, quando foi parir Flora, Érika tinha consciência de que desejava ser a protagonista desse nascimento. Ela então conheceu uma doula pela internet que contou que o hospital Amparo Maternal, que atende gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tinha doulas plantonistas que podiam ajudá-la a lutar por seu parto.

O exame de toque ajuda a detectar problemas durante o parto. Mas há o questionamento sobre quantas vezes é necessário realizar esse procedimento, que muitas vezes é considerado incômodo e invasivo, já que é necessário introduzir o dedo no canal vaginal da parturiente. Caso seja feito sem o consentimento da mulher ou em frequência exagerada, pode ser considerado violência obstétrica.

Sua bolsa estourou em casa, com 41 semanas de gestação, no dia 12 de outubro. Após viajar uma hora e vinte minutos com seu marido até a maternidade, localizada na Vila Clementino, em São Paulo (SP), descobriu que por ser feriado, Dia de Nossa Senhora Aparecida, não tinha nenhuma doula disponível.

Logo foi abordada por uma médica que, ao descobrir que seu primeiro parto havia sido cesariana, estava aconselhando o mesmo procedimento, mas Érika recusou. A gestante até fez questão de demonstrar que tinha se informado sobre seus direitos. “Eu sei que eu posso comer e tomar água. Sei que o meu marido pode ficar comigo e que ele também tem que ser alimentado”, disse.

Após ser internada, ela foi impedida pela enfermeira de caminhar, submetida a vários exames de toque pela doutora na presença de residentes, e lhe foi negado banho e água quente. 

“Toda hora a médica vinha e falava assim: ‘já se passaram seis horas’, ‘já se passaram 12 horas’, me pressionando”, lembra.

“Se eu fosse, você eu desistia, porque cada corpo é um corpo. Olha o tanto de gente que já chegou aqui e já saiu e você ainda tá aí”, ouviu da enfermeira de plantão.

Quando Érika finalmente conseguiu cochilar, a obstetra buscou o aval de seu marido para levá-la para a cesariana. Mas Érika acordou a tempo de negar o procedimento mais uma vez.

– O coração da bebê está oscilando – falou a médica.

– Eu sei que é normal o coração da bebê oscilar quando tem contração – respondeu a mãe.

– Ah, você é médica agora?

A laqueadura é um procedimento médico feito para esterilizar, por meio da ligadura das trompas, pessoas com útero. Ou seja, a partir da cirurgia, há o impedimento de futuras gestações. Há muito tempo, porém, esse procedimento é utilizado como uma forma de controle populacional para evitar que mulheres, majoritariamente pobres e racializadas, tivessem filhos.

Vencida pelo cansaço e pelos constrangimentos, Erika aceitou ser levada para a sala de cirurgia. Porém, ainda sonolenta após a anestesia, recebeu diversas perguntas da doutora que, sem a sua permissão consciente, quase a submeteu a uma cirurgia de laqueadura.

“A médica falou assim para mim: ‘você quer ter outro filho?’. Eu falei que não. Ela perguntou a minha idade e eu disse: ‘eu tenho 24, vou fazer 25 daqui três dias’. Aí ela olhou para os médicos e me disse: ‘se você tivesse pelo menos com 25 anos, eu faria a sua laqueadura’. Mesmo sem planejamento familiar, ela não me perguntou se eu queria a laqueadura”, recorda.

12 horas sem ver seu bebê

Após o diálogo com a médica, Érika adormeceu antes mesmo de ver sua filha nascer. Ao acordar, não conseguia se levantar da cama para olhá-la, por conta do procedimento a que foi submetida. Ela também não teve assistência dos funcionários do hospital.

“Lá tem a separação dos leitos entre as mulheres que tiveram parto normal e cesariana. Eu perguntei para uma enfermeira o motivo da separação e ela me falou que é para as mulheres que tiveram cesariana não pediram ajuda para as mulheres que tiveram um parto normal, que estão mais dispostas”.

Érika achou a justificativa um absurdo porque quem a ajudou a pegar sua filha pela primeira vez foi uma dessas mulheres. “Inclusive, só consegui pegar minha bebê 12 horas depois do parto. Foi só nessa hora que eu vi que tinha algo errado com a minha filha”, conta. “Eu tentei amamentar ela deitada, mas ela não pegava. O leite que ela mamava, ela regurgitava”.

A mãe então chamou um enfermeiro para avaliar e, minutos depois, chegou um pedido de autorização para fazer uma lavagem na criança, que tinha engolido sujeira do parto.

“É surreal. Eu falo que até hoje parece que foi um mundo paralelo o que eu vivi ali dentro”, lamenta.

Ressignificando o parto

Na época em que sofreu essas violências, Érika não conseguiu denunciar, pois além de não ter forças para reviver a situação, entrou em um período depressivo. “Eu choro de raiva de saber que não acabou e que essa médica pode estar fazendo isso com muitas outras”, confessa.

Ela conta que apenas conseguiu ressignificar esses momentos com a sua terceira gestação. Serena nasceu em casa, com quatro quilos. A mãe foi auxiliada por uma parteira e uma doula. “Eu consegui”, comemora.

Posicionamentos

A reportagem tenta contato com a SPDM PAIS – Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, que administra o Amparo Maternal, desde outubro de 2022, mas até a publicação da reportagem não recebeu retorno.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde respondeu que:

“A Secretaria Municipal da Saúde (SMS), por meio da Atenção Hospitalar, informa que, desde de 2020, mantém contrato de termo de colaboração entre a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) e o Hospital Maternidade Amparo Maternal. A unidade realiza em média 550 partos por ano, sendo 70% partos naturais e 30% por cento cesáreas.

A SMS esclarece que, para evitar aglomeração no momento do parto, apenas um acompanhante entra na sala, conforme acordado com a paciente. Sobre o médico citado pela reportagem, a direção do Amparo Maternal não recebeu nenhuma denúncia contra o profissional. A maternidade preza por garantir o melhor atendimento à população e está à disposição para registrar e apurar qualquer consideração.

Além das maternidades, a capital conta com duas casas de partos humanizados, a Casa Angela, localizada na zona sul, e a Casa de Parto Sapopemba, na zona leste da cidade. A Casa Angela é pioneira e referência em parto humanizado no Brasil e, desde sua fundação, em 2009, oferece assistência ao parto natural, em ambiente seguro, acolhedor e respeitoso. A Casa de Parto de Sapopemba, entregue há mais de 20 anos, recebe gestantes de qualquer região da cidade. O atendimento é realizado por enfermeiras obstetras e auxiliares de enfermagem que trabalham na unidade”.