Fim das “saidinhas” temporárias: ‘retrocesso e nova violação de direitos’

Benefício que prevê saídas temporárias a presos para visitar familiares foi extinto pelo Congresso; STF avalia inconstitucionalidade

Por Beatriz de Oliveira

24|06|2024

Alterado em 24|06|2024

“O fim das saidinhas temporárias é o mesmo que neutralizar vidas dentro e fora do cárcere, os entes aprisionados vão se distanciar e desconstruir os vínculos familiares”. Essa afirmação é de Miriam Duarte, cofundadora da Amparar, associações de familiares e amigos de presos. A pedagoga e mestranda em Gestão de Políticas Públicas teve seus três filhos internados e torturados na Fundação CASA, antiga FEBEM. 

A fala de Miriam se dá num contexto de aprovação do Projeto de Lei (PL) 2253/2022, que prevê a extinção do benefício da saída temporária, popularmente conhecida como “saidinha”. No dia 11 de abril, o presidente Lula sancionou a lei vetando o trecho que impedia a concessão para presos que querem visitar suas famílias. No entanto, no dia 28 de maio, o Congresso derrubou o veto do presidente.

As saídas temporárias são concedidas a presos por até sete dias em cinco feriados durante o ano para visita à família ou participação em atividades que ajudem no retorno ao convívio social. São beneficiados os presos em regime semiaberto, que tenham cumprido ao menos 1/6 da pena e apresentem bom comportamento.

As “saidinhas” existem desde 1984, com a instituição da Lei de Execuções Penais, e têm o objetivo de facilitar essa ressocialização do preso de forma gradual, antes do fim da pena.

Com a mudança na lei, o benefício passará a ser permitido apenas para cursar supletivo profissionalizante, ensino médio ou superior.

A lei deve passar por discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), para verificar sua constitucionalidade. No início do mês, o ministro do STF Edson Fachin enviou ao plenário da Corte as ações que questionam a norma aprovada.

“Acredito que esse projeto é sim inconstitucional, tendo em vista que fere a dignidade da pessoa humana ao restringir o acesso da pessoa presa aos seus familiares, e consequentemente compromete a obrigatoriedade estatal de defender a família enquanto parte da sociedade”, afirma Michele Ferreira, advogada, mestranda em Ciências Humanas e Sociais e pesquisadora do programa Justiça sem muros do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC).

A pesquisadora pontua que o fim das saidinhas temporárias é um retrocesso especialmente se olhando para a situação das mulheres encarceradas. “A falta de relações fraternas e o abandono podem ser facilmente observados nas ausências de visitantes em dia de visita social no sistema prisional feminino, realidade muito diferente das enormes filas no sistema prisional masculino. As saídas temporárias eram uma oportunidade que essas mulheres possuíam de estreitar conexões e solidificar relacionamentos, muitas vezes já fragilizados pela situação gerada pelo encarceramento”, afirma.

Pontua que “o fim das saídas temporárias para mulheres em feriados ou em outras datas previamente estipuladas significa mais um retrocesso e uma nova violação de direitos, que acaba impondo uma nova dificuldade de se reinserirem de maneira gradativa na sociedade, bem como a impossibilidade de manter e fortalecer os laços afetivos/familiares, vínculos comunitários”.

Levantamento feito pelo portal g1 mostrou que 95% dos presos da saída de Natal de 2023 voltaram para as prisões após o fim do período estipulado. O benefício foi concedido a 52 mil presos naquele feriado. O dado corrobora com a visão de que as “saidinhas” são eficientes e que casos de fuga são minoria.

Miriam Duarte lamenta que o fim do benefício é mais um dos muitos problemas do sistema prisional, como a “alimentação de má qualidade, falta de água, luz, medicação, atendimento médico, escolarização e trabalho interno”.

Michele chama atenção ainda para outro ponto da nova lei: a obrigação do detento ou detenta passar por exame criminológico para progredir de regime, como do fechado para o semiaberto, por exemplo. “Estados dificilmente terão orçamento para contratar profissionais (psicólogos) para realização desses exames, fora que isso causaria um aumento significativo nas contas públicas estaduais, dinheiro esse que, poderia ser direcionado para áreas essenciais como saúde e educação”, diz.

Nesta terça-feira (18), em entrevista à rádio CBN, o presidente Lula afirmou que sabia que seu veto seria derrubado pelo Congresso, mas o fez por uma questão de princípio. “Se a família é a base da sociedade brasileira, como você pode proibir um cidadão que está preso pagando uma pena, que não cometeu crime hediondo, estupro. Como pode proibir esse cidadão de encontrar a sua família, se a família pode ser a base da recuperação dele?”, disse.