Feminicídio e pandemia: uma mulher é morta a cada nove horas no Brasil

Feminicídio na pandemia: “Um vírus e duas Guerras” indica subnotificação e escassez de dados para traçar perfil de raça e classe das vítimas.

Por Redação

20|10|2020

Alterado em 20|10|2020

O levantamento “Um vírus e duas Guerras”, organizado por sete veículos independentes – Amazônia Real, AzMina, #Colabora, Eco Nordeste, Marco Zero Conteúdo, Portal Catarinas, e Ponte Jornalismo – aponta que ao todo 497 mulheres foram vítimas do feminicídio, de março a setembro deste ano.

Isso significa que duas ou três mulheres foram mortas diariamente durante o período da pandemia no Brasil, e, muito provavelmente, maior parte delas dentro de seus próprios lares – segundo o Atlas da violência 2019, 39,2% das mulheres assassinadas no Brasil, entre os anos de 2007 e 2017, estavam em suas próprias casas.

Panorama do feminicídio

Os dados foram reunidos a partir dos registros das secretarias de segurança pública dos estados do Acre (AC), Alagoas (AL), Bahia (BA), Distrito Federal (DF), Espírito Santo (ES), Maranhão (MA), Mato Grosso do Sul (MS), Minas Gerais (MG), Mato Grosso (MT), Pará (PA), Pernambuco (PE), Piauí (PI), Rio de Janeiro (RJ), Rio Grande do Norte (RN), Rio Grande do Sul (RS), Rondônia (RO), Roraima (RR), Santa Catarina (SC), São Paulo (SP) e Tocantins (TO).

Sete estados não forneceram informações. Apesar disso, os estados que fazem parte da amostra concentram 94% da população feminina do país, o que significa uma boa representação de um panorama mais geral.

Pandemia: fator agravante

O número, que já é alarmante, deve estar subestimado, uma vez que o acesso aos principais canais de denúncia utilizados pelas mulheres, como a ligação telefônica, o registro de boletins de ocorrência nas delegacias, e acolhimento nos abrigos, ficaram mais dificultados durante a pandemia.

Um outro estudo que exemplifica essa diferente realidade imposta pela quarentena é o relatório de abril deste ano elaborado pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), que verificou crescimento de 431% nas denúncias de violência doméstica contra mulheres, publicadas na internet em redes sociais como o Twitter.

São mulheres que se encontram praticamente em cárcere privado com familiares ou companheiros violentos, impossibilitadas de pedir socorro ou buscar por qualquer rede de apoio ou abrigo.

Raça e classe

Os veículos que organizam os dados coletados pelos órgãos nos estados alertam que parâmetros importantes, como raça, etnia, orientação sexual e escolaridade, são ineficientes para a definição do perfil da mulher que mais morre em decorrência de feminicídio.

No entanto, sabemos, e há inúmeros estudos que comprovam esta revoltante constatação, quem mais morre no Brasil pelo simples fato de ser mulher. Conforme pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 73% do número total de vítimas de feminicídio no país, nos primeiros seis meses de 2020, são mulheres negras.

Além disso, o mesmo estudo aponta que as mulheres brancas são as que mais registram o caso de agressão e tentativa de feminicídio, as que têm mais acesso aos canais de denúncia. Às mulheres negras e mais pobres são impostos mais obstáculos para fugir de situações violentas. Os efeitos econômicos da pandemia para essas mulheres também criam tensões adicionais, como parceiros mais agressivos e mais vulnerabilidade para a exploração sexual e o tráfico de pessoas.

Por elas

A série “Um Vírus e Duas Guerras” vai monitorar até o final de 2020 os casos de feminicídio e de violência doméstica ocorridos no período da pandemia.

“A ideia do monitoramento da violência contra a mulher surgiu em uma conversa que tive, em março, com a Paula Guimarães, do site As Catarinas. Estávamos buscando formas de trabalhar em parceria colaborativa, cada uma dentro de casa por causa da pandemia e utilizando a tecnologia digital. A situação é bem grave. Então sugeri fazermos um monitoramento convidando mídias independentes das cinco regiões do país; assim nasceu a série Um vírus e duas guerras”, conta Kátia Brasil, fundadora do site Amazônia Real.