Feliz mês do amor
O amor como arte e amar com liberdade
19|06|2024
- Alterado em 26|06|2024
Por Maria Chantal
É no começo do ano em que a maioria dos países do norte ao sul global comemoram o amor, por homenagem ao padre Valentim. O religioso se recusou a parar de realizar casamentos mesmo diante da ordem de um imperador, que via o matrimônio como uma experiência antagônica à produtividade militar masculina. O padre romano continuou a realizar os enlaces e por conta disso foi morto em 269 d.C.. Séculos depois, foi reconhecido como santo e passou a ser homenageado em fevereiro, período da sua execução.
No período do ano em que o restante do globo terrestre ocidentalizado firma seus compromissos com o amor, o Brasil comemora o carnaval, época onde muitos defendem o desapego e até agem com irresponsabilidade afetiva, preferindo a solteirice ou o relacionamento aberto. Mas calma, não é que no Brasil não se comemore o amor: do Oiapoque ao Chuí ele é comemorado, mas só é festejado em junho, por conta de uma motivação bem menos romântica do que a de São Valentim.
Foi em 1949 que, nas mãos do publicitário João Dória (pai), a data foi criada para ser incluída no calendário de datas comemorativas nacionais. O mês de junho é o período perfeito, afinal é o mês em que se comemora o dia do santo casamenteiro, Santo Antônio, no dia 13 de junho, um dia antes do dia dos namorados. Com a adesão cada vez maior ao longo dos anos, a data se firmou como o dia do amor, ainda que o dia 12 de junho esteja extremamente conectado ao consumismo.
Então, já que o mês tem essa proposta, vamos falar de amor.
Mas o que é amor?
Afetos devem ser descolonizados
De acordo com o psicanalista alemão Eric Fromm, o amor deveria ser visto enquanto uma arte. Assim, se entenderia com maior facilidade que amar precisa ser aprendido, como qualquer outra coisa na vida que se deseja ter domínio e conhecimento. Assim, o amor seria um conhecimento que domina tanto a parte teórica quanto a prática, por ser uma arte que centraliza a sua vida.
Por outro lado, no aclamado livro “Tudo Sobre o amor”, a escritora e professora estadunidense bell hooks ressalta a importância de se trazer uma definição para o amor que, de acordo com ela, é uma composição de vários ingredientes como o “carinho, afeição, reconhecimento, respeito, compromisso e confiança, assim como honestidade e comunicação aberta”.
Na visão de hooks o amor é uma ação, ao invés daquela conexão química e atração profunda com alguém, que na verdade não passa de um processo de catexia (onde se investe um nível elevado de energia física e psíquica em direção a alguém). Já para a filósofa política estadunidense Joy James,o “amor revolucionário” é uma ferramenta para que se busque constantemente o bem-estar coletivo e comunitário.
Se aprofundar na visão sobre o amor expande o pensamento e ajuda a construir novas referências e possibilidades, já que a maioria ainda se relaciona baseado numa “escada de relacionamento” em que se deve vencer etapas, iniciando no “ficante” e evoluindo até chegar no objetivo final, que é o casamento. No caso das mulheres, mesmo quando não são religiosas, é esperado que não haja vida sexual antes do casamento. Entretanto, cada vez mais vemos internet afora mulheres declarando abertamente que são não-monogâmicas, trazendo suas experiências e mostrando outras possibilidades de afeto.
Convidei algumas seguidoras e amigas a responderem a seguinte pergunta: quando você descobriu que a monogamia não servia? Abaixo, seguem algumas citações como resposta:
“Quando me via presa em ciclos onde eu não podia falar sobre pessoas que eu achava interessante, flertava, enquanto o meu namorado na época me traía sistematicamente e nossas discussões terminavam com “Eu sou homem, sou assim!”
Cíntia Félix [Ela]
“Odeio a ideia de SER de alguém. Eu sou minha, escolho dividir a vida com algumas pessoas. Odeio que me limitem ou me podem.. acho que relacionamento é sobre acordos. Esse acordo de pertencer a só uma pessoa eu não quero. Outra coisa, eu sou pansexual, sinto prazer de várias formas e me sinto atraída por pessoas.. cis, trans.. então não me vejo sendo de um ser humano só. Amo sexo, amo provocar, amo a arte da sedução.. gosto de fetiches e experimentar coisas.. limitar meus desejos pra estar somente com um ser humano me parece muito sufocante [risos], então vivi um relacionamento aberto por 3 anos e terminamos por distância. Os próximos terão que ser acordos abertos, não consigo me ver presa a nada! Somente aos meus valores.” Janaina Aquino [Ela]
“Radicalmente não mono. Radicalmente apaixonada pela construção de novos formatos de família e radicalmente conservador do sentido de vida em comunidade estendida”
Odaraya Mello [Elu/ele/ela]
Atualmente eu vivo a não-monogamia política, que tem sido fundamental para a qualidade das minhas amizades, pessoas que diariamente eu escolho amar e por isso têm me ensinado tanto sobre o assunto. A partir delas, consigo aprender a dar e receber afeto de diferentes formas e intensidades. Um exemplo que eu nunca vou esquecer foi quando um dos meus amigos mais próximos me enviou um buquê de frutas – no caso eram morangos cobertos de chocolate. No cartão que chegou junto, dizia que o objetivo era que eu não pensasse naquele bendito “@”. Era dia dos namorados e eu estava com o coração partido, mas nesse dia eu me senti tão cuidada e amparada, que sempre abro um sorriso ao relembrar aquela bela surpresa.
Para quem nunca ouviu falar sobre não monogamia, relacionamento aberto dentro outras configurações relacionais, existem diversas iniciativas que podem te ajudar a compreender mais sobre o assunto.
Plataforma e site que vão fazer você ora rir, ora refletir sobre não monogamia.
É do site Compersão que trouxe esse pequeno dicionário relacional:
- Monogamia
Conjunto de instituições, práticas e estruturas sociais centradas em torno de privilégios de casais, os colocando no topo de uma hierarquia de valor e suposta intimidade como a relação mais importante que as pessoas deveriam ter. A monogamia implica em várias restrições, obrigações e direitos que regem o comportamento dos parceiros em relação uns aos outros e as pessoas de fora, com o objetivo de proteger essa relação de várias “ameaças” (tipicamente representada pelas relações “menos importantes”). É uma ideologia que rege como as pessoas pensam, sentem e agem em relacionamentos românticos.
- Relacionamento Aberto
Um tipo de relacionamento no qual o casal tem a possibilidade de buscar novas experiências com terceiros, contanto que sejam experiências apenas sexuais. Geralmente é proibido ir além e criar intimidade e existem inúmeras regras para proteger o núcleo casal. Existe um debate sobre relacionamento aberto se enquadrar ou não na não-monogamia. Na minha opinião, segue sendo um relacionamento regido pela estrutura monogâmica.
- Não-Monogamia Política
A Não-monogamia Política é a articulação de uma anti-monogamia vinculada a construção de um projeto de vida e identidade política orientados por um pensamento coletivo e emancipatório. Enquanto escolha política, ela é uma desconstrução de paradigmas impostos por uma sociedade racista, machista e patriarcal, uma construção diária e alinhamento da teoria com as vivências. A não-monogamia política é antirracista, anticolonial, anticapitalista e antiLGBTfobia.
- Poligamia
Poligamia é a prática de ter mais de um marido ou esposa ao mesmo tempo. Quando é uma mulher com mais de um esposo, dá-se o nome de poliandria e quando é um homem com várias esposas, chama-se de poliginia. Nenhuma vertente da Poligamia é não-monogâmica. Poligamia também não é o mesmo que Poliamor. Tanto em uma quanto em outra, o homem ou a mulher pode ter vários cônjuges, mas essas outras pessoas devem fidelidade a ele ou a ela. É uma prática geralmente ligada a uma religião.
- Poliamor
A prática de ter ou estar aberto a ter mais de um parceiro romântico. Em uma relação poliamorosa, os participantes precisam que todos os envolvidos saibam e consintam para que uma nova relação seja adotada, diferente da Anarquia Relacional, na qual ninguém precisa de permissão para se relacionar com outras pessoas.
- Família Escolhida
A família escolhida é formada por pessoas que cumprem os papéis que a família de origem frequentemente desempenha. Isto pode incluir cuidado, apoio emocional, apoio financeiro, etc.
Não Mono em Foco
Essa é uma plataforma sobre Não Monogamia Política | Pensamento Anticolonial | Antirracismo | Interseccionalidade. Uma delícia de ouvir e aprender. Comece pelo episódio “Afetos revolucionários”.
Okara Yby
Psicologue, Okara Yby é potiguara em processo de reconexão com o povo, pessoa não-binária, não-heterossexual e faz uma pesquisa autônoma sobre gênero, sexualidade e afeto nos povos originários. Pelo perfil @yby.okara , você tem acesso a suas pesquisas sobre reforma autônoma, processos de retomada étnica na cidade e efeitos da colonialidade no gênero, sexualidade e afeto.
Brava
Nas próprias palavras, Brava é um “espaço de construção de comunidades a partir do compartilhamento de conhecimentos”. Tem sempre diversos cursos acontecendo falando sobre diversos assuntos, incluindo sobre afetos, gênero, raça, relacionamento e política.
Um feliz mês do amor. Que você tenha espaço para refletir individual e coletivamente sobre esse assunto (dentro das amizades, relacionamentos afetivo sexual e família), assim como eu desejo que o afeto seja algo que te chegue de forma saudável.
Maria Chantal Maria Chantal é uma mulher cis, bissexual, angolana em diáspora no Brasil. Estudiosa autodidata da Ginecologia Natural, atua como educadora menstrual, compartilhando conhecimentos sobre prazer, rebolado afro referenciados e a naturalização do ciclo uterino.
Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.
Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.
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