Neste especial, falamos sobre genocídio, guerra às drogas, militarização, e os rumos de investigações quando falamos de mortes praticadas por polícias. Também apontarmos possíveis caminhos para que esta estrutura de organização seja repensada.
Reportagem: Bianca Pedrina Edição: Mayara Penina
Atualizado em 06|05|2022
Quando pensamos na proteção da população é preciso entender como é a atuação da polícia e se de fato essa organização, como é constituída, atua para aumentar ou diminuir a segurança e proteção da população.
O modo de operar da polícia no Brasil, com dados que sinalizam um crescimento da letalidade de civis, sobretudo contra negras e negros, apontam que é preciso o debate sobre segurança pública e entender práticas recorrentes se apresentam em números preocupantes.
De acordo com o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho de 2021, mais de 6 mil pessoas foram mortas pela polícia em 2020, maior número desde que o levantamento passou a ser feito em 2013. Outra pesquisa feita pela Rede de Observatórios da Segurança mostra que em 2019 a maioria das pessoas que foram mortas nos estados da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo eram negras. Na Bahia esse número chegou a 97% de letalidade policial contra essa parcela da sociedade.
Dados que sinalizam os motivos de a palavra genocídio ser constantemente usada, sobretudo pelo movimento negro, ao abordar a violência que o Estado comete contra a população negra.
Ação que é feita de maneira isolada e que ganha consistência com outras práticas que somadas, aprofundam o mecanismo de violência contra a população negra e da periferia.
É preciso considerar ainda o que chamamos de guerra às drogas, que é a tentativa de combate ao uso de substâncias psicoativas que não estão regulamentadas e são consideradas ilegais.
Além disso, a estrutura militarizada da polícia, que se constituiu durante a Ditadura Militar, e até os tempos atuais, ainda opera da mesma forma violenta, de acordo com especialistas ouvidas pelo Nós.
Reunimos aqui quatro abordagens como contribuição para ampliar o debate sobre o tema segurança pública. Além de apontarmos possíveis caminhos para que esta estrutura de organização seja repensada.
Falamos sobre genocídio, guerra às drogas, militarização, e os rumos de investigações quando falamos de mortes praticadas por polícias.
Conversamos com juristas, pesquisadoras, e mulheres que integram movimentos que atuam para a investigação de assassinatos praticados por policiais e que acabam impunes.
A palavra genocídio não pode estar desassociada ao que denominou de “uma política estatal de morte”. É o que avalia a advogada e presidente da Comissão de Igualdade Racial na OAB de Presidente Prudente (SP), Larissa Costa.
Em entrevista ao Nós, a jurista explicou porque, em sua avaliação, é correto associar o conceito às mortes em massa de negros no Brasil. “Quando analisamos a atuação da força policial nas periferias, o Estado impõe com brutalidade e violência o controle social de grupos marginalizados. Com isso, faz surgir essa relação com o genocídio, uma vez que promove um verdadeiro extermínio sistêmico em nome de um modelo de segurança pública excludente e seletivo”.
Para a advogada, quando se trata de genocídio da população negra, em especial frente às ações policiais na periferia, é preciso um olhar mais apurado para o racismo. “É preciso analisarmos muito mais do que a ação de apertar o gatilho. Na verdade, os corpos negros já foram condicionados a um projeto que nos torna alvo”.
“É preciso analisarmos muito mais do que a ação de apertar o gatilho. Na verdade, os corpos negros já foram condicionados a um projeto que nos torna alvo”.
Larissa Costa, presidente da Comissão de Igualdade Racial na OAB de Presidente Prudente (SP),
Kathlen de Oliveira Romeu, 24 anos, grávida, foi morta durante uma batida policial, após uma batida, no Complexo do Lins, na zona norte do Rio de Janeiro, no dia 13 de maio de 2021.
A jovem negra teve sua vida interrompida e as investigações concluíram que o tiro disparado que a matou partiu de um policial.
Os policiais que estão sendo investigados usam a versão de que atiraram em legítima defesa em troca de tiros com supostos traficantes. A alegação contestada por familiares da vítima que estavam no momento do crime e alegaram que não havia confronto no momento em que a jovem foi morta.
Essas ações recorrentes nas periferias acabam em mortes de inocentes e medo constante de quem vive nessas localidades. Práticas articuladas em nome da chamada “Guerra às Drogas” promovida pelo Estado e o poder público para o combate ao tráfico ou às facções criminosas.
Entrevistamos Nathália Oliveira, da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas que explicou o termo e de como isso impacta na vida de moradoras e moradores das periferias.
Para ela, "a tentativa falha de combate ao uso de substâncias psicoativas que não estão regulamentadas e são consideradas ilegais, desenvolve um amplo exercício de controle e de violência, sobretudo por parte das forças de segurança pública em territórios mais vulneráveis”.
A tentativa falha de combate ao uso de substâncias psicoativas que não estão regulamentadas e são consideradas ilegais, desenvolve um amplo exercício de controle e de violência, sobretudo por parte das forças de segurança pública em territórios mais vulneráveis.
Nathália Oliveira, coordenadora da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas
Segundo o artigo 144 da Constituição Federal, a Polícia Militar deveria proteger a população. No entanto, abordagens policiais violentas apontam para o contrário. Derivam de uma metodologia baseada na militarização, que para a pesquisadora da Iniciativa Negra – Rede de Observatórios da Segurança, Luciene Santana, é falha e precisa acabar.
“Existe a instrumentalização dessa instituição social, com o objetivo de criminalizar a pobreza, a negritude e alimentar o que eu costumo dizer, que é uma máquina de morte”, avalia.
A pesquisadora defende que é preciso “apurar a fundo a carta branca dada pelo Estado para a polícia em operações com poucos mecanismos de controle. Sobretudo, colocando a população negra em mais risco, porque é a que mais morre nessas circunstâncias”.
Existe a instrumentalização dessa instituição social, com o objetivo de criminalizar a pobreza, a negritude e alimentar o que eu costumo dizer, que é uma máquina de morte
Luciene Santana, pesquisadora da Iniciativa Negra – Rede de Observatórios da Segurança
Diante de tantos abusos, também fomos analisar se as mortes praticadas por policiais são investigadas e se esses inquéritos levam à justiça para os familiares das vítimas.
Entrevistamos a advogada mestra em direito e desenvolvimento pela Escola de Direito da FGVSP (Fundação Getúlio Vargas) Viviane Balbuglio, que defende que não quando não há filmagens da cena do crime sem os casos acabam “nenhum tipo de investigação, e muitas famílias ficam sem respostas sobre as mortes de seus entes queridos. Isso significa que a justiça assim como sistema criminal quase sempre acredita na versão da polícia”, argumenta.
Em muitos casos, mães que perderam seus filhos e que se organizaram em movimentos para investigação desses casos e punição de policiais envolvidos. Ações que por vezes são respaldadas pelo auto de resistência ou morte por intervenção policial.
“Não importa o termo usado, se auto de resistência ou morte por intervenção policial, a gente não pode aceitar o policial ser testemunha dele próprio'', defendeu a integrante do Movimento Mães de Maio Débora Maria da Silva.
Nesta reportagem, também são apontadas alternativas possíveis para revermos o modo de operação, funcionamento e estrutura do sistema de segurança vigente.