Estamos em um momento decisivo para reivindicar de candidatas e candidatas soluções para causas e questões que precisam de atenção do poder público e as infâncias não podem ficar de fora do debate.
Reportagem: Amanda Stabile Edição: Mayara Penina Imagens: Léu Britto
Para trazer a importância de olharmos para a primeira infância e para quem cuida de meninos e meninas nesta idade, o Nós, mulheres da periferia, a Alma Preta, a Amazônia e a Marco Zero Conteúdo, com apoio da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, se uniram para pautar a primeira infância no debate eleitoral na série “Escolha pelas mulheres e pelas crianças”.
Acompanhe os conteúdos e ajude a chegar mais longe!
Atualizado em 20|07|2022
Estamos em ano de eleição: um momento decisivo para traduzir nossos anseios e necessidades nas urnas. É preciso escolher candidatas e candidatos que realmente nos representem e que estejam comprometidos a pautar temas e causas negligenciadas e que precisam urgentemente de atenção e ações do poder público.
Também é essencial votar por aquelas que ainda não podem, mas que precisam ser priorizadas pelas políticas públicas e pelos planos de governo: as crianças. São elas que sofrem de maneira mais intensa com as desigualdades, as violações e a falta de acesso à direitos porque são seres humanos em sua forma mais vulnerável e potente.
Como defendeu bell hooks no livro Tudo sobre o amor: novas perspectivas, “é nossa responsabilidade dar amor às crianças. Quando as amamos, reconhecemos com nossas próprias ações que elas não são propriedades, que têm direitos ― os quais nós respeitamos e garantimos”. E também é preciso agir por aquelas que sequer conhecemos.
Você já ouviu o ditado popular “quem pariu Mateus que o balance” ou alguma variação dessa frase? Ela é usada para apontar de quem é a responsabilidade por embalar, cuidar e suprir todas as necessidades de uma criança. E, sem surpresas, esse ditado, como boa parte da sociedade, responsabiliza as pessoas que deram à luz. Mas não é bem assim.
Em 1988, a promulgação da nova Constituição Federal, e de seu artigo 227, determinou que essa responsabilidade deve ser compartilhada entre famílias, Estado e sociedade, cada um fazendo a sua parte para garantir a proteção integral dessa população. Ou seja, todos somos responsáveis por zelar pelo bem-estar e pelos direitos de todas as crianças e adolescentes.
"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão"
Artigo 227, Constituição Federal
A Doutrina da Proteção Integral, estabelecida pelo artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e pelos artigos 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), assegura a crianças e adolescentes não só os direitos fundamentais conferidos a todas as pessoas, mas também aqueles que atentam às especificidades da infância e da adolescência. Hoje, tanto crianças quanto adolescentes, têm poder de voz, são cidadãs e têm o direito de serem respeitadas como os adultos e protegidas pelas famílias, pelo Estado e por toda a sociedade.
“Todas as pessoas devem se comprometer com as infâncias, com as adolescências e, principalmente, atuar para garantir direitos e cidadania desde a primeira infância. Nossa sociedade tem que compreender que crianças e adolescentes são cidadãos e cidadãs, têm direitos, autonomia e devem ser respeitadas”, alerta Suelaine Carneiro, Mestre em Educação e coordenadora da área de educação e pesquisa do Geledés - Instituto da Mulher Negra.
Para ela, as Eleições propiciam um momento para olhar para as recorrentes violações de direitos sofridas por essa população. “É mais que urgente discutirmos o que queremos, mas, principalmente, nos comprometermos com o direito ao futuro de todas as crianças e adolescentes, a olhar para a diversidade das nossas infâncias e desenhar políticas para aquelas que estão em situação de extrema vulnerabilidade”, aponta.
O começo da vida é uma das fases mais importantes para o desenvolvimento infantil, pois todas as experiências vividas nesse período têm impacto durante toda a formação humana. Essa fase é conhecida como “primeira infância” e corresponde a faixa dos zero aos seis anos de idade.
No Brasil, 17,6 milhões de crianças estão nessa faixa etária e, enquanto seus direitos deveriam ser garantidos como absoluta prioridade da nação, os dados são alarmantes. Segundo levantamento da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, 53,25% das mortes de crianças com até um ano de idade acontecem por causas que poderiam ser evitadas se ações como imunização, atenção adequada à mulher durante a gestação, ao parto e ao recém nascido tivessem sido efetivadas.
Ainda, entre 2010 a 2018, mais de 30 mil casos de violência contra crianças de 0 a 4 anos foram denunciados. E mais de 200 mil crianças nasceram com baixo peso entre 2002 e 2018 no país. Em 2019, 42,44% dos pequenos de 0 a 3 anos precisavam de vagas em creches, o que é um direito das crianças e um dever do Estado.
Esses dados demonstram que, para garantir direitos, também é preciso cuidar de quem cuida das crianças. Dentre os grupos que mais precisam de acesso à creche, por exemplo, estão os pequenos de famílias monoparentais e com mães inseridas no mercado de trabalho. “Precisamos olhar para as famílias, suas condições socioeconômicas, para que a partir da proteção às famílias a gente consiga alcançar a proteção das crianças”, explica Suelaine Carneiro.
Por isso, é preciso que candidatas e candidatos priorizem políticas públicas para a primeira infância e as desenvolvam pensando também em seus cuidadores. E, na hora de escolher nossos representantes, é essencial pensar nas mulheres mães, que chefiam 40% dos lares brasileiros e com uma renda 27% inferior aos outros.
Com o objetivo de garantir que as infâncias sejam colocadas no centro de todos esses debates e da construção de um Brasil mais justo, próspero, inclusivo e sustentável para todos, diversas organizações e coalizões da sociedade civil, incluindo o Geledés, participam do movimento Agenda 227.
O movimento reconhece as eleições como estratégicas para os destinos do país e, especialmente, de nossas infâncias. Por isso decidiram se unir para fazer chegar aos candidatos essa demanda social.
“É com esse compromisso que a mobilização da Agenda 227 acontece nesse momento: pensar como podemos ampliar esse rol de pessoas e instituições comprometidas com o direito desde a primeira infância, olhar para as crianças e os adolescentes com cidadania e realizar ações em prol delas”, explica Suelaine.
Em razão disso, a Agenda 227 consolidou um conjunto de 148 propostas, baseadas em indicadores socioeconômicos e análises de contexto, a ser apresentado às candidaturas à Presidência da República, identificando problemas e apontando soluções.
“Se adotadas pela administração federal a partir de janeiro de 2023, essas medidas terão o poder de impulsionar a outro patamar as políticas de atenção ao público infantil e adolescente – contribuindo, assim, para o desenvolvimento do país tanto a curto como a médio e longo prazos”, aponta o movimento.
Dentre as propostas, para combater a pobreza, a fome e as desigualdades, as organizações apontam que é preciso implementar um Programa de Transferência de Renda que tome o Cadastro Único como base de referência e tenha como horizonte a implementação da Renda Básica de Cidadania.
Em relação à saúde, recomendam o aprimoramento e a ampliação da oferta dos programas e estratégias de atenção ao pré-natal, ao parto e ao puerpério na rede de atenção primária à saúde; a garantia de orçamento para a execução do Programa Nacional de Imunizações (PNI); e a expansão da Estratégia de Saúde da Família nos municípios.
Ainda, no que diz respeito à educação, uma das propostas do movimento é a implementação de políticas educacionais de formação inicial e continuada, gestão e infraestrutura, com financiamento adequado, com o objetivo de garantir o direito à educação e ao desenvolvimento pleno de todas as crianças e adolescentes desde a creche, com equidade racial, territorial, de gênero e com relação às pessoas com deficiência.
“A gente não quer que as crianças se desenvolvam para ser alguém no futuro. Todo esse desenvolvimento deve ser construído para que elas vivenciem a infância da maneira mais plena possível de maneira integral no presente”, pontua a pedagoga e Doutora em Educação na área da Sociologia da Educação, Míghian Danae.
Para ela, dentre os desafios para ampliar a oferta de vagas em creches para todas as crianças, é preciso a instituição de políticas públicas de valorização do magistério desde a educação infantil.
Míghian também alerta que a infância é um tema que deve ser pautado a todo momento, não apenas em épocas de eleição. Mas, neste momento, é importante partir da perspectiva de que as crianças fazem parte da sociedade e não são um apêndice, um grupo à parte.
“Elas devem desfrutar de todos os direitos sociais a que os adultos têm direitos. Nas eleições, é importante pensar em projetos de governo que possam se estabelecer como um projeto de Estado e que leve em consideração o melhor interesse da criança”, pontua.
Para ela, candidatas e candidatos precisam prestar atenção no tema da infância porque esse é um tema que evidencia quem somos enquanto sociedade. “Ao escolher essa demanda, estamos dizendo que queremos viver em uma sociedade com relações mais horizontais entre crianças e adultos. Que queremos oferecer, desde a mais tenra idade, a educação integral, plena, satisfatória e adequada para todas as crianças”, conclui.
Para trazer a importância de olharmos para a primeira infância e para quem cuida de meninos e meninas nesta idade, o Nós, mulheres da periferia, a Alma Preta, a Amazônia e a Marco Zero Conteúdo, com apoio da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, se uniram para pautar a primeira infância no debate eleitoral na série “Escolha pelas mulheres e pelas crianças”. Acompanhe os conteúdos e ajude a chegar mais longe!
A gente não quer que as crianças se desenvolvam para ser alguém no futuro. Todo esse desenvolvimento deve ser construído para que elas vivenciem a infância da maneira mais plena possível de maneira integral no presente
Míghian Danae, pedagoga e Doutora em Educação na área da Sociologia da Educação
“As crianças devem desfrutar de todos os direitos sociais a que os adultos têm direitos. Nas eleições, é importante pensar em projetos de governo que possam se estabelecer como um projeto de Estado e que leve em consideração o melhor interesse da criança”, pontua.
Míghian Danae, pedagoga e Doutora em Educação na área da Sociologia da Educação