Jéssica Martins é uma das milhares de pessoas que ganham seu sustento trabalhando no Brás, maior polo de moda da América Latina
Reportagem: Beatriz de Oliveira
Edição: Karoline Miranda
Atualizado em 17|01|2025
Pouco antes das 7h de uma quarta-feira, me encontrei com a vendedora Jéssica Martins em seu box de roupas no primeiro andar do Shopping Feira da Madrugada, localizado no Brás, região central de São Paulo (SP). Seu turno de trabalho havia começado bem antes: às 23h do dia anterior, em uma banca que divide com uma amiga na rua onde acontece a Feira da Madrugada, centro de comércio popular de vestuário que funciona a partir da meia noite e recebe compradores de todo país.
Conhecido pelo amplo comércio de roupas, o Brás conta com mais de 15 mil estabelecimentos comerciais, sendo o maior polo de moda da América Latina e o maior polo de confecção de roupas do Brasil.
Naquele dia, 11 de dezembro, a empreendedora usava tênis, legging e uma camiseta preta com a palavra “resilience” (resiliência, em português), termo que caracteriza bem seus esforços cotidianos para manter uma rotina intensa de trabalho.
O dia a dia de Jéssica se assemelha ao de muitos outros trabalhadores da região, que segundo a Alobrás (Associação de Lojistas do Brás), gera 200 mil empregos diretos e 400 mil indiretos. Algumas dessas pessoas compartilham suas rotinas nas redes sociais, como nesses vídeos:
Jéssica tinha um emprego formal quando decidiu abrir uma loja online de roupas. Sua rotina consistia em fazer as compras dos pedidos das clientes durante a madrugada, entregar esses itens e, já de manhã, iniciar suas funções no emprego de carteira assinada, no Tatuapé, zona leste de São Paulo. Paralelo a isso, realizou um curso de Administração.
Além disso, ela realizava o serviço de assessoria, que consiste no contato com donas de lojas de roupas que precisam abastecer seus estoques com mercadorias do Brás, mas não podem ir até o local. O papel de Jéssica é comprar as peças pedidas por essas empreendedoras e enviá-las.
Em março de 2022, decidiu se dedicar somente ao seu empreendimento: a loja Hermosa Dona, que vende roupas no atacado e varejo. Nesse mesmo período, alugou um ponto físico no Brás. De lá pra cá, Jéssica se estabeleceu como empreendedora e passa a maior parte dos seus dias e noites no Brás.
Jéssica Martins é dona da loja de roupas Hermosa Dona
©Beatriz de Oliveira
A rotina é intensa. Por volta das 22h ela acorda, se arruma e sai da sua casa em Sapopemba, zona leste, em direção ao Brás. Chegando lá de metrô, entre 23h e 23h30, monta sua banca na rua junto a sua amiga, onde realizam as vendas até 5h20 do dia seguinte. Depois, vai direto para o seu box no Shopping Feira da Madrugada.
Jéssica e a amiga durante a Feira da Madrugada
©arquivo pessoal
Lá, além de atender as clientes que vão até o local, Jéssica separa os pedidos feitos online – pelo Instagram ou plataformas Shein e Mercado Livre. Feito isso, pega o seu carrinho de compras e sai andando em direção a diferentes lojas da região para realizar as compras da assessoria. No período em que ela está na rua, suas “vizinhas” de box cuidam de sua loja e realizam as vendas caso apareçam clientes.
Em meio às ruas cheias de gente e de bancas de roupas, Jéssica se desloca com destreza: conhece aquele local como a palma da mão, fazendo isso enquanto conversa com as clientes da assessoria pelo celular. Em cada loja que para, tira fotos das peças e envia às clientes, que decidem a quantidade que vão querer e enviam o pagamento. Daí, Jessica coloca as roupas em seu carrinho e segue para a próxima loja.
A empreendedora tem um grupo com mais de 100 clientes, as quais tem lojas em diferentes estados do país. Apesar de considerar cansativo, não pensa em deixar de fazer esse tipo de serviço, porque entende que é uma forma de ajudar empreendedoras em início de carreira que ainda não têm condições de comprar grandes quantidades de peças ou de se deslocar até o Brás.
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Após a assessoria, Jéssica volta para sua banca onde fica até meio dia; em dias mais movimentados, no entanto, chega a ficar até 15h. Ao chegar em casa, há tempo apenas para comer e ir dormir. Às 22h a rotina se inicia novamente. São mais de 12 horas seguidas de trabalho, de segunda à sexta, exceto em épocas de maior fluxo de vendas, como no fim de ano, em que ela também trabalha aos sábados.
Além de tudo isso, Jéssica ainda se arrisca na fabricação de roupas. “Antes eu comprava as roupas dos fornecedores aqui do Brás, aí eu consegui guardar um dinheiro para fazer a minha própria fabricação. Então eu vou na modelista, mostro o modelo que eu quero fazer e o que eu tô pensando, vou no costureiro e compro o tecido”, conta.
Como consequência dessa rotina intensa, vem o desgaste. Jéssica menciona que não encontra tempo para ir à academia, algo que gostava de fazer, e aos finais de semana, não sente vontade de socializar, devido ao cansaço. “Eu não quero que isso se torne uma coisa exaustiva a ponto de pensar que não vale a pena todo esse esforço”, desabafa.
Entre suas metas para 2025, estão diminuir o horário de trabalho e contratar uma pessoa para auxiliá-la. As motivações para se manter resiliente incluem a possibilidade de conquistar uma vida financeira estável para sua família. “Meu maior presente é proporcionar as coisas lá em casa”, conta.