As trabalhadoras rurais Elisangela, Janaína e Samara relatam suas realidades no campo e compartilham os motivos para marchar
Reportagem: Beatriz de Oliveira
Edição: Bianca Pedrina
Fotos: Marina Gadelha
Atualizado em 02|12|2025
Mais de 300 mil mulheres negras marcharam em Brasília no dia 25 de novembro de 2025. Unidas por bem viver e reparação, elas trouxeram uma diversidade de reivindicações e anseios por um país melhor. Entre elas estavam as trabalhadoras rurais, que reverberaram suas demandas em relação a direitos, território e dignidade.
Elisangela dos Santos era um dos rostos na multidão que compôs a Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver. “Somos nós que estamos sofrendo e temos que correr atrás do fim desse sofrimento. Nós temos que mostrar a força da mulher negra, a força daquelas mulheres que morreram lá atrás lutando pelos direitos delas”, afirma.
O ato aconteceu dez anos depois da primeira Marcha Nacional das Mulheres Negras, que reuniu 50 mil ativistas na capital federal, e demarcou a força de mobilização do movimento de mulheres negras e sua atuação por uma cidadania digna para a população negra.
Natural de Curaçá (BA), Elisangela trabalha no campo desde os 11 anos de idade e entende bem as dificuldades, violências e privações que existem para as mulheres negras que atuam nesse meio.
Segundo o último Censo Agropecuário, de 2017, as mulheres representam cerca de 30% da força de trabalho rural e recebem 20% a menos que os homens em funções equivalentes. Além disso, quase metade delas (48%) não tem vínculo de trabalho formal. Elas também são minoria em posições de liderança: comandam apenas 20% dos empreendimentos rurais.
O Nós, mulheres da periferia, conversou com três trabalhadoras assalariadas rurais que participaram da Marcha para entender suas realidades e reivindicações. Confira!
Elisangela dos Santos
©Marina Gadelha
Aos 48 anos de idade, Elisangela já trabalhou com agricultura familiar, plantio de arroz, tomate, cebola, pimentão, melão, melancia e manga. Atualmente, lida com o manejo da uva, na seleção de cachos.
Sua rotina é intensa. Acorda às 4h para preparar o café da manhã e também o almoço para a sua marmita, do marido e do filho. Às 6h já está na empresa e começa a trabalhar às 7h. O turno vai até às 16h. Quando chega em casa, faz mais tarefas domésticas.
O cansaço é intensificado pelo calor que faz ao se trabalhar debaixo de lonas de plástico. Elisangela relata que muitas pessoas passam mal por isso. Há ainda a dificuldade do contato com agrotóxicos. “A gente trabalha com enxofre, quando saio pra almoçar, passo meia hora sem conseguir comer, só chorando com enxofre nos olhos. Isso queima os olhos da gente”, diz.
Além disso, a baiana trabalha na escala 6×1, o que na prática, segundo ela, não permite descanso já que no dia de folga precisa cuidar dos afazeres domésticos. “A mulher negra que trabalha na área rural precisa tomar conta da casa, do filho e do trabalho, e ganha um salário mínimo”.
“A mulher negra que trabalha na área rural precisa tomar conta da casa, do filho e do trabalho, e ganha um salário mínimo”
Elisangela dos Santos
Diante de toda essa realidade, Elisangela tem nítidas as mudanças que deseja para as mulheres que trabalham no campo: fim da escala 6×1, alimentação e creche no local de trabalho. Presente na Marcha, ela também luta para que meninas negras não precisem passar pelo que ela passou – começar a trabalhar aos 11 anos e iniciar os estudos apenas aos 16.
Para ela, a Marcha não se encerrou no dia 25 de novembro. “Nós não temos que deixar acabar, nós temos que continuar e incentivar mais pessoas e mostrar a importância de um evento como esse”.
Maria Janaína Silva
©Marina Gadelha
Maria Janaína Silva tem 25 anos de idade e trabalha há 7 como assalariada rural. Com experiência na colheita de manga e uva, relata que o racismo e o machismo no meio rural são constantes. “Muitas vezes você faz muito, só que não é reconhecida pelo fato de ser uma mulher negra. Ser mulher no mundo machista nos diminui muito. Há dificuldades de ser respeitada e valorizada no meio rural”, conta.
Ela conta que passou a perceber as violências que sofria depois que começou a participar de reuniões do sindicato. A partir do letramento racial, pôde entender que certas “brincadeiras” que ouvia eram, na verdade, falas preconceituosas.
“Depois que eu comecei a participar dessas reuniões [do sindicato] eu comecei a realmente me amar mais, me aceitar como como eu sou”, relata, e acrescenta que também mudou sua concepção sobre a autonomia das mulheres – antes, acreditava que deveríamos ser submissas aos homens.
Diante disso, almeja que o ambiente de trabalho seja mais respeitoso e com tratamento igualitário entre homens e mulheres. É por essa luta que Maria Janaína participou da Marcha e também por acreditar na força coletiva das mulheres negras.
“Estou muito feliz também por participar [da Marcha] e ver tantas mulheres fortes juntas, com os seus propósitos. E eu sei que daqui vão sair muitas melhorias e a gente vai realmente valorizar uma a outra, e se valorizar. Além de adquirir muita força para lutar pelos nossos direitos”, diz.
“Estou muito feliz também por participar [da Marcha] e ver tantas mulheres fortes juntas, com os seus propósitos”
Maria Janaína Silva
E acrescenta: “uma mulher não precisa disputar com outra mulher, precisa se juntar. Lugar de mulher é onde ela quiser, porque mulher é força”.
Maria Samara de Souza
©Marina Gadelha
Natural de Jardim (CE), Maria Samara de Souza vive hoje em Brasília (DF), onde trabalha na Secretaria de Gênero e Geração da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariados (Contar). Antes disso, a mulher de 35 anos de idade viveu por 17 anos a experiência de atuar na fruticultura, principalmente com a colheita da uva.
Ela salienta que são vários os desafios da mulher que trabalha no meio rural, a começar por ser uma área predominantemente masculina e com poucas mulheres em cargos de chefia. Entre as maiores demandas, estão a igualdade salarial e fim das discriminações vividas no trabalho do campo. Outras reivindicações são o fim da escala 6×1, creches no local de trabalho e expansão da licença maternidade.
“Só quem é mulher entende a outra, então a gente tem essa dificuldade de conversar com os homens e com as empresas, de fazê-los entender que as mulheres são mães, que têm filhos que precisam levar ao médico, que quando estão menstruadas a pessoa não pode estar trabalhando em qualquer função”, relata.
Diante disso, a cearense avalia que os motes da Marcha, reparação e bem viver, fazem parte da luta das trabalhadoras do campo. “Reparação é a gente conseguir dialogar de igual para igual, trazer as nossas pautas para qualquer espaço. Bem viver é ter salário adequado, ter segurança no trabalho”, pontua.
“Reparação é a gente conseguir dialogar de igual para igual, trazer as nossas pautas para qualquer espaço”
Maria Samara de Souza
Para Maria Samara não é preciso ser trabalhadora rural para somar a essa luta. “Todas nós, mulheres, temos um objetivo comum, que é sobreviver nesse mundo que é tão difícil, ter igualdade salarial em qualquer espaço e principalmente ter igualdade para falar, para ocupar a política, para pautar as políticas públicas. Ser mulher é lutar por igualdade sempre”, diz.