Foto mostra Elaine Silva olhando para a câmera

Elaine Silva: da zona leste de São Paulo (SP) ao Leão em Cannes

Cofundadora de redes que fortalecem veículos negros, ela superou desafios pessoais e profissionais para se consolidar como referência em publicidade e transformação social

Por Amanda Stabile

31|07|2025

Alterado em 31|07|2025

Elaine Silva nasceu na zona leste de São Paulo (SP), filha de Seu Juvenal e Dona Dirce. Teve uma infância marcada por dificuldades financeiras, mas também por sonhos grandes demais para caber no pouco que havia. Cresceu dividindo os dias com três irmãos e logo percebeu que, para ela, o caminho não seria simples.

Quando o pai faleceu aos 48 anos, ela assumiu a missão de sustentar a família. “Eu me coloquei muito no lugar dele, onde eu teria que dar uma tranquilidade, uma qualidade de vida para minha família — para além da minha vida em si, né? Então foi aí que eu comecei a focar mais, buscar um objetivo maior: ganhar mais, ser exemplo para os meus irmãos”, conta.

Durante muito tempo, Elaine foi a única mulher preta nas equipes em que trabalhou como assistente administrativa e financeira, quase sempre lideradas por homens brancos. ”Mas até então, essa questão da raça, do preconceito, não era tão latente na minha vida. Para mim, era uma coisa natural: a gente precisa sofrer para conquistar as coisas”.

Nesses espaços, ela nunca se sentiu realmente reconhecida pelo que entregava. Mas seguiu firme, com humildade e verdade como valores inegociáveis. Conta que não projetava suas dores nos outros — pelo contrário, aprendeu a ouvir e a entender o tempo das pessoas.

Mudança de chave e de vida

A grande virada veio em um momento duro: após ser promovida em uma agência de publicidade, revelou ao chefe que era mãe de Augustus, uma criança autista. No dia seguinte, foi demitida. O motivo não foi dito com todas as letras, mas para ela estava nítido: “Ele disse que cuidar de uma criança autista demandava muito tempo, e que isso poderia impactar o momento da empresa. Aquilo me tirou o chão”, recorda.

Elaine não derramou nenhuma lágrima, mas prometeu a si mesma que só trabalharia com organizações que fizessem a diferença no mundo. E cumpriu a promessa. Cofundou a EMS Consultoria e tem planos ambiciosos para o futuro: “quero empregar mulheres 45+, que muitas vezes são esquecidas pelo mercado. Mulheres potentes, com muito a oferecer, mas que enfrentam o etarismo. Quero que a consultoria cresça e abra oportunidades para essas mulheres”.

Também começou a colaborar com o Nós, mulheres da periferia, que na época ainda era um coletivo e hoje é uma redação jornalística. Conheceu a Alma Preta Jornalismo e tornou-se sócia. Criou, ainda, a Black Adnet durante a pandemia — rede de publicidade que conecta mais de 60 veículos de comunicação liderados por pessoas negras em toda a América Latina.

“A pandemia foi o momento em que recebi várias mensagens de coletivos dizendo que iam fechar por falta de recurso. Decidi criar a Black Adnet para captar recursos publicitários e gerar receita para esses veículos”, lembra. “Meu sonho é expandir ainda mais. Trabalhar com tecnologia, oferecer serviços como desenvolvimento de sites, consultoria, além da publicidade. Porque sei que tecnologia é um ativo caro, e muitos veículos não têm acesso. Quero que esses veículos sejam autossustentáveis, com receitas diversificadas, acesso fácil à tecnologia e igualdade no mundo corporativo”.

Prata em Cannes

O reconhecimento por todo esse trabalho veio — e foi gigante. Em junho de 2025, Alma Preta se tornou a primeira mídia negra brasileira a conquistar o Cannes Lions, o prêmio mais prestigiado da publicidade mundial. Elaine foi uma das líderes da campanha “Corredor em Perigo”, premiada com prata, que denuncia o racismo no esporte com a força de uma imagem que ninguém esquece: um homem negro correndo com colete à prova de balas.

“Quando comecei a falar sobre publicidade no jornalismo independente, muita gente desacreditava. Diziam que misturar as duas coisas era arriscado, que não dava certo. A campanha ‘Corredor em Perigo’ provou o contrário. Mostrou que é possível falar de assuntos sérios, com profundidade, e ainda assim trabalhar publicidade com propósito”, aponta.

Para ela, o reconhecimento é uma sensação de missão cumprida — mas também um sinal de que o caminho está apenas começando.

Mostra que outros veículos também podem chegar lá. A publicidade pode ser ferramenta de transformação.

Maternidade e transformação

Mas para Elaine, nenhuma dessas conquistas seria possível e teria sentido sem Augustus, seu filho. Sempre quis ser mãe e a maternidade transformou sua vida. “Ser mãe de um menino autista me fez mudar completamente meu jeito de pensar, de agir com as pessoas, de olhar o outro como um ser humano antes de qualquer título”.

Juntos, enfrentam o capacitismo e constroem um caminho de autonomia. “Uma criança autista, muitas vezes, é vista como dependente. Mas eu e meu marido, Leandro, lutamos muito para que ele seja independente. Isso exige que você mude seu próprio jeito de ser, para depois transmitir essa autoconfiança a ela”, explica.

E é nesse cuidado mútuo que nascem gestos de amor: como o dia em que Augustus preparou um café da manhã e levou na cama para a mãe. “Eu estava doente, meu marido estava viajando. Acordei com ele me levando o café da manhã na cama. Disse que precisava cuidar de mim”, lembra emocionada.

Refletindo sobre a trajetória que percorreu, imagina o que falaria à jovem que foi há uma década. “Diria que ela foi uma mulher guerreira, inteligente, cheia de sonhos. Que nunca se deixou abater. Agradeceria demais pela garra, pela paciência, pelas lutas enfrentadas. Ela preparou o caminho com muito esforço, para que hoje eu pudesse viver com mais serenidade. As dificuldades de hoje não chegam aos pés das de antes”.

E eu agradeço por ela não ter desistido de mim.