Editorial: no xadrez das redes, o que Nos move são as rainhas
Como o Nós enxerga e se posiciona frente às últimas decisões de Mark Zuckerberg, Elon Musk e Donald Trump
Por Redação
31|01|2025
Alterado em 31|01|2025
Nas últimas semanas, em sintonia com as notícias das primeiras decisões de Donald Trump como novamente presidente dos EUA, encaramos as declarações polêmicas de um dos maiores magnatas das redes sociais, Mark Zuckerberg. O CEO da Meta, empresa de tecnologia que engloba o Instagram, Whatsapp e Facebook, comunicou sua decisão de acabar com a moderação de conteúdo e de checagem de dados veiculados pelas plataformas. A notícia se tornou ainda mais problemática com as justificativas de Zuckerberg à imprensa, que dizia que era hora de “voltarmos às nossas raízes com relação à liberdade de expressão”. O empresário ainda afirmou que as redes estavam vivendo um tempo de “muitos erros e muita censura”.
O cenário converge — inclusive em tempo — com uma série de outros fatores políticos acontecendo nos EUA. Trump assinou decisões como a retirada dos EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Acordo de Paris e a anistia aos prisioneiros de 6 de janeiro, que invadiram o Capitólio no governo Joe Biden e, de forma violenta, ameaçaram a democracia do país. Além disso, fez declarações separatistas em relação à América Latina e em especial ao Brasil, prometendo inclusive uma taxa de importação maior em relação a nós. Em sua cerimônia de posse, outro magnata da tecnologia, o CEO do X Elon Musk, levou a discussão para outro nível ao fazer um cumprimento que remetia – ou minimamente lembrava – uma saudação nazifascista utilizada pelo governo hitlerista na Alemanha. O fato ganhou proporções mundiais, chamando a atenção até mesmo dos germânicos.
Em meio à negação das políticas de diversidade que já se apresentavam no empresariado, essa movimentação deu adeus ao momento de priorização das diversidades. As pautas étnico-raciais, de gênero e sexualidade, que finalmente chegaram às vagas de emprego, programas de incentivo profissional e até mesmo no consumo cultural e digital perderam força, comprometendo as oportunidades de milhares de pessoas que viveram marginalizadas por muito, muito tempo. Trump, Zuckerberg e Musk tem tudo a ver com isso.
O recuo das ações de promoção da diversidade não é novidade. Esse movimento vem acontecendo de forma sutil há anos, mas agora, com as grandes Big Techs (gigantes da tecnologia), abandonando seus programas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), o efeito dominó já está em curso.
Este ano, a Meta anunciou o encerramento de seus programas de diversidade, seguida pela Amazon e pelo McDonald’s, que também alteraram suas práticas de inclusão. Entre 2023 e 2024, gigantes da tecnologia como Microsoft, Google, Meta, Zoom e Snap eliminaram postos e departamentos voltados para a diversidade.
No Brasil, o cenário é igualmente preocupante. A pesquisa “Perfil Social, Racial e de Gênero das 1.100 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas 2023-2024”, realizada pelo Instituto Ethos, revela que, embora 94% dos líderes empresariais concordem com a necessidade de políticas afirmativas, os números mostram que ainda estamos longe do cenário ideal. Agora, com a retirada dessas iniciativas por parte das multinacionais, a situação pode se agravar ainda mais, comprometendo décadas de avanços na inclusão.
O futuro do jornalismo em xeque
Para quem faz jornalismo, esse cenário é difícil de lidar. Sabemos que o impacto desse alinhamento ideológico da extrema direita nas redes sociais pode afetar de forma mais profunda as periferias e quem as compõem. A falta de moderação de conteúdos racistas tem um alvo: os pretos. Quem não restringe comentários misóginos quer atingir as mulheres. Quem não pune com efetividade falas LGBTQIA+fóbicas nas redes não se importa com as vidas de pessoas que não seguem o padrão hétero, branco e rico.
Da mesma forma, a checagem de dados interfere de forma extremamente negativa em nosso trabalho. Se já era um desafio combater a disseminação de fake news (notícias falsas), isso se torna ainda mais complicado se as redes não subsidiam essas ferramentas. Além do atentado ao direito à informação, constitucional no Brasil, o fim do fact checking (checagem de fatos) pode impactar diretamente a vida de pessoas que ganham a vida com isso, já que seus empregos de uma hora para a outra deixaram de ser uma exigência para se tornarem supérfluos. O novo manual interno de diretrizes da Meta dá aval para conteúdos criminosos.
Em entrevista para o Nós, a procuradora Federal Manuellita Hermes alerta sobre os riscos da falta de regulação de conteúdo nas plataformas da Meta e a proteção dos direitos fundamentais.
O papel do jornalismo do Nós para o combate às notícias falsas
Estudo realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com pouco mais de 40 mil pessoas em 21 países, aponta que os brasileiros são os piores em identificar notícias falsas. Segundo a pesquisa, 60% das pessoas, em média, conseguem distinguir informações verdadeiras de falsas. No Brasil, esse índice caiu para 54%, ficando abaixo da média global.
Outro ponto preocupante do estudo é a dificuldade em identificar a desinformação nas redes sociais. Na América Latina, mais de 85% dos entrevistados relataram buscar informações frequentemente por essas plataformas. O dado mais alarmante é que os participantes que mais confiam nas redes sociais tiveram o pior desempenho ao distinguir notícias falsas de verdadeiras.
A crescente flexibilização da moderação de conteúdo e da checagem de informações nas redes sociais, sob a falsa justificativa de “liberdade de expressão”, indica que tempos sombrios nos aguardam. Diante desse cenário, a presença de veículos de mídia comprometidos com a ética e a verdade se torna mais necessária do que nunca.
Desde sua fundação, o Nós se posiciona como um veículo jornalístico de resistência, ao lado de mulheres periféricas, pretas, indígenas e LGBTQIAPN+ de todo o país. A luta por um Brasil mais digno para nós passa diretamente pela luta interseccional das mães que trabalham na favela, na periferia, nas aldeias e quilombos e nas ruas brasileiras. Prezar por uma informação de qualidade e, acima de tudo, verdadeira, faz do Nós o que somos: jornalismo feito por e para mulheres, sensível às nossas dores e que abarca os nossos interesses.
Por isso, continuaremos nos posicionando como resistência em um cenário tão caótico. Nas redes, estaremos preservando um conteúdo alinhado ao antirracismo, contra o machismo e a LGBTQIA+fobia, que ajuda a construir as vozes e os saberes das periferias. Somos um país multicultural e plural e a nossa voz permanecerá sendo assim. Acreditamos no potencial político das mulheres pretas, indígenas, quilombolas e principalmente periféricas e, independente das peças de xadrez que são movidas entre homens brancos e ricos, permanecemos movimentando o jogo com as nossas e para as nossas.
O jeito Nós de fazer jornalismo permanece e resiste.