Desmistificando o orgasmo para mulheres
Ainda é preciso falar, educar e pesquisar sobre o orgasmo. Naturalizar o assunto e suas especificidades a depender do corpo, gênero e cultura
20|07|2023
- Alterado em 17|05|2024
Por Maria Chantal
Entre as nuvens, um clarão se abriu. Ouviu-se uma voz estrondosa que lia uma lista de nomes em vários idiomas, cada nome citado seria beneficiado com um fruto muito especial e delicioso. A leitura não demorou muito. O fruto era tão especial que poucas pessoas o receberam, apenas uma pequena parcela poderia se deliciar dele.
As boas línguas dizem que o fruto ganhou o nome de orgasmo, aqueles que o provam, experimentam uma sensação indescritível, que, de tão poderosa, causava um tipo de morte temporária. Era um fruto que se ingeria entre quatro paredes e, quem o saboreia, recebe o selo de superioridade sobre toda a humanidade.
Gosto de trazer esse exemplo sempre que vou falar sobre orgasmo, seja em uma roda de amigas ou em uma entrevista de podcast. Ao longo do meu trabalho, percebo que muitas pessoas acreditam que ter uma vulva é um impeditivo para experimentar o orgasmo ou entendem que só um grupo selecionado pelo divino sabe o que ele é. Também não posso esquecer da parcela que não tem a mínima ideia do que ele é de fato.
O orgasmo é tão pouco falado que faz todo sentido haver um desconhecimento sobre o esse fenômeno. É pouco experimentado por algumas mulheres, por exemplo, as cisgeneras em relacionamentos heterosexuais, que algumas acreditam não ter a capacidade de vivenciá-lo, mesmo sem um diagnóstico médico.
Além disso, temos uma mídia de massa ( tv aberta, rádio, jornal) que pouco fala sobre sexo, o que ajuda a fortalecer o apagamento da diversidade quando o assunto é prazer orgásmico. Podemos adicionar à lista de causas do desconhecimento a inexistente laicidade nacional.
A religião faz parte da formação do país a ponto de crenças religiosas serem uma prerrogativa comportamental. Espera-se que o sexo seja experimentado depois do casamento e se evita falar sobre o assunto, pois acreditam que isso incentivará adolescentes e jovens a transarem. Tudo isso, infelizmente, reforça a misticidade e a negatividade do prazer sexual feminino (trans, cis, binárie, intersexo).
Em contrapartida, como existem dois pesos e duas medidas, obviamente, mesmo em alguns territórios religiosos, o prazer masculino cis-hetero cristão não é tão condenado.
O orgasmo é definido pela Associação Americana de Psiquiatria como “um pico sensorial de intenso prazer, variável e transitório, que cria um estado alterado de consciência e provoca contrações musculares rítmicas na região pélvica, resultando em uma sensação interna de bem estar e contentamento”. Entretanto, quero te avisar que não existe um consenso definitivo sobre o assunto.
Por exemplo, a sexóloga renomada Emily Nagoski traz uma visão mais simples sobre o orgasmo ao apontar que trata-se de uma “descarga repentina e involuntária de tensão sexual”. Um reflexo fisiológico de distensionamento do corpo, algo que acontece em situações sexuais, mas que também pode acontecer em situações comuns do cotidiano, como por exemplo durante uma atividade física.
Outro ponto que a sexóloga traz é que esse reflexo fisiológico não está necessariamente conectado ao prazer. Para que haja prazer é preciso estar em um contexto prazeroso para cada pessoa e isso dep
ende não só das informações contidas no ambiente, mas também de como seu corpo-cérebro vai interpretá-las.
O orgasmo está mais no nosso cotidiano do que parece. Existem estudos relacionados ao prazer durante o parto. Sexólogos como Master & Johnson relataram casos de partos orgásmicos. Juan Marcelo-Barbera traz correlações evolutivas do útero com o orgasmo e a bióloga Casilda Rodrigañez Bustos defende o parir com prazer, por meio de estímulos, ambientes e um posicionamento corporal adequado.
A essa altura você deve estar se perguntando: se é tão simples assim, porque parece que atingir o orgasmo é como um selo de verificado que poucas pessoas têm? Por fatores como a socialização feminina, que envolve situações de estresse constante, como a sobrecarga com trabalho doméstico, maternidade, vida acadêmica, preocupação com o relacionamento familiar e amoroso.
Além de receberem estímulos sensoriais errados, as mulheres cisgêneras e heterosexuais são convencidas de que o orgasmo prazeroso acontece através da penetração. Mas pesquisas como a do Instituto Prazerela, de 2018, mostram que, a nível nacional, apenas 16% das mulheres têm orgasmo durante a penetração. Para quase 60% delas a estimulação externa a vagina (envolvendo direta ou indiretamente o clitóris) é mais prazerosa.
Ainda é preciso falar, educar e pesquisar sobre o orgasmo. Naturalizar o assunto e como ele pode acontecer em variados corpos, gêneros e organizações socioculturais. Por exemplo, nas culturas do prazer, como a cultura do Kunyaza, praticada em países como Ruanda, algumas características são essenciais. Veja algumas delas:
Cultura do prazer Kunyaza
- A despreocupação com o tempo;
- Estímulos variados e constantes na vulva, que de forma direta e indireta estimulam o clitóris;
- A naturalização de fluídos íntimos;
- E por último, mas não menos importante, a ideia de que o prazer da mulher é primordial e traz benefícios ao relacionamento.
Minha intenção com este texto é te convidar a desmistificar seu próprio prazer. No dia 31 de julho é comemorado o Dia Mundial do Orgasmo. Então, comemore o mês com tranquilidade pélvica. Deixo algumas sugestões de caminho abaixo.
Guia rápido do prazer
Pesquise seu próprio prazer: Lembre-se das situações que foram sexualmente prazerosas pra você, quem era(m) a(s) pessoa(s) envolvida(s) e como você estava se sentindo sobre si mesma e o ambiente?
Fale: Naturalize conversar sobre sexo com as suas amizades e parcerias. Converse sobre sexo antes, para que que fazê-lo seja mais gostoso.
Sem relógio: Pare de estipular tempo para o prazer orgásmico. Não transe ou se masturbe com um relógio no ambiente, não cronometre nada, foque na sensação.
Imagine: Escreva o que seria uma interação sexual interessante pra você e ouse se imaginar experimentando.
Toque-se: Masturbe-se, mas lembre-se de desgenitalizar o prazer. Estimule seu corpo inteiro, não apenas o clitóris. Comece fazendo uma massagem em todo o seu corpo, dos pés à cabeça e, depois, foque nas partes do seu corpo que te dão prazer.
Maria Chantal Maria Chantal é uma mulher cis, bissexual, angolana em diáspora no Brasil. Estudiosa autodidata da Ginecologia Natural, atua como educadora menstrual, compartilhando conhecimentos sobre prazer, rebolado afro referenciados e a naturalização do ciclo uterino.
Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.
Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.
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