Depois dos atos terroristas, retomar nosso lugar nas ruas
A economista Juliane Furno analisa os últimos anos de atuação da esquerda brasileira, a ascensão bolsonarista, os atos terroristas em Brasília e sugere caminhos de resposta. “O conflito violento não nos interessa, mas a disputa pelas ruas sim. A extrema-direita deve temer o governo e temer o povo brasileiro”.
10|01|2023
- Alterado em 17|05|2024
Por Juliane Furno
A esquerda brasileira amargou uma derrota profunda no ano de 2016. O golpe contra a presidenta Dilma Rousseff inaugurou um período de defensiva marcado por uma derrota que não foi meramente política e alçou contornos de uma derrota com conteúdo moral e ideológico. Imprimiu também uma dimensão estratégica: a derrota de uma tática de governar dispensando forte organização e mobilização popular.
Em que pese as grandiosas manifestações sob a consigna “não vai ter golpe”, seu tamanho foi dirimido em comparação com as demais ações de rua que clamavam a varredura do PT (Partido dos Trabalhadores) e, em seu nome, a recusa à esquerda como um todo.
O ano de 2018 completou a derrota. Ainda que as fake news e a prisão de Lula tenham sido substanciais para a vitória de Bolsonaro, seria ingenuidade não perceber que Bolsonaro já movimentava um movimento de caráter de massas, com organização territorializada e eficiente para seus objetivos de não só conquistar o governo, mas – sobretudo – conquistar hegemonia na sociedade.
Um longo e contínuo processo de “juntar os cacos”; avançar na unidade das forças populares e seguir na resistência ativa ganhou forças com a retomada dos direitos políticos de Lula e iniciou-se um movimento de mudança na correlação de forças, com a esquerda retomando sua força eleitoral na sociedade. No entanto, em que pese isso e a vitória eleitoral, as ruas ainda seguiram sendo cenário da extrema direita.
Se no ano de 2022 a tática de não enfrentamento do bolsonarismo nas ruas esteve correta, dada a incapacidade de vitória da esquerda no terreno das ruas e a necessidade de centrar fogo no local onde éramos mais fortes: as urnas, a mesma tática já não pode seguir guiando nossa ação coletiva.
A não punição adequada dos algozes da democracia; os atentados criminosos ao Estado democrático de direito e a conivência das polícias e das forças armadas militares demonstram que nossos inimigos seguirão se fortalecendo. Mesmo que o golpe de tipo clássico tenha diminuta capacidade de realização, a vitória política desses setores a cada vez que avançam mais uma fronteira – como a invasão do Congresso, STF e Palácio do Planalto – os cacifam para desestabilizar o governo eleito e impõem sua agenda política e econômica.
É necessária uma resposta à altura. O conflito violento não nos interessa, mas a disputa pelas ruas sim. A extrema-direita deve temer o governo e temer o povo brasileiro, temer as consequências e as represálias das suas ações terroristas.
Caso não respondamos com mobilização popular permanente os manteremos prenhes de ousadia e quanto maior for a sua ousadia mais difícil será contê-los no futuro.
Em situações de polarização política, como a que estamos vivenciando, caso o outro pólo não exerça força polarizadora, o “centro” tende a se deslocar, cada vez mais, para o lado de quem tem demonstrado mais força social.
Retomar as ruas, a mobilização e as ações de massa é um dever para estancar o processo de fascistização que está ameaçando o pouco de democracia política que, historicamente, subsiste nesse país marcado pelo autoritarismo.
Movimentos sindicais convocaram manifestações em favor da democracia em diversas cidades do Brasil para esta segunfa-feira, 9 de janeiro. A principal mobilização será a partir das 18h, em São Paulo, na Avenida Paulista, no vão livre do Masp (Museu de arte de São Paulo). Foi organizada por Fórum das Centrais Sindicais, Frente Brasil Popular, Frente Povo Sem Medo, Coalizão Negra por Direitos e Convergência Negra.
Juliane Furno Mestre e doutora em desenvolvimento econômico pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), militante do Levante Popular da Juventude e economista-chefe do IREE (Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa).
Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.
Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.
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