Toda casa tem um pouco de África
A dificuldade de encarar a minha imagem refletida no espelho fez parte do meu cotidiano. As referências da TV sempre foram overdoses de um mesmo padrão, a chamada tendência que nos embutem e de praxe coloca muitas mulheres no papel de auto-negação da sua aparência, inevitavelmente tem cor. Eu fui uma delas. Da infância até […]
Por Redação
20|11|2014
Alterado em 20|11|2014
A dificuldade de encarar a minha imagem refletida no espelho fez parte do meu cotidiano. As referências da TV sempre foram overdoses de um mesmo padrão, a chamada tendência que nos embutem e de praxe coloca muitas mulheres no papel de auto-negação da sua aparência, inevitavelmente tem cor. Eu fui uma delas.
Da infância até a adolescência esperei e testei fórmulas para que pudesse ter o cabelo liso, o nariz afilado e a boca com contorno fino, assim, mesmo com a pele negra poderiam tornar-me mais adequada ao padrão.
Tais pensamentos eram produtos das imagens de alisamentos, chapinhas cabelos lisos e modelos brancas bombardeadas pela cidade que ainda tinha outdoors, também encontrava nas capas de revistas populares, comerciais infantis e produtos cosméticos.
Além dos múltiplos adjetivos negativos e piadas sobre negro e cabelo crespo – de péssimo gosto, vindos dos colegas, paquera e até mesmo da família. Porque controlar era preciso; “esse cabelo difícil, duro, ruim”.
O tempo passou, e os comentários sobre o natural “ser feio” se transformou em ruídos aos meus ouvidos. A partir do momento em que comecei a dar atenção ao espaço que integro, na letra de um rap me vi, num sarau aos poucos a consciência me tomou, consegui enxergar mulheres que são semelhantes a mim, ou seja, na quebrada inteira.
Notei que as referências estavam mais próximas: o cabelo da avó, o nariz do pai, a boca da mãe: resultaram na empatia.
A vida levou-me ao meu próprio resgate, de encontro com a minha identidade. Voltei a olhar para o espelho, abri os olhos e descobri-me guerreira, com sorriso largo, black alto e lábios grossos. Encrespei, renasci!
Reconheci meus antepassados, hoje exploro e tento aprender mais sobre os significados de cada contorno que está no meu semblante e de tantos outros descendentes. Afinal, toda casa tem um pouco de África.
A aceitação em uma sociedade educada nos moldes eurocêntricos é um processo contínuo, árduo e difícil. Há um vasto histórico que não nos contam sobre a beleza que há na carapinha, pois cada guerreira que sobe e desce ladeira carrega nas veias as forças de Clementina, Dandara, Carolina, e de tantas deusas e rainhas negras.
Raquel Gonçalves Garcia, 21 anos, é professora e moradora de Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo.
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