
‘Crianças não se prostituem, são exploradas sexualmente’
Conversamos com Luciana Temer, Diretora Presidente do Instituto Liberta, sobre cinco questões essenciais para entender a exploração sexual infantil no Brasil
Por Amanda Stabile
18|10|2022
Alterado em 19|10|2022
Você sabia que a exploração sexual é considerada uma das piores formas de trabalho infantil, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT)? No Brasil, de acordo com levantamento da Polícia Rodoviária Federal em parceria com Childhood, entre 2019 e 2020 existiam mais de 3.600 pontos de exploração sexual de vulneráveis só nas rodovias federais.
Apesar disso, essa é uma violência invisibilizada e subnotificada no país. Em 2018, por exemplo, uma pesquisa do Datafolha mostrou que 24% dos entrevistados já tinham presenciado alguma situação de exploração sexual infantil, porém, destes, 72% não denunciaram.
“As pessoas não denunciam porque esse é um crime muito naturalizado no país. A vítima sai do lugar de vítima e passa a ser tão culpada quanto a pessoa que a está explorando”, alerta Luciana Temer, Diretora-presidente do Instituto Liberta, organização criada com o objetivo de enfrentar a violência sexual contra crianças e adolescentes.
Conversamos com a especialista sobre cinco questões fundamentais para entender o tema. Confira!
1 – O que é exploração sexual de crianças e adolescentes?
A exploração sexual é um crime previsto no Código Penal que consiste em qualquer relação sexual com pessoas de 14 a 18 anos em troca de algo. No caso de menores de 14 anos é considerado estupro por presunção. Entre 14 e 18 pode haver a relação desde que não seja uma relação “comprada”. O pagamento não precisa ser em dinheiro, mas tem que haver alguma recompensa. Então, quando há alguma troca é exploração sexual e quem responde pelo crime é quem teve a relação, o agenciador (quando há essa figura) e o dono do lugar onde aconteceu.
2 – Por que esse crime não pode ser chamado de “prostituição infantil”?
Quando se fala de “prostituição infantil”, há uma confusão com a situação de prostituição adulta. Pagar para ter relação sexual com pessoas adultas não é crime, no Brasil é uma escolha, uma opção. Do ponto de vista legal não há nada errado, nem com quem paga, nem com quem se prostitui.
Já em relação a pessoas com menos de 18 anos, esta é a nossa regra legal: quem paga para ter relação sexual é criminoso e o nosso Código Penal estabelece que o adolescente é vítima.
Crianças e adolescentes não se prostituem, são exploradas sexualmente.
3 – Qual a diferença entre exploração sexual e abuso sexual infantil?
No Código Penal há uma tipificação: qualquer relação sexual com pessoas com menos de 14 anos é estupro pela nossa legislação. Abuso é o termo usado comumente pelas pessoas, mas o termo técnico é estupro de vulnerável, que é esta relação não paga com menores de 14 anos.
4 – Você acredita que esse crime é invisibilizado no Brasil? Por quê?
Eu tenho certeza que o crime de exploração sexual é invisibilizado. Segundo dados levantados pela Polícia Rodoviária Federal em parceria com Childhood, existem mais de 3.600 pontos de exploração sexual de vulneráveis só nas rodovias federais. Já o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, mostra que só houve 733 registros de exploração sexual. Então é claro que esse crime é absolutamente invisibilizado. E tem mais um dado: uma pesquisa do Datafolha de 2018 mostra que 24% das pessoas entrevistadas sabiam ou já tinham presenciado alguma situação de exploração sexual, dessas só 28% denunciou.
As pessoas não denunciam porque esse é um crime muito naturalizado no país. A vítima sai do lugar de vítima e passa a ser tão culpada quanto a pessoa que a está explorando.
5 – Proteger as crianças da exploração sexual é uma responsabilidade de quem?
Proteger crianças, em qualquer situação de violência, e aqui a gente não fala só da violência sexual, é uma responsabilidade de toda a sociedade. E quem diz isso não sou eu, mas é a nossa Constituição Federal: o artigo 227 trata a criança e adolescente como prioridade absoluta para todos nós, o Estado – representado pelos governos e pelos poderes executivo, legislativo e judiciário –, a sociedade civil organizada e as empresas, e por cada indivíduo e pelas famílias.
Um crime entre nós
Para se aprofundar no tema, você pode assistir ao filme Um crime entre nós (2020) que investiga o mercado de exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil, um mercado no qual se troca infância por qualquer coisa menos valiosa.
Denuncie!
Para denunciar casos de exploração sexual de crianças e adolescentes, ligue para o Disque Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, o Disque 100. Você também pode procurar o Conselho Tutelar ou as Delegacias de Polícia da sua região.
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