Crianças de vários biomas brasileiros mandam recado à COP 28
Crianças da Mata Atlântica, Caatinga e Amazônia pedem que autoridades da COP 28 discutam questões como limpeza de rios e praias e apontem solução para as altas temperaturas
30|11|2023
- Alterado em 30|11|2023
Por Adriana Amâncio
Até o próximo dia 12 de dezembro, os olhos do mundo estarão voltados para Dubai, nos Emirados Árabes, onde ocorre a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 28). Contrariando algumas expectativas, as crianças na primeira infância podem e devem participar dos debates ambientais, uma vez que são cidadãs que vivenciam os efeitos dos problemas ambientais em seu cotidiano.
Um exemplo significativo é a experiência de Maria Helena Amâncio, de cinco anos, residente no bairro Barragem, em Barreiros, na região da Zona da Mata de Pernambuco, coberta pelo bioma Mata Atlântica. “Eu estudo música e vou para a aula com o meu pai ao meio dia. O sol está muito quente”.
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Outra experiência difícil que ela viveu envolve o descarte incorreto do lixo. Maria envia uma mensagem direta às autoridades presentes na COP 28, solicitando medidas para o cuidado do meio ambiente e a redução do calor.
“Eu lembro que eu fui um dia à praia com a minha mãe e o meu pai e deixaram um lixo [sacola plástica] que a tartaruga comeu e morreu. Isso é muito feio, muito grave”, lamenta.
Levando em conta os impactos que os problemas ambientais têm causado a ela e aos animais, Maria já manda o recado para as autoridades que estão na COP 28. “Tem que cuidar do lixo, proteger os animais e diminuir o calor”, afirma.
É essencial reconhecer que as crianças, especialmente na primeira infância, período que vai do nascimento até os seis anos, sentem diretamente os impactos das mudanças climáticas. JP Amaral, gerente de natureza do Instituto Alana, destaca a importância de incluir as crianças nos debates ambientais, pois as experiências vividas na infância as acompanham ao longo da vida. Ele aponta que, embora as crianças sejam fortemente afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas, uma porcentagem mínima dos recursos do Fundo Clima é destinada à infância, sublinhando a falta de visibilidade orçamentária para essa questão.
“As crianças estão na base da pirâmide, muitas estão vulneráveis e mantêm muito contato com a natureza, sentindo na pele o calor, as chuvas intensas”. “Nem 3% dos recursos do Fundo Clima são destinados à infância”, informa. Ele falou conosco direto de Dubai, onde participa da COP 28 ao lado de uma comitiva de profissionais que atuam com a infância. Era meia noite lá e, aqui, em Recife, local de apuração desta reportagem, os relógios marcavam 17h.
Mesmo com a intensidade dos preparativos, ele aceitou fazer contato com a nossa reportagem. Em dois dias de programação, eles apresentarão propostas para incluir as crianças nas medidas de redução dos efeitos das mudanças climáticas. Em um dos painéis, será exibido um vídeo com crianças de diversas partes do Brasil apresentando propostas para o meio ambiente.
Ester Gomes, seis anos, mora com a mãe e o irmão, de nove anos, em Porto Velho, (RO). Ela conta que a sua maior preocupação é com a derrubada das árvores da Amazônia, bioma que reveste o seu estado. “Quem derruba árvore não é legal”, avalia. Outro problema que também a preocupa é a falta de água na região amazônica. “É ruim viver sem água, ficar sujo, sem tomar banho”, comenta.
Ester teme pela derrubada das árvores na Amazônia, por isso defende leis para “parar de matar as árvores”
©Arquivo pessoal/Ester Gomes
Segundo o documento “A vida sem saneamento – para quem falta água no Brasil”, do Instituto Trata Brasil, na região Norte quase 2 milhões de moradores não têm acesso à rede geral de água tratada. Este número representa mais de 22% da população da região.
Mas Ester espera que na COP 28 sejam adotadas algumas medidas para acabar com a “morte das árvores” como ela mesma define. “Não pode matar as árvores, tem que dar água às árvores e fazer leis para parar de matar as árvores”, pontua.
Em outra extremidade do mapa, na região Nordeste, a sertaneja Malu Lima Martins, de cinco anos, que mora na comunidade rural Rita de Cássia, município de Valente, no Semiárido baiano, se queixa da estiagem intensa. A região onde vive Malu tem como bioma a Caatinga e concentra as chuvas em quatro ou cinco meses do ano.
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Segundo ela, há muitos dias não chove, as pessoas não conseguem plantar. Além disso, ainda são realizadas muitas queimadas como forma de preparar o terreno para plantar. “Não pode! Isso faz mal às plantas”, alerta. Malu considera importante reflorestar a Caatinga. “Acho que precisa plantar mais árvores para melhorar o meio ambiente”, defende.
Um estudo divulgado em 2022, indica que metade de todo o bioma Caatinga já foi desmatado. A vegetação se estende por dez estados e soma 60 milhões de hectares. O levantamento foi realizado pelas Universidades Federais do Rio Grande do Norte (UFRN) e do ABC (UFABC) e a Universidade de São Paulo (USP).
Segundo JP Amaral, gerente de Natureza do Instituto Alana, apenas na COP 27, realizada no Egito, em novembro de 2022, a infância começou a aparecer nas propostas de ações. “Essa COP 28 é um momento para avançarmos nos acordos internacionais sobre infância e meio ambiente”, avalia.
Ele dá uma dica de como mães, pais, avós, avôs e cuidadores no geral podem trabalhar o tema do meio ambiente com as crianças. “É importante partir da própria experiência da criança. Se ela diz que está sentindo calor, aproveita e conversa sobre o que causa esse calor. É uma ótima maneira dela entender o meio ambiente”, conclui.
Adriana Amâncio Jornalista formada pela Universidade Joaquim Nabuco (PE) com 25 anos de experiência em assessoria de comunicação e reportagem nas áreas de direitos humanos, gênero e meio ambiente. É repórter de Inclusão e Diversidade no Colabora – jornalismo sustentável. Já recebeu o Prêmio Sassá de Direitos Humanos, além de ser premiada por As Amazonas, Abraji e pela Embaixada dos Estados Unidos com o podcast “Cidadãs das Águas”.
Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.
Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.
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