Conexão Brasil-África: Quilombo da Parada recebe rei do Bailundo
Juliana Balduino, fundadora do quilombo, quer estreitar laços com continente africano, bem como suas conexões com o Brasil
Por Beatriz de Oliveira
27|10|2023
Alterado em 27|10|2023
Numa manhã de domingo, no dia 22/10, adultos e crianças aguardavam ansiosos a chegada de um visitante ilustre no Quilombo da Parada, localizado na zona norte de São Paulo (SP). Trata-se do rei Tchongolola Tchongonga Ekuikui VI, o 37º soberano do reino do Bailundo, o maior grupo étnico de Angola. O evento reuniu a comunidade local, representantes de quilombos urbanos e autoridades tradicionais de Angola.
Juliana Balduino, fundadora do espaço cultural, explica a importância do encontro: “Foi uma oportunidade de trazer uma referência da terra sagrada (África) para reafirmar todo o trabalho que realizamos na valorização da identidade de negra e na preservação da cultura africana”. O Quilombo da Parada é a sede do Instituto Esperança Garcia, que ofereceatividades educacionais e culturais para mulheres, adolescentes e crianças em situação de vulnerabilidade social, principalmente da região de Taipas, onde está localizado.
Em sua primeira viagem ao território brasileiro, o rei do Bailundo tem o objetivo de fortalecer laços entre Brasil e Angola. Para a ativista Preta Ferreira, que estava presente no encontro, essa meta foi alcançada. “Estamos em um quilombo recebendo um rei, é muita potência. As nossas raízes no Brasil muitas vezes são apagadas, mas hoje estamos revivendo a nossa verdadeira origem: a nossa descendência de reis e rainhas”, afirma.
Tchongolola Tchongonga Ekuikui VI, de nome civil Isaac Francisco Lucas, assumiu a liderança no reino Bailundo em 2021. Pertence à linhagem de Ekuikui, o monarca é formado em Direito e fala quatro línguas, inclusive, português. O reino está localizado na região central de Angola e abrange as províncias do Huambo, Benguela, Kwanza Sul, Bié e uma parte da Huíla. Com a colonização portuguesa e posterior independência de Angola, o reino perdeu poder nas decisões políticas e econômicas do território. Atualmente Angola vive o sistema de presidencialismo. A atuação do reino Bailundo se restringe a resolver questões internas, como problemas de moradores locais.
A programação incluiu café da manhã, cortejo do bloco afro Ilú Obá de Min, apresentações da comunidade e almoço. O momento mais marcante foi protagonizado pelas crianças que frequentam o Quilombo da Parada. Sentadas em frente ao rei, algumas fizeram perguntas a ele. Gestão da economia, idade, divisão entre vida pessoal e reinado foram alguns dos tópicos abordados .
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Após as perguntas, alguns integrantes leram em voz alta alguns dos livros disponíveis na biblioteca do quilombo, como uma obra infantil que conta a história de Nelson Mandela. A jovem Auriene, de 17 anos, conhece bem as estantes de livros do local. Atualmente é mediadora de leitura e faz parte do projeto há nove anos. Nesse tempo, aprendeu a valorizar as belezas e culturas das populações negras.
“Antes eu não gostava dessa cor, sofria muito preconceito. Mas a Juliana me ensinou a amar eu mesma, a cultura que eu vim”, conta. Sobre a vinda do rei, a jovem afirma: “eu nunca pensei que eu conheceria uma realeza, é um momento histórico pra mim”.
Ao fim do encontro, Juliana Balduino considera que as memórias vividas ali farão com que a comunidade se sinta mais próxima do continente africano, cientes de suas conexões ancestrais. “Foi um momento único para as nossas crianças, em que elas puderam ver uma referência que é igual a elas”.