Como construir intimidade com o próprio corpo
Educadora menstrual Maria Chantal dá dicas de exercícios para construir intimidade com o próprio corpo
31|05|2023
- Alterado em 17|05|2024
Por Maria Chantal
Verdade seja dita, mesmo enquanto adulto, todo mundo está aprendendo um monte de coisa, inclusive a transar. Não, você não leu errado. Se você é uma pessoa adulta hoje, provavelmente cresceu assistindo aos filmes estadunidenses da TV aberta, e se pertence a uma família, sociedade religiosa, subliminarmente aprendeu que saber sobre sexo e sexualidade é algo inato.
De acordo com o dicionário Oxford, “inato” é tudo o “que pertence ao ser desde o seu nascimento”, ou seja, aquilo que é natural de alguém. A pessoa não precisa passar por uma trilha de aprendizagem, pois ela já nasceu com aquele conhecimento.
Pessoas em um contexto religioso, onde o sexo só vai acontecer depois do casamento, e dentro desse meio, a intimidade a dois é tratada quase que às escondidas, como se não devesse saber sobre o assunto antes da prática, pois acreditasse que o conhecimento estimulará o jovem a praticar o sexo, o que na visão de muitas religiões é pecado de fornicação, se acontecer antes do casamento. Então, fica compreendido nas entrelinhas, que o casamento em si traz o conhecimento sobre intimidade e prazer, deforma mágica.
Já no âmbito audiovisual, os protagonistas de filmes dos anos 90 até 2015 davam essa impressão. Era bem comum assistir filmes onde um homem cis-hétero era o salvador da protagonista. E olha, eu não estou sendo exagerada ao usar a palavra “salvador” não. Mesmo quando o protagonismo era feminino, era bem comum serem eles a darem, trazerem, um propósito de vida e sexual para a vida da personagem feminina central do filme. Os caras sempre eram bem transantes, enquanto as protagonistas eram virgens inocentes, não sabiam nada sobre o assunto, nem ensinavam os caras a transarem de forma diferente. Como se existisse apenas uma forma de transar e essa única forma serve a todos.
Estou aqui falando de filmes comuns que eram classificados como românticos e direcionados para o público feminino jovem adolescente. Eram poucos os filmes que subvertiam a lógica de que as mulheres aprenderiam sobre sexo com homens, enquanto os homens teriam esse conhecimento naturalmente. Vale ressaltar que estou me referindo a filmes que retratavam principalmente mulheres e homens cisgêneros, heterossexuais, brancos e de classe média, em um contexto cultural estadunidense ou de algum país da Europa. Essa representação não refletia a maioria da população global.
Como eu vim não só de um contexto de consumo constante desse tipo de filme, mas também de uma família evangélica, não cresci com adultos à minha volta me ensinando sobre prazer, consentimento, menstruação. Pelo contrário, tudo isso foi colocado dentro de uma caixa chamada “tabu” que ficava no meio da sala, mas ninguém podia falar sobre, assim como qualquer elefante branco. Foram os incômodos gerados por esse desconhecimento e terceirização do autoconhecimento que me fizeram abrir essa caixa. Incomodada com o quanto eu desconhecia sobre sexo, comecei a estudar a ginecologia natural, um conhecimento milenar que visa a autonomia de corpos com vulva e o reconhecimento e bem viver de populações originárias de diversos territórios.
O que eu ia adquirindo foi me resgatando de buracos que eu chamei de relacionamentos, além de semear uma autoestima que aos poucos foi sendo regada diariamente. Por ver o quanto o autoconhecimento mudou a minha vida e a forma que eu me relaciono com as pessoas, eu digo que saber de si é extremamente revolucionário.
Então, quero te inspirar a se autopesquisar. Como acredito que a prática ajuda a fixar aprendizado,
Vamos de exercício
Olhe-se no espelho
Comprometa-se a olhar para o seu corpo nu toda vez depois do banho. Observe o seu rosto e as suas genitálias. Nesse primeiro momento, apenas observe, sem se comparar com ninguém, e perceba os seus detalhes.
Não tire a mão daí
Coloque a mão na vulva. Com uma das mãos faça uma concha, como se estivesse colocando uma concha na orelha para ouvir o som do mar, mas essa mão ao invés da orelha vai pra vulva, trazer aquele calorzinho. Essa mão deve estar quentinha e se possível com um lubrificante íntimo da sua preferência. Pode deixar a mão parada uns minutos e depois fazer um movimento vagaroso da direita para a esquerda e depois circular. Vá intercalando os movimentos. Isso é muito delicinha.
Olhar-se no espelho com frequência te ajuda a ver as mudanças quase que semanais que ocorrem com o seu corpo, principalmente se você ovula ou faz ingestão hormonal. Tocar a si mesma te ensina sobre os lugares que você gosta de ser tocada, onde é fácil de alcançar e onde é difícil. Por fim, tocar ao tocar a vulva, você desmistificando esse local tão proibido e que causa tanta ojeriza.
Faça um pacto com o toque
Escolha um óleo de gergelim, coco ou um hidratante que você goste e use-o para massagear o seu corpo, dos ombros aos pés. A massagem não só melhora a circulação sanguínea e linfática, mas também aumenta a intimidade com o seu próprio corpo.
Finalizo lembrando que a gente está em constante aprendizado, e isso é algo positivo.
Desejo a você um ótimo ciclo de aprendizado.
Maria Chantal Maria Chantal é uma mulher cis, bissexual, angolana em diáspora no Brasil. Estudiosa autodidata da Ginecologia Natural, atua como educadora menstrual, compartilhando conhecimentos sobre prazer, rebolado afro referenciados e a naturalização do ciclo uterino.
Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.
Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.
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