Centro de Culturas Negras de SP tem placa rasgada e suástica pichada no banheiro

O caso veio à tona na manhã da última quinta-feira (23), após um post feito por Mãe Paula de Yansã, liderança religiosa responsável pelo terreiro de Candomblé Axé Ilê Obá, que fica na mesma região.

Por Semayat S. Oliveira

23|11|2018

Alterado em 23|11|2018

O Centro de Culturas Negras do Jabaquara, localizado na zona sul de São Paulo, teve uma das placas de identificação rasgada e o banheiro feminino pichado com uma suástica nazista.
O caso veio á tona na manhã da última quinta-feira (23), após um post feito por Mãe Paula de Yansã, liderança religiosa responsável pelo terreiro de Candomblé Axé Ilê Obá, que fica na mesma região.
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As histórias do centro cultural e do terreiro se conectam lá atrás por meio de uma mulher: Mãe Sylvia de Oxalá. Ela herdou o Axê Ilê Obá do seu tio, Pai Caio de Xangô, em 1986, e tornou-se uma referência religiosa, comunitária.
Criado em 1980, o então Centro Cultural do Jabaquara teve o nome oficialmente reconhecido  como Centro de Culturas Negras do Jabaquara – Mãe Sylvia de Oxalá (CCNJ) em junho deste ano. Foi uma homenagem a luta de resistência e defesa da cultura afro-brasileira e de territórios marcados pela trajetória preta, como o bairro do Jabaquara.
Todo esse contexto faz com que Mãe Paula de Yansã, filha e sucessora de Mãe Sylvia, caracterize  o ataque como um ato de intolerância e preconceito. A placa de identificação rasgada tinha  o nome de Sylvia, que faleceu em 2014, em evidência.
O símbolo da suástica nazista foi encontrada no banheiro feminino. Frequentadores alegam ter percebido a presença da imagem no dia 20 de novembro, última segunda-feira,  dia em que se celebra o Dia da Consciência Negra. Mas não se sabe exatamente quando a pichação aconteceu.
Em visita ao local neste sexta-feira (24), a equipe do Nós, mulheres da periferia identificou que o banheiro feminino já foi pintado. Além disso, funcionárias comentaram que as colaboradoras da limpeza se dedicaram em apagar  a  suástica o máximo possível.

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Um dos integrantes do terreiro Axé Ilê Obá recebeu a imagem, que segundo a fonte estava no banheiro feminino do centro cultural.


Em entrevista ao Nós, a yalorixá disse que receberam a notícia na quarta-feira. “Foi uma surpresa muito grande, porque nossa luta sempre foi em defesa da igualdade, do amor e do reconhecimento da cultura do nosso país. O bairro do Jabaquara tem, desde a sua formação, o respeito da população por essa luta”, disse.
“Espero que as autoridades responsáveis investiguem esses atos para que não se repitam. Racismo é um crime inafiançável”, alertou Mãe Paula. “Vamos manter nossa luta, resistindo e denunciando todo tipo de intolerância. Estamos unidos e não vamos nos calar”.
Procurada, a Secretaria Municipal de Cultura lamentou o ato de vandalismo e informou que irá substituir os itens danificados. “Acreditamos no respeito e na tolerância e nossa programação cultural reflete essa crença na diversidade. Esperamos que tais atos não se repitam e contamos com a ajuda de toda a comunidade neste sentido”, disse em nota.

História

O terreiro de candomblé Axé Ilê Obá é um símbolo da cultura negra paulista. O espaço foi tombado como patrimônio histórico da cidade de São Paulo em 1990 pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico).
Também na década de 90, o atual Centro de Culturas Negras – Mãe Sylvia de Oxála abrigou o Acervo da Memória e do Viver Afro-brasileiro “Caio Egydio de Souza Aranha”, idealizado por Mãe Sylvia.
Estabelecido no antigo caminho para Santo Amaro, conhecido como Sítio da Ressaca, ali havia um “quilombo de passagem”. Era um ponto de parada na jornada de homens e mulheres negras escravizados em direção ao quilombo do Jabaquara, em Santos.
Segundo Mãe Paula, o lugar foi constituído por jesuítas em 1560. Por conta  da distância dos núcleos coloniais existentes na época, o local passou a ser conhecido como “YAB-A-QUARA” (esconderijos constituídos de rochas e buracos), que mais tarde deu origem ao nome do  bairro.

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Mãe Sylvia de Oxalá teve sob sua tutela muitos projetos importantes para comunidade:
Instituto Axé Ilê Obá, Centro Cultural, Educação, preservação das raízes Africanas.

©Divulgação Mãe Paula

“Os negros construíram esse bairro. Por isso, esse não é um ataque somente contra um acervo, mas contra a cultura de um país”, afirmou.

Inaugurado em 12 de julho de 1980, o prédio tinha a proposta de ser um núcleo de atividades culturais integradas. É composto por uma casa de cultura, um teatro e duas bibliotecas: a Paulo Duarte (hoje especializada em temáticas negras) e a infantil-juvenil Dr. Joaquim José de Carvalho. As duas foram unificadas em outubro de 2005, passando a denominar-se apenas Biblioteca Paulo Duarte.
Em 8 de junho de 2018, após a provação do Projeto de Lei nº 663/17 do então vereador Eduardo Suplicy, o centro cultural foi oficializado como equipamento municipal de cultura e patrimônio da cidade de São Paulo.
Desde então, o nome passou a ser Centro Municipal de Culturas Negras do Jabaquara – Mãe Sylvia de Oxalá. É o primeiro a ter a questão racial como eixo principal e o único  equipamento público da cultura na região do Jabaquara.


Vizinhança 

Cercado por condomínios residenciais, a jornalista  Natália Alves Passafaro morou na região do centro cultural por dois anos. Após se mudar,  costumava visitar sua mãe, que viveu nas redondezas até agosto de 2018.

Ela relata que reclamações dos vizinhos eram frequentes, normalmente em relação às músicas e toques de religião de matriz africana, ao rap e Dub [um estilo de reggae]. Em sua opinião, isso é reflexo da falta de conhecimento sobre a história e a importância da função social do centro cultural.

“Eu ouvia comentários sobre as pessoas que frequentam, estilos, roupas, cabelos, e obviamente pela cor da pele. Em tons sempre pejorativos. Na linha de: ‘música de preto, maconheiro, favelado, desengonçado'”, contou Natália.

Certa vez, no grupo de redes sociais do condomínio que ela vivia até então, organizaram, um abaixo-assinado. A meta era solicitar que a subprefeitura impedisse as atividades culturais do espaço ou restringisse a entrada.
“Eu e algumas outras pessoas chegamos a intervir, mas primeiro pelo diálogo. Buscamos entender de fato qual era o problema. Ao perceber que não existia problema, partimos para outros lugares de argumentação. Em um dos casos, ameaçamos fazer uma denúncia por injúria racial. O diálogo com esses vizinhos era extremamente conflituoso e delicado”.

Em sua opinião, muitos moradores veem o centro cultural apenas como uma biblioteca, um espaço verde onde podem levar o cachorro para passear, as crianças para brincar, jovens para ouvir música ou para leitura. Mas não compreendem a importância daquele território.

Ela ainda citou que a coordenação do espaço tentou um maior diálogo com a comunidade. Mas, embora não saiba o motivo,  até a sua presença no local, não houve sucesso.

“Não podemos ser ingênuos, alguns moradores do entorno, por estarem perto do metrô, em condomínios, se enxergam como classe média. E aí mora o racismo, o classismo, e a LGBTfobia. É a ‘elite do Jabaquara’.

Natália disse que nunca soube de nenhum fato ou atitude que justificasse a repulsa, “a não ser o preconceito”.

 Colaborou: Róger Cipó
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