Cenário de investimento no esporte brasileiro é elitista e desigual, diz pesquisadora
Pesquisadoras analisam investimento em esporte no Brasil e apontam caminhos para alcançar maior equidade
Por Beatriz de Oliveira
12|08|2024
Alterado em 12|08|2024
Ver mulheres negras no pódio é bom demais. Rebeca Andrade, Beatriz Souza e a dupla Ana Patrícia e Duda emocionaram os brasileiros conquistando o ouro nas Olimpíadas 2024. Mas o entusiasmo em assistir competições esportivas acompanha também dúvidas e discussões sobre o investimento em esporte no país. Qual é o atual cenário de investimento? Mulheres periféricas são favorecidas por esse cenário?
Segundo pesquisa da Ponto MAP, nos últimos 20 anos o Brasil investiu R$ 43,4 bilhões nos esportes olímpicos e conquistou 84 medalhas no mesmo período.
“O Brasil investe no esporte de forma similar a muitos outros países com sucesso esportivo, então no que tange ao esporte de rendimento, podemos avaliar que houveram grandes avanços a partir da criação de legislações que garantem o financiamento do esporte”, afirma Cacilda Amaral, docente e pesquisadora do curso de Ciências do Esporte da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, e presidente na Associação Brasileira de Gestão do Esporte.
No entanto, quando o assunto é esporte de participação e educacional, o cenário muda. “O orçamento para estas manifestações não é garantido, e alguns programas federais hoje dependem de verba via emendas parlamentares para existirem. Ou seja, o esporte nas suas manifestações de participação e educacional não possuem continuidade e consistência. Isso acaba por influenciar tanto o acesso da população ao esporte e lazer, como também na detecção, seleção e desenvolvimento de novos talentos esportivos”, diz.
O esporte educacional tem como objetivo o desenvolvimento integral da pessoa, sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer. O esporte de participação é aquele praticado livremente, sem regras oficiais a serem seguidas. Já o esporte de rendimento é praticado conforme regras nacionais e internacionais.
De acordo com Daiany França Saldanha, que é CEO da organização Líderes Esportivos e pesquisa descentralização do financiamento no esporte, o investimento nesse setor no Brasil é marcado por uma concentração de recursos em estados do sudeste.
O atual cenário de investimento no esporte brasileiro pode ser considerado elitista e profundamente desigual
Daiany França Saldanha
E acrescenta: “essa concentração de recursos cria barreiras para a promoção do esporte e da atividade física em todo o país, evidenciando a negligência no direito ao esporte. Isso compromete o princípio fundamental de que o esporte deve ser acessível a todas e todos, independentemente de localização geográfica ou condição socioeconômica, revelando uma falha no cumprimento das obrigações do Estado em garantir esse direito de maneira ampla e inclusiva”.
Daiany França Saldanha é CEO da organização Líderes Esportivos
©arquivo pessoal
Levantamento realizado pela Folha de São Paulo mostrou que 62% dos atletas da delegação brasileira nas Olimpíadas 2024 são do sudeste. Apenas em São Paulo, são 92 atletas. A região norte do país conta com apenas dois representantes.
“Mesmo os atletas que nascem e se desenvolvem como atletas em outras regiões se veem muitas vezes obrigados a migrar para o sudeste se quiserem estar num clube que propicie ambiente e recursos para a prática esportiva e participação em campeonatos, para se desenvolver e chegar ao alto rendimento. Se analisarmos os clubes que possuem atletas medalhistas olímpicos, também teremos um panorama da maioria ser da região Sudeste”, pontua Cacilda.
Cenário de investimento em esporte está longe do ideal
Entre os programas de investimento ao esporte mais expressivos estão o Bolsa Atleta, a Lei de Incentivo ao Esporte e a Lei das Loterias.
Bolsa Atleta: programa de patrocínio individual de atletas, com valores mensais que variam de R$ 370 a R$ 16.629;
Lei de Incentivo ao Esporte (LIE): é a Lei nº 11.438/06, que permite que recursos provenientes de renúncia fiscal sejam aplicados em projetos das diversas manifestações desportivas e paradesportivas;
Lei das Loterias: destina cerca de 1,7% do valor apostado em todas as loterias federais do país ao Comitê Olímpico do Brasil (COB).
Segundo dados do governo federal, em 2023, o Bolsa Atleta investiu R$121 milhões em atletas de modalidades olímpicas e paralímpicas, com 8.292 bolsas concedidas. Juntando com os recursos da Lei de Incentivo ao Esporte e Lei das Loterias, foram R$860 milhões investidos.
Além disso, o país também conta com o Programa Revelar Talentos, que apoia equipes e atletas brasileiros que se encontram nas fases iniciais do treinamento esportivo, bem como o Programa Atletas de Alto Rendimento (Paar) que investe em atletas militares, os quais contam com todos os benefícios da carreira militar (salário, décimo-terceiro, férias e assistência médica multidisciplinar).
Daiany pontua que “a Lei de Incentivo ao Esporte, embora funcione aquém do seu potencial, tem permitido que ONGs em todo o Brasil melhorem a qualidade dos seus projetos”.
Mas o cenário está longe do ideal. “No caso do esporte para meninas e mulheres, os desafios vão além dos financeiros. Existem barreiras culturais e sociais que dificultam o acesso e a permanência dessas mulheres no esporte, como a falta de incentivo desde a infância, estereótipos de gênero que limitam a participação de mulheres em certas modalidades e a baixa presença de mulheres em posições de liderança”, diz a pesquisadora.
Cacilda explica que esse cenário não se deve apenas a questão do investimento em esporte, mas na falta de seguridade social. “Por vezes não é apenas e especialmente a falta de investimento no esporte que inviabiliza meninas e mulheres negras de acessarem a prática, mas sim toda uma estrutura que as impede de acessar quaisquer práticas culturais e de lazer. Além disso, é necessário garantir espaço seguros para que meninas e mulheres pratiquem o esporte, local livre de assédios (moral, sexual, psicológico), e que as motivem a continuar a prática”, diz.
Cacilda Amaral é docente e pesquisadora do curso de Ciências do Esporte da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp
©arquivo pessoal
“Não podemos esquecer que para uma Rebeca que deu certo, milhares de meninas negras sequer puderam acessar a prática da ginástica artística, do judô, da natação, do futebol, ou quaisquer outras práticas esportivas, porque há toda uma estrutura que impede essas meninas de acessarem a prática. Não podemos cair no erro de dizer que basta que a menina ou mulher se esforce, que ela consegue chegar lá. São inúmeros fatores que influenciam a participação de meninas e mulheres no esporte, especialmente meninas negras periféricas, são inúmeras as barreiras enfrentadas por elas para começar e se manter no esporte”, reflete.
Caminhos para equidade no esporte
Os caminhos para tornar o investimento em esporte mais eficaz e equitativo passam pela garantia de direitos sociais, como garantia de alimentação, moradia digna, trabalho, acesso à saúde e educação, conforme pontua Cacilda.
“Neste sentido, o desenvolvimento de políticas de forma integrada com a educação e a saúde me parece uma alternativa. Isto porque os problemas sociais são complexos, e os setores possuem dificuldade em resolvê-los em programas e ações isoladas”, afirma.
Para Daiany, parte da solução está na descentralização dos recursos, com a distribuição de recursos de modo justo a todas as regiões do país. “Isso pode ser alcançado através de advocacy junto a empresas incentivadoras, municípios e estados, visando o fortalecimento de políticas públicas que priorizem a inclusão de grupos minorizados”, explica.
Outro ponto é o investimento na educação política das organizações esportivas, com a capacitação acerca do direito ao esporte e sua estrutura. “Dessa forma, elas estarão melhor equipadas para navegar pelas complexidades legais e burocráticas, além de se envolverem de forma mais ativa na defesa de políticas públicas que promovam a inclusão e a equidade”, diz.
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