Caso Braskem: ‘estamos com uma dor coletiva que precisa ser cuidada’
Ativista Evelyn Gomes explica desastre que acontece desde 2018 em Maceió (AL), ocasionado por atuação da mineradora Braskem
Por Beatriz de Oliveira
14|12|2023
Alterado em 14|12|2023
A ativista alagoana Evelyn Gomes tem atuado no caso Braskem desde 2019, quando foi convidada a dar uma palestra em Maceió (AL) e tomou conhecimento da dimensão do desastre que acontecia na região. Desde então, retornou ao estado – naquele período estava morando em São Paulo (SP) – e cofundou, junto a outros ativistas e pesquisadores, o Observatório Caso Braskem. No projeto, “mantemos diálogo com a academia, traduzimos dados, em relatórios e denúncias, e também mantemos o nosso Instagram, onde informamos o que acontece”, explica em entrevista ao Nós, mulheres da periferia.
Evelyn Gomes tem atuado no caso Braskem desde 2019
©reprodução Instagram
Afundamentos de cinco bairros, tremores de terra, rachaduras nas casas e mais de 60 mil pessoas deslocadas de seus lares são algumas das consequências vividas no que é definido como o maior desastre em área urbana em curso no mundo. A tragédia se arrasta há cinco anos, quando os primeiros tremores de terra foram sentidos, mas há registros de rachaduras nas casas há ao menos uma década.
A situação foi desencadeada pela extração inadequada de sal-gema feita pela empresa Braskem. Sal-gema é um minério usado pela indústria química para produção,por exemplo, de PVC (um tipo de plástico). Em 2019, um laudo do Serviço Geológico do Brasil (SGB) concluiu que as atividades da mineradora em área de falha geológica causaram o problema, levando à suspensão das operações da empresa na região.
Com a necessidade de desocupação dos bairros, foram firmados acordos entre a Braskem, o poder público e os moradores, para o pagamento de indenizações. No entanto, movimentos e ativistas atuantes na região, inclusive Evelyn Gomes, alertam que os valores definidos foram injustos, ficando abaixo dos danos causados.
Há ainda, um dano emocional imensurável vivido por aqueles que viram seus lares desabarem e seus bairros perderem vida. “É importante ressaltar a dor de ter sido retirado do bairro em que você cresceu.Estamos vivendo uma forte questão de depressão entre atingidos na cidade; há alguns estudos sendo conduzidos, mas percebemos um profundo entristecimento. Nesse aspecto, o poder público tem falhado muito, porque estamos enfrentando essa dor coletiva que precisa ser cuidada”, pontua Evelyn.
Para entender o que está acontecendo em Maceió, leia a entrevista completa.
Nós: Quando começaram os problemas para a população de bairros de Maceió relacionados a atuação da Braskem da região? E quais são esses problemas?
Evelyn Gomes: Em março de 2018, tivemos um tremor de terra, cujo epicentro foi no bairro Pinheiro. A partir disso, começaram a aparecer rachaduras nas vias públicas e nas casas. A população ficou com medo e fez muitas denúncias. Foi aí que a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) [atual Serviço Geológico do Brasil (SGB)], veio fazer um estudo. Ficamos cerca de um ano e três meses sem saber exatamente o que estava acontecendo. Até que saiu o laudo da CPRM, indicando que o caso estava relacionado à extração inadequada de sal gema, ultrapassando os limites estabelecidos pela licença da Braskem.
Vale destacar que os primeiros bairros a receberem apoio financeiro para evacuação, eram de classe média, com maioria de residentes brancos. Os que permaneceram até hoje, sem chegar a um acordo e permanecem nas margens da lagoa são pescadores e marisqueiros que moram em cabanas de madeiras e palafitas.
Nós: Desde o pagamento das compensações até a evacuação das casas, como tem sido tratada a população vítima do desastre?
Evelyn Gomes: Com o acordo celebrado pela força-tarefa, composta pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Estadual (MPE) , Defensoria Pública da União (DPU) e Braskem, a empresa ficou encarregada negociar as indenizações individualmente. A Braskem apresentava uma base de cálculo fornecida por engenheiros e arquitetos, aos moradores. Portanto, quem tinha recursos para contratar uma avaliação independente se saía melhor nas negociações, enquanto aqueles que não podiam arcar aceitavam os valores propostos..
Vivíamos todos em estado de muito pânico, porque a Braskem ainda não havia iniciado o processo de estabilização das minas. Isso ocorreu durante a pandemia de Covid-19, entre 2020 e 2021. A cada chuva, muitas pessoas temiam serem soterradas. No desespero, muitos aceitaram acordos que certamente não foram justos. As negociações eram sigilosas, os acordos não podiam ser publicados.
Nós: Como avalia a postura e ações da Braskem diante do desastre?
Evelyn Gomes: A atuação da Braskem está numa posição muito confortável, pois, como não houve o apelo da mídia, a empresa tinha uma capacidade de negociação maior do que qualquer outra parte envolvida. Para mim, os acordos não foram éticos, ninguém que eu conheça acredita que os valores recebidos foram justos e suficientes para recomeçar a vida. Alguns receberam o dinheiro, mas ainda conseguiram comprar suas casas, devido ao dano moral e à confusão na saúde mental, sem possibilidade de começar uma nova vida, pois não queriam ter deixado seus territórios.
Em 2020 e 2021, à medida que as pessoas tinham acesso ao dinheiro para comprar outras casas, Maceió foi a cidade que mais viu crescer o valor dos imóveis. Então, quando recebiam o dinheiro, não conseguiam mais adquirir uma propriedade do mesmo tamanho e qualidade que tinham antes.
Nós: Como avalia a atuação da prefeitura e do poder público diante do caso?
Evelyn Gomes: Todas as gestões que lidaram caso não tiveram qualidade suficiente na resolução. O acordo selado para o município foi abaixo do que consideramos adequado. Agora, enfrentamos problemas com bairros superlotados, sem equipamentos públicos para acolher todas as pessoas. Já vivíamos em uma cidade com deficiências relacionadas à saúde, educação e violência e tivemos um agravamento disso.
A prefeitura escolheu fazer um acordo direto com a Braskem, de R$ 1,7 bilhão, e grande parte desse montante foi destinada à compra de um mega hospital, sem considerar a população que precisava ser cuidada e os bairros para os quais essa população migrou.
No final das contas, mesmo o MPF tendo suas falhas, houve um pouco mais de cuidado com a população. O Estado de Alagoas tem tentado incluir algumas pessoas no acordo, mas, ao mesmo tempo, não tem agido de maneira que traga uma resolução.
Nós: Deseja acrescentar mais algum comentário?
Evelyn Gomes: Neste momento, estamos com uma ferida aberta. É importante ressaltar a dor de ter sido retirado do bairro em que você cresceu. Hoje, aquelas ruas e casas não existem mais. Estamos enfrentando uma forte depressão entre os atingidos na cidade; há alguns estudos sendo conduzidos, mas percebemos um profundo entristecimento. Nesse sentido, o poder público tem falhado muito, porque estamos com essa dor coletiva que precisa ser cuidada. Quem mais está lutando por essas dores é a sociedade civil e os jornalistas independentes.