Após denúncias do Nós, vereadora Jussara Basso entrega ofício ao Amparo Maternal (SP)
No documento, são solicitadas respostas às denúncias de violência obstétrica ocorridas no hospital. A entrega foi acompanhada por integrantes de uma coletiva de doulas independentes, profissionais que têm sido proibidas de atuar na maternidade
Por Amanda Stabile
19|05|2023
Alterado em 19|05|2023
Na última segunda-feira (15), a vereadora Jussara Basso (PSOL), compareceu ao Amparo Maternal, localizado na região centro-sul de São Paulo (SP), e entregou um ofício solicitando respostas às denúncias de violência obstétrica ocorridas no hospital. A entrega foi acompanhada por integrantes de uma coletiva de doulas independentes que está atenta e atuante na denúncia dos casos.
Jussara, que também é vice-presidenta da Comissão Extraordinária de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal de São Paulo, entrou em contato com o tema a partir do especial Doulas Denunciam, publicado em 8 de março no Nós, mulheres da Periferia. Nas reportagens, por meio de depoimentos de doulas e mães, a redação conta histórias de violências e constrangimentos vividos na maternidade.
As doulas são profissionais contratadas pelas gestantes para dar assistência aos nascimentos dos bebês e garantir que aconteçam de forma humanizada e livre de violência obstétrica.
Desde 19 de outubro de 2022, o Nós questiona a SPDM – Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, que administra o hospital, em relação às declarações, mas sem retorno.
Assim, no ofício entregue por Jussara Basto ao hospital e enviado a Luiz Carlos Zamarco, secretário municipal de saúde, a vereadora comunica as denúncias, que envolvem a diminuição ou a supressão da autonomia da mulher no momento do parto, bem como o tratamento das gestantes muitas vezes de maneira hostil e violenta, com o aumento de prática de intervenções médicas.
É direito da mulher que sua vontade seja respeitada no trabalho de parto, sem intervenções médicas desnecessárias e da forma mais humanizada e natural possível
aponta a vereadora no documento.
“Nesse sentido, solicito com URGÊNCIA que se realize investigação aprofundada da ocorrência de casos de violência obstétrica no Hospital Amparo Maternal, com a participação de avaliadores externos à instituição. Também solicitamos que sejam prestados esclarecimentos a respeito das denúncias já notificadas à instituição e das providências tomadas pelo Hospital Amparo Maternal para que tais casos não mais ocorram”, solicita.
Vereadora Jussara Basso (PSOL) com o ofício entregue ao Amparo Maternal e enviado ao secretário municipal de saúde
©Jonatas Solano
Proibição da entrada de doulas
Durante os últimos meses, o Nós, mulheres da periferia também recebeu denúncias de que, desde novembro de 2022, doulas têm sido proibidas de entrar no hospital Amparo Maternal. Essas declarações também estão contempladas no ofício.
No Brasil, não há uma lei federal que garanta a entrada e permanência da doula nos hospitais. Mas, a nível municipal, em São Paulo (SP), desde 2016, as doulas podem acompanhar gestantes e parturientes durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, de acordo com a Lei Orgânica 16.602/2016.
A normativa também aponta que a presença da doula não impede que o acompanhante escolhido pela gestante assista ao parto. A única exceção para a permanência da profissional é o espaço físico do centro obstétrico:
Na hipótese do espaço físico do centro obstétrico não comportar a permanência de ambos, será viabilizada presença do acompanhante ou da doula, conforme indicado pela parturiente
Parágrafo único da Lei Orgânica 16.602/2016
E é justamente esse o argumento usado pelo Amparo Maternal para barrar a entrada das doulas, além da limitação de circulação nos serviços de saúde devido ao Decreto nº 59.283, de 16 de março de 2020. De acordo com a assessoria de imprensa e a ouvidoria da SPDM, que responderam à reportagem pela primeira vez após a visita da vereadora, “devido à área física das salas de indução do parto e Alojamento Conjunto, só está permitida a presença de um acompanhante, que pode ser de escolha da paciente”, informaram por email nos últimos dias 16 e 17 respectivamente.
Após a entrega do ofício ao hospital, a vereadora Jussara foi convidada para uma conversa com a diretora do hospital, Fernanda Cassia Ferrari Lance, junto de sua assessora de imprensa, Gisele Peres, e Daisy Martins, representante do grupo de doulas.
Além das informações já citadas, a organização também apontou que, a partir do Decreto nº 62.394, de 12 de maio de 2023, “nas salas de PPP – Pré-Parto, Parto e Pós-Parto, é possível a permanência do acompanhante escolhido pela paciente mais a doula”.
Doulas e a equipe da vereadora Jussara Basso em frente ao Amparo Maternal
©Jonatas Solano
A falta de estrutura foi informada à Secretaria da Saúde?
Para Bruna Thayse, advogada especializada no ciclo gravídico puerperal e em direito médico, há algumas problemáticas nesse processo que está cerceando direitos.
É utilizada essa lei municipal que aborda a questão da infraestrutura da maternidade, mas tem anotação no prontuário de que a doula quis entrar, mas por causa da falta de espaço ela não pôde? Foi comunicado à Secretaria de Saúde que não tem espaço para a mulher que está querendo gozar desse direito?
A advogada ainda alerta que negar a presença da doula durante o parto é uma violência obstétrica, já que as profissionais podem ser consideradas um método de alívio não farmacológico de dor. Esse termo está presente na RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) 36/2008, uma recomendação do Ministério da Saúde que fala o que o serviço de atendimento obstétrico e neonatal precisa ter para fornecer o atendimento às gestantes e parturientes.
O papel das doulas é abordado de forma indireta na recomendação e é possível fazer uma interpretação jurídica a partir disso. O item 9 da RDC dispõe que o serviço precisa oferecer um ambiente acolhedor com base na humanização e acesso a itens não farmacológicos de dor – ou seja, métodos sem o uso de medicamentos.
“E o que é a doula senão esse item não farmacológico de dor?”, questiona Bruna. “Então não oferecer à mulher a possibilidade de gozar desse direito é também uma infração sanitária”.
Próximos passos
“Nossa mandata vai acompanhar a devolutiva da Secretaria Municipal da Saúde sobre as denúncias existentes e acionar o Ministério Público, além de encaminhamentos na Câmara Municipal por meio de legislação específica e programas de políticas públicas”, informa a vereadora Jussara Basso.