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Ajuliacosta: entre as linhas de costura e as letras de rap

Em entrevista ao Nós, mulheres da periferia rapper Ajuliacosta fala sobre carreira, moda, novo álbum e machismo no hip hop.

Por Beatriz de Oliveira

28|08|2023

Alterado em 31|08|2023

Dividindo o tempo entre sua marca de roupas e a carreira como rapper, Júlia Costa, mais conhecida como Ajuliacosta, atinge destaque no cenário do hip hop nacional. A dona dos hits Homens como você e Não foi do nada, conta que o rap lhe deu identidade e revela informações sobre novo álbum.

Natural de Mogi das Cruzes, Região Metropolitana de São Paulo, Júlia foi criada pela mãe. “Eu lembro de vê-la só aos finais de semana, porque trabalhava durante a semana, mas, ao mesmo tempo, sempre conseguiu ser uma grande referência para mim, no sentido de trampar e fazer as coisas acontecerem”, diz.

Em contato com a costura desde cedo, conta que a avó é costureira e ensinou a família a usar as linhas e agulhas. A Mc começou a expressar esse dom ao customizar suas próprias roupas. As amigas da escola gostaram dos looks e, assim, a artista começou a vender suas confecções.

Ao sair de um emprego como jovem aprendiz e receber uma quantia de dinheiro de rescisão, decidiu investir tudo em sua marca. Daí surgiu Ajuliacosta SHOP. O movimento hip hop é um alicerce da loja, que “dialoga diretamente com povo preto e que formou a Júlia como uma mulher preta”, como explicado no site oficial de vendas.

O hip hop me trouxe identidade. Quando fui adentrando o rap na minha adolescência, mudei muito a minha forma de pensar, quem eu sou e que espaço ocupo.

De Júlia Costa para Ajuliacosta

Da pouca convivência que teve com o pai, Júlia guarda na memória os grupos de rap que ele escutava, como Ao Cubo, Trilha Sonora do Gueto e Ndee Naldinho. “Um dia fui na casa dele e ele me deu um DVD do Racionais MC’s, o 1000 Trutas 1000 Tretas. Fiquei vidrada naquele DVD, é o meu favorito”, conta.

Quando começou a frequentar batalhas de rap com amigas, a artista passou a ouvir rappers que participavam dessa cena, como Emicida, Rashid e Karol Conka. Incentivada pelas amigas, Júlia mostrou algumas letras que tinha escrito para rappers que frequentavam batalhas. A partir daí veio o convite para participar do grupo Mistura de Fatos. Foi integrante por pouco tempo, saiu por se sentir nova para iniciar a carreira musical aos 14 anos.

Seu primeiro EP, Brisa de Outono, chegou quando a Mc completou 18 anos. A obra reuniu três faixas. Depois disso, veio uma nova pausa na trajetória musical, “mais uma vez eu senti que não era a hora, fui vivendo outras coisas, trabalhando muito na minha marca. Costurava todas as roupas e tive que tomar várias decisões antes pra conseguir fazer o rap”, diz.

Quatro anos depois, em 2020, lançou a música Mina Chavosa, junto com o videoclipe. Além do figurino do clipe, a moda se faz presente na letra: “O boot mais chave eu ponho no pé/ Amo dourado e não tenho segredo/ Ouro no pescoço e na ponta dos dedo”.

Marido de bandida

Ao compor suas letras, a rapper leva suas vivências e de suas amigas como base. Com isso, se contrapõe às narrativas masculinizadas do movimento hip hop. Um exemplo é a música Marido de Bandida, do EP AJU, lançado em 2022.

Num trecho da música se ouve: “Não se mexe com marido de bandida/ eu chamo pra resumo que conversa não se estica me olha meia-hora e já nota minha picadilha/ aí você aprende por que eu sou bandida fina”.

Todo mundo fala de mulher de bandido, mas ninguém fala do marido da bandida. Então, realmente foi para dar uma cutucada nessa questão e também trazer o nome das minhas amigas da vida, que foram pessoas que me incentivaram. Foi uma homenagem para todas as minas, para as minhas amigas e para Mogi das Cruzes, que é a cidade de onde eu venho.

Num meio ainda machista, Ajuliacosta reivindica respeito às minas que cantam e escutam rap. “O rap consegue ser mais machista que o funk, principalmente em relação ao público. Quando uma mulher tem destaque no rap, ela sofre muito hate pelo público masculino. Embora eu veja que o público feminino do rap é gigante. Então, a gente devia ser respeitada não só pelos MC’s e pelo público masculino, mas também por esses festivais que fazem line e não colocam uma mina”, pontua.

Para mudar esse cenário, Júlia acredita que é necessário que mulheres ocupem diversos cargos dentro do cenário musical. Pensando nisso, criou o SET AJC, uma produção de música e clipe que reuniu mulheres em todas as etapas, na frente e atrás das câmeras. A faixa, lançada em 2021, conta com a participação das rappers Mc Luanna, Mac Júlia, NandaTsunami, N.I.N.A e Alt Niss.

Eu queria que fosse um ambiente onde mulheres se sentissem confortáveis editando, produzindo, dirigindo, enfim, tudo que é necessário para o projeto acontecer com mais sensibilidade.

Esse modo de pensar suas produções tem gerado retornos positivos para a rapper. Nos shows, boa parte do público é parecido com ela. Ao receber mensagens e comentários elogiando seu trabalho, sente que isso a impulsiona a seguir nessa trajetória e comprova que sua narrativa está sendo ouvida.

Para além das músicas, os clipes de Júlia também agradam ao público. O último, para a faixa Não foi do nada, presenteou as fãs com a transformação de um dos versos mais marcantes em realidade: “eu vou lá no seu trampo e vou quebrar sua moto”. “Fazer clipe de forma independente é sempre um desafio”, pontua a rapper.

Atualmente, a artista trabalha em seu novo álbum e aposta em composições feitas a partir de histórias que viveu e que observou. O objetivo é gerar identificação. Serão 11 faixas e dois lados. No lado A estarão as faixas mais sentimentais e, no lado B, as letras cantadas com mais raiva.

A ideia é falar sobre a dualidade das pessoas,”que existe e não dá pra ignorar”, explica. Amor, relacionamento preto, abuso policial e ego serão alguns dos temas tratados. Olhando para o futuro, Júlia espera alcançar um espaço de reconhecimento no meio musical. “Que ocupar o lugar que minha rima merece”, resume.