
Absolvições de policiais expõem racismo estrutural do sistema de justiça
Situações de absolvição de policiais envolvidos na morte de jovens negras e negros, como o caso de Kathlen Romeu, revelam a face racista da justiça do país
Por Beatriz de Oliveira
18|08|2025
Alterado em 18|08|2025
Em junho de 2021, Kathlen Romeu faleceu após ser atingida por um tiro de fuzil no Complexo do Lins, zona norte do Rio de Janeiro, durante uma ação da Polícia Militar. Em agosto de 2025, os policiais acusados de fraudarem o local do assassinato da jovem foram absolvidos. Kathlen é mais uma vítima da letalidade policial e da falta de justiça.
Em junho de 2021, a modelo e designer de interiores Kathlen Romeu visitava a avó no Complexo do Lins, zona norte do Rio de Janeiro, quando foi surpreendida por um tiroteio. A jovem de 24 anos, grávida de quatro meses, faleceu após ser atingida por um tiro de fuzil no tórax disparado por policiais militares.
A absolvição dos policiais Rafael Chaves Oliveira, Rodrigo Correia Frias e Marcos Felipe da Silva Salviano foi definida em Auditoria da Justiça Militar e se refere à alegação de adulteração do local do crime. O caso de assassinato irá a júri popular, mas ainda não há data prevista; os PMs Frias e Salviano serão julgados, por estarem patrulhando a região onde a jovem foi morta.
“O resultado do julgamento expressa aquilo que, há décadas, os movimentos de mulheres negras, de mães e familiares de vítimas da violência do Estado denunciam: o sistema de justiça brasileiro ainda opera a partir de lógicas racistas e sexistas, oferecendo um tratamento discriminatório às vítimas, suas mães e familiares, submetidos a múltiplas violências”, afirma Mônica Sacramento, coordenadora programática da ONG Criola.
O caso de Kathlen Romeu não é isolado. Outras famílias de vítimas negras mortas pela polícia seguem sem justiça. É o caso da auxiliar de serviços gerais Claudia Silva Ferreira, baleada no Morro da Congonha, em Madureira, no subúrbio do Rio de Janeiro (RJ) em 2014. Uma década depois do ocorrido, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) absolveu seis policiais militares envolvidos no caso.
A grande maioria das vítimas da letalidade policial é negra. O estudo “Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão”, publicado pela Rede de Observatórios da Segurança, mostrou que 87,8%dos mortos por policiais em 2023 eram negros.
Para Mônica Sacramento, a absolvição de policiais em casos de assassinato de jovens negros e negras reflete um tratamento judicial descompromissado com as questões raciais e que acaba por revitimizar os atingidos e suas famílias.
Uma pesquisa de 2022 do Núcleo de Justiça Racial (NJRD) da Escola de Direito São Paulo (FGV Direito SP) apontou que, mesmo em casos famosos de letalidade policial contra negros, a Justiça brasileira evita responsabilizar os policiais.
Ao analisar acontecimentos de grande repercussão nos últimos 30 anos, os pesquisadores concluíram que são comuns ações como: condenações anuladas em segunda instância, penas reduzidas, inquéritos arquivados, causas dos assassinatos atribuídas às próprias vítimas, absolvições sumárias, versões dos policiais tomadas como verdade processual, testemunhas de acusação ignoradas e medidas de reparação a familiares de vítimas tratadas com descaso.
“É urgente deslocar o sistema de Justiça de uma cultura institucional que legitima a violência racial, para uma cultura de pleno respeito à dignidade e aos direitos da população afrodescendente”, afirma Mônica.