A vida em São Paulo em dias de chuva

Capital paulista teve pelo menos 19 pontos de alagamentos na quarta, 10

11|01|2024

- Alterado em 11|01|2024

Por Jéssica Moreira

Saí da região do Morumbi, na zona sul, a caminho de Perus, zona noroeste de São Paulo, às 18h30. Tomei trem, metrô, trem de novo. Ao chegar na Estação Luz, o recado retumbou em alto e bom som: os trens da Linha 7-Rubi não estão circulando entre Lapa e Perus. Ferrou, pensei. Disponibilizaram ônibus na Lapa, mas achei que poderia estar muito lotado. Dirigi-me à Barra Funda, na esperança de encontrar um ônibus, mas a fila estava muito longa, então desisti.  Às 20h50, decidi chamar um Uber; só queria chegar em casa. Um motorista aceitou, mas já eram 21h30. Finalmente, cheguei em casa às 22h, três horas e meia após sair do trabalho.

Essa cena é corriqueira e atinge pelo menos metade da população paulistana.

Viver em uma cidade como São Paulo é enfrentar longas distâncias todos os dias. Mas elas aumentam, chegam a dobrar de tamanho, em dias de chuva.

Sair mais cedo de casa ou do trabalho não adianta.. Não há planejamento pessoal que dê conta da falta de planejamento estrutural. 

Os riscos de acidentes graves aumentam, seja por árvores caídas ou pelo perigo de choque proveniente dos fios de energia elétrica nas ruas. Sem contar o perigo de ser arrastado por enxurradas ou ficar ilhado, a pé ou de carro, em uma via alagada.

Só nesta quarta-feira, 10, foram 19 pontos de alagamentos, segundo o CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências) da Prefeitura de SP. Quedas de árvores e de energia também  tornaram-se comuns quando chove .

A cidade para. Quem mora perto do emprego sofre um pouco menos, pois não perdem tanto tempo como os que moram distante. Norma Odara, uma amiga de trabalho e de vida com quem divido essas angústias, publicou uma reflexão importante ontem, enquanto tentava chegar em casa:

“Que horas lavo a roupa ou faço marmita? Arrumo a casa, recolho a roupa seca e guardo? Que horas faço terapia? Ou converso com minha família e amigos? Escuto música? Canto? Vou à academia? Vejo filmes? Vou ao teatro? Vou, vou, vou? Não vou!”

Neste ano de eleições municipais em todo o Brasil, não apenas espero, mas exijo, que as candidatas e candidatos apresentem projetos concretos para abordar esses problemas que se arrastam ao longo dos anos. E que pessoas como eu, Odara, e tanta gente que vive essa realidade, consiga realmente viver a e na cidade. 

Hoje, a previsão é de mais chuva. Que horas será que vamos conseguir chegar em casa?

Jéssica Moreira Jéssica Moreira é escritora e jornalista. Cofundadora e diretora de comunidade do Nós, mulheres da periferia. É autora de VÃO: trens, marretas e outras histórias (Patuá) e ministra oficinas e palestras sobre cidade e literatura.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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