Carolina Maria de Jesus

A importância das estátuas de Carolina Maria de Jesus e outros negros

Conheça mais sobre as cinco personalidades negras que terão estátuas em São Paulo

Por Jéssica Moreira

19|08|2021

Alterado em 19|08|2021

Cinco grandes personalidades negras irão ganhar uma estátua em diferentes pontos da cidade de São Paulo. A escritora Carolina Maria de Jesus, os músicos Geraldo Filme e Itamar Assunção, a sambista Deolinda Madre e o atleta medalhista Ademar Ferreira da Silva.

A estátua de Carolina Maria de Jesus será instalada no Parque Linear Parelheiros, onde ela viveu. A de Geraldo Filme será situada na Barra Funda, próximo de onde ficava o Largo da Banana, reduto da população negra no século 20. Já a estátua de Deolinda Madre poderá ser encontrada na Praça da Liberdade.

As estátuas de Adhemar Ferreira da Silva e Itamar Assunção ainda não têm local definido, mas a do primeiro possivelmente ficará no canteiro central da Avenida Braz Leme, no bairro da Casa Verde, onde ele morava e a de Itamar ainda está sendo pensada junto à família.

Carolina Maria de Jesus

Considerada uma das mais importantes escritoras brasileiras, Carolina Maria de Jesus foi escritora compositora e poeta. É quem escreveu Quarto de Despejo, contando o dia a dia de uma mulher favelada. 

Deolinda Madre (Madrinha Eunice)

Também conhecida como madrinha Eunice, foi uma sambista e ativista negra e fundadora de uma das primeiras escolas de samba de São Paulo, chamada Lavapés, em 1930, no Glicério, região central de São Paulo. 

Itamar Assunção

Assumpção foi um compositor, cantor, instrumentista, arranjador e produtor musical brasileiro. Representante do movimento artístico independente de São Paulo entre 1980 e 1990

Geraldo Filme

Geraldo Filme foi um compositor, cantor e militante negro brasileiro. Aos 10 anos criou seu primeiro samba, pra mostrar que em SP também se fazia o ritmo com qualidade. Suas canções já traziam crítica ao racismo, num período em que negros eram apartados, criando seus próprios bailes e festas. 

Ademar Ferreira da Silva

Adhemar Ferreira da Silva foi um atleta brasileiro, primeiro bicampeão olímpico do país, primeiro atleta sul-americano bicampeão olímpico em eventos individuais, recordista mundial do salto triplo cinco vezes e primeiro atleta a quebrar a barreira dos 16m no salto triplo.

Memória e representação

A notícia sobre essas representações em forma de estátua chega menos de um mês depois que a estátua de Borba Gato, na zona Sul da capital paulista, foi queimada em protesto contra o bandeirante que liderou o genocídio de indígenas e negros no Brasil colonial.

Aliás, derrubar estátuas que evocam memórias racistas, tem sido uma constante em todo o mundo. Em 2020, nós assistimos ao tombamento de várias estátuas de antigos colonizadores escravocratas no mundo inteiro.

Na Inglaterra, a estátua do comerciante de escravos Edward Colston foi derrubada e substituída pela imagem da ativista negra Jen Reid. Nos Estados Unidos, ao menos duas estátuas de Cristovão Colombo foram decapitadas ou cobertas com tinta. O racismo está marcado nas injustiças, mas também nas geografias e referências de nossas cidades, muito associadas ainda ao nosso passado colonizador.

Há um Projeto de Lei de 2020 ainda rodando na Câmara dos Deputados que quer proibir a construção de monumentos homenageando personagens da história do Brasil diretamente ligados à escravidão de negros e indígenas. A iniciativa é iniciativa é das deputadas  Talíria Petrone (Psol-RJ),  Áurea Carolina (Psol-MG) e Orlando Silva (PCdoB-SP) e em São Paulo a deputada Erica Malunguinho também possui o Projeto de Lei (PL) 404, que visa proibir esses monumentos.

O Coletivo Negro de Historiadores Tereza de Benguela, da Bahia, encontrou 180 monumentos, distribuídos por 24 estados brasileiros, homenageando personagens escravocratas.

Qual a diferença desta para as estátuas que serão erguidas? Se, por um lado, a estátua de Borba Gato continua colocando como herói um homem que escravizou, matou e estuprou indígenas e negros, por outro as estátuas de Carolina Maria de Jesus ou Geraldo Filme reafirmam a resistência de pessoas em sobreviver e ainda registrar a história daquele tempo.

Como disse a arquiteta Gabriela de Matos, criadora do Arquitetas Negras, em entrevista ao podcast Conversa de Portão: “As estátuas e monumentos colocados em nosso caminho ajudam a construir a narrativa do colonizador”. Por isso, estátuas de representações negras revertem e constroem outras narrativas.

“Nós crescemos sem estudar essas referência negras na escola. Pelo menos na forma que elas deveriam ser estudadas. Agora, imagina uma criança que chega na escola e conhece a verdadeira história do Zumbi, de pessoas negras que contribuíram para as mais diversas áreas. Essa criança cresce entendendo que pertence a uma coisa muito maior, a uma herança muito rica de conhecimento”, também citou a arquiteta.

Racismo à paulista

Historicamente, a população negra teve suas identidades e representações abafadas. Estamos falando da capital paulista, uma das cidades mais racistas até hoje, na qual negros e negras foram sistematicamente apartados.

No livro “Uma história não contada: negro, racismo e branqueamento em São Paulo no pós-abolição” (Editora Senac SP, 2004), de Petrônio Domingues, é possível entender que o racismo à paulista nunca deixou nada “à desejar” ao apartheid norte-americano.

Enquanto os intelectuais brasileiros vendiam a ideia da miscigenação cordial brasileira ao mundo, a dinâmica do racismo à paulista era violenta, muitas vezes expressa em leis e amparada em normas segregacionistas.

“O racismo à paulista era diferente daquele convencionado brasileiro: ‘o cordial’. Apesar de muitas vezes não apurada pela historiografia, havia uma exclusão do negro traduzida pelos códigos legais e pelos costumes, impedindo que o negro desfrutasse dos mesmos direitos civis assegurados aos brancos”, pontua Domingues.

Um exemplo do racismo paulista pode ser visualizado nos Códigos de Postura de São Paulo, criado em meados de 1883, com leis altamente racistas. O artigo 46 desse documento dizia, por exemplo, que eram “proibidos na cidade os bailes de pretos”, com multa e três dias de prisão em caso de desacato. No artigo 58, apontava-se que era “proibido ao negociante de molhados consentir em seus negócios pretos e cativos, sem que estejam comprando”, sublinha Domingues.

Preservar para reconstruir

Preservar a memória da população negra e indígena, nossas lutas e trajetórias, é fundamental para conseguir lutar por justiça, pois desse modo criamos novos imaginários para as gerações futuras.

Memória não é um lugar estático e irreversível. Pelo contrário, memória é movimento e ressignificação constantes. É no aqui e agora que nós reconstruímos e damos outros sentidos aos acontecimentos. 

Para além de um documento, a memória pode evocar afetos. Ter uma estátua de uma ou um representante do povo negro é ampliar a representação de uma população que representa mais de 55% do país. Ou seja, a maioria.

Memória tem a ver com poder. Com as estátuas que serão construídas, revertemos a lógica estruturante calcada nas histórias de homens brancos e jogamos luz às trajetórias de pessoas que contribuíram para que nós, hoje, possamos existir enquanto povo negro.

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