A crítica do “nós contra eles”: o que ela quer esconder?
A colunista Juliane Furno reflete sobre as críticas de grandes jornais à expressão, que voltou a ser utilizada por Lula durante sua terceira diplomação como presidente
13|12|2022
- Alterado em 17|05|2024
Por Juliane Furno
Nessa semana houve um evento de expressão fundamental para a democracia e o futuro do Brasil: a terceira diplomação do Presidente Lula. Tão logo o discurso se findou, brotaram nos principais jornais da mídia tradicional as costumeiras críticas que já haviam comparecido durante o processo eleitoral. Críticas, aliás, que comparecem desde que o PT se firmou como partido político.
Em uma dessas matérias em um jornal de grande circulação, o portador de opinião esboçou uma crítica ao fato de que Lula voltou a utilizar a expressão “nós contra eles”, faltando – apenas – acenar para a expressão “elites econômicas” para reprisar, exatamente, o discurso de 2006. Acontece que o discurso de um evento tal como uma diplomação, em que subsiste na sociedade um movimento nunca antes visto, de claro crime de natureza golpista – tipificado na Constituição Federal – não somente com a omissão, mas com a anuências das forças armadas – não poderia, jamais, negligenciar que há um “nós contra eles”.
A hipótese que trago nesta coluna, no entanto, é que para esses representantes dos grandes veículos tradicionais de comunicação, a preocupação central não é com a solidez democrática, ou não mais. Se, durante as eleições de 2022, a subida de tom de Bolsonaro e da base bolsonarista foi de tal monta que criou as condições para uma frente tão ampla amalgamada na candidatura Lula, tão logo se findou as eleições e os distintos interesses dessa frente já se reacomodaram nos seus “devidos” lugares.
Dessa forma, não há mais a existência de um contingente de pessoas nas portas dos quartéis; exercendo terrorismo e violência política; obstruindo estradas e descomprimindo – até agora impunimente – a Constituição. O que interessa agora é a parte, aparentemente, mais oculta da crítica do jornalista, qual seja: a menção às “elites econômicas”.
É esse “nós contra eles” que temem os donos do poder. Não, não foi o PT, nem o Lula, nem a esquerda que criou a divisão entre ricos e pobres, nem que criou a luta de classes, nem que criou as divisões entre homens e mulheres; brancos e negros. São esses militantes da esquerda brasileira que, no máximo, explicitam a sua existência e os seus mecanismos de reprodução. Portanto, a crítica do “nós contra eles” ou a crítica da “polarização” da sociedade nada mais é que um atentado a um fenômeno real da sociedade, que é melhor exercido quanto melhor é ocultado.
Não é possível mais falar em “Brasil: um país de todos”, sem advertir que para realizar esse sonho é necessário que os de baixo subam alguns degraus; que os negros sejam receptores de políticas públicas afirmativas e focalizadas para correção de seculares desigualdades étnico-raciais; sem que haja formas de solicitação públicas e privadas do trabalho reprodutivo para que as mulheres possam ter dirimido o peso do trabalho doméstico e assim por diante.
Por fim, o que temem os grandes jornais, porta-vozes dos interesses dos grandes grupos econômicos, é que a sociedade perceba que há uma polarização inaceitável, e que o “nós contra eles” não precisa e não deve ser uma luta fratricida de indivíduos. Não são os brancos contra os negros, nem as mulheres contra os homens. Mas a sociedade que quer o fim do racismo contra o grupo social que não quer porque se beneficia da sociedade racializada. Dos que querem igualdade de gênero contra aqueles que se privilegiam do machismo estrutural.
Juliane Furno Mestre e doutora em desenvolvimento econômico pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), militante do Levante Popular da Juventude e economista-chefe do IREE (Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa).
Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.
Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.
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