‘Tem sido um grande exercício de paciência’, diz mãe periférica sobre quarentena

Erika Barbosa de Souza conta como está sendo sua rotina em casa com três crianças. "Por mais que meu companheiro esteja aqui e a gente divida as funções, ainda assim é muito pesado"

Por Redação

08|05|2020

Alterado em 08|05|2020

Meu nome é Erika Barbosa de Souza, tenho 30 anos, eu moro no Recanto dos Humildes, em Perus, região noroeste de São Paulo. Eu tenho três filhos. O Miguel, de nove anos, a Flora, de cinco, e a Serena Khali, que tem seis meses.

A minha vida foi afetada de muitas formas, eu saí de um pós-parto, puerpério, saí de férias escolares e entrei em um outro confinamento, que é o de estar com os três em casa. O meu companheiro também está em casa, o que dá uma desafogada, mas, ainda assim, como sabemos, muita coisa sobra pra gente. Para nós, mulheres. 

O pai pode estar em casa, mas é sempre a mãe que eles querem, que eles solicitam o dia inteiro

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Érika com Serena

©arquivo pessoal

O pai pode estar em casa, mas é sempre a mãe que eles querem, que eles solicitam o dia inteiro. O tempo que estavam na escola era o tempo que eu podia me dedicar para fazer as minhas atividades ou meus trabalhos e cuidar mais da Serena e da minha cabeça (a caçula).

Agora não. São vinte e quatro horas com eles, fritando minha cabeça, toda hora pedindo alguma coisa para comer, toda hora tem que fazer alguma coisa, porque é isso, as atividades da casa continuam, os serviços domésticos, as minhas aulas, porque eu faço Biblioteconomia e Ciência da Informação, o que também está sendo realizado via EaD (Educação à Distância). 

Tenho que dar conta de estudar, de limpar, de dar conta de cozinhar e dar conta de lavar roupa

Então, tenho que dar conta de estudar, de limpar, de dar conta de cozinhar e dar conta de lavar roupa, por mais que meu companheiro esteja aqui e a gente divida as funções, ainda assim é muito pesado, tem dias que o emocional está muito abalado, por muitos motivos, e a quarentena está sendo um deles. 

Para mim, o desafio é ter equilíbrio. De entender que as crianças também estão sofrendo com o confinamento. A gente mora em um bairro periférico, onde tem gente que não está levando a sério. As crianças escutam a toda hora os ruídos da rua. Então, é criança jogando bola na rua, criança que para no quintal para chamar o Miguel. Para ele entender que é sério, enquanto outras pessoas não estão levando a sério, está sendo bem complicado. 

A gente mora em um bairro periférico, onde tem gente que não está levando a sério

Outro desafio também é como que ele gasta essa energia. Ele é uma criança de nove anos que sempre fez muitas atividades, jogou futebol, fez muita coisa na rua, andou de bicicleta, o maior desafio é esse, de fazer as crianças entenderem e como lida com o emocional delas. Além do nosso, o meu e com o dos três, até a de seis meses sente, não está indo dar as voltas com ela na rua, a gente não está indo na casa dos parentes, não está vendo outras pessoas. Todo mundo está sentindo.

 Tem dias que preciso descansar e tem dia que não estou com criatividade para fazer nada

A gente ajuda as crianças nas atividades, a gente cria atividades. A Flora gosta de recortes, a gente já fez três murais com recortes diferentes, coloca na parede os desenhos, tem semanas que produz várias coisas. Mas tem dias que eu digo ‘hoje você vai assistir televisão, está liberado mexer no celular’. 

Porque é isso, tem dias que preciso descansar e tem dia que não estou com criatividade para fazer nada ou simplesmente não quero fazer nada com eles, porque nós não somos robôs. Tem dias que não estou com paciência e eles entendem. Tem a frustração de querer fazer, tem a frustração de não conseguir, mas estou tentando buscar esse equilíbrio.

Tem dias que eu queria aquelas três horinhas do dia para ficar sozinha, de conseguir fugir, porque nem no banheiro sozinha eu vou normalmente, aí, com eles em casa então, tudo fica mais potencializado e tem sido um grande exercício de paciência.

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Miguel e Flora

©arquivo pessoal

O cotidiano na quarentena

A Serena já ficava comigo. Ela não ia para a creche. A Flora estava na EMEI (Escola Municipal de Ensino Infantil). Ia mais para brincar e realizar atividades lúdicas. Então, não tem como a escola mandar atividades, mas eles estão produzindo conteúdos na página do Facebook. Então, todos os dias fazem contação de histórias, mostram brinquedos que podemos fazer em casa, dicas de leitura.

O Miguel estuda em uma escola estadual no bairro. Até semana passada, não tinham passado nada, não tinham dado uma diretriz. Aí a professora mandou e-mail pra gente há 15 dias falando que iriam começar umas atividades pelo Google Docs e Canal da Univesp no 1.2.2, nas antenas digitais, e fizemos um grupo de Whatsapp com os pais e também com ela.

Ela manda as atividades pelo Whatsapp pra quem não consegue acessar o e-mail e o Google Docs, essas duas opções, então quem tem acesso à internet, manda pelo Docs, quem não tem e não tem nenhuma facilidade com internet e essas plataformas, ela pede pra fazer no caderno, tirar uma foto e mandar no Whatsapp a atividade, o que ainda assim exclui muitos alunos, o nosso grupo de Whatsapp tem 12 pais, então, tem muita criança ficando sem fazer nada, sem atividade, é bem complicado.

A gente tem feito com o Miguel via Google Docs, e fora isso a gente já tem feito outras coisas com ele, para ele não ficar com muito tempo ocioso. E o que ela tem mandado são atividades como “pesquise sobre o rio tietê”. O Miguel está no 4º ano, então, não engloba tudo que ele estaria fazendo dentro de uma sala de aula.

Lógico que não. Então, essa necessidade é a gente que tem suprido por nós mesmos. A gente o coloca para ler um livro, pede pra ele falar sobre o livro, o que achou interessante, coloca ele pra fazer pesquisas no notebook. O que a gente pode fazer, está fazendo.