{“0”:{“chapter”:”Apresenta\u00e7\u00e3o”},”icediigjf”:{“text”:[“Mulheres ind\u00edgenas e quilombolas na prote\u00e7\u00e3o de seus povos contra o Coronav\u00edrus”,”Falar sobre racismo ambiental \u00e9 falar sobre territ\u00f3rio: perif\u00e9rico, ind\u00edgena, quilombola, dos povos tradicionais. \u00c9 trazer o lugar onde a vida acontece, as gentes vivem, e, como diria o ge\u00f3grafo Milton Santos, onde elas \u201csofrem e sonham\u201d.\r\n\r\n\u00c9 sobre esse espa\u00e7o quase invis\u00edvel \u00e0s pol\u00edticas […]
Reportagem: Jéssica Moreira
Este conteúdo integra o #SalveCriadores, uma iniciativa que, a partir do apoio a coletivos e criadores de conteúdo das periferias de São Paulo, vai trazer reflexões e dados sobre a crise do COVID-19 e seus reflexos nas populações negras e periféricas. O projeto, desenvolvido pela Purpose, busca reforçar o importante trabalho que vem sendo feito por criadores de conteúdo e trazer pontos de vista e perspectivas que ainda não foram levantados. Os coletivos que fazem parte dessa iniciativa são o Alma Preta, o Nós, Mulheres da Periferia, a Periferia em Movimento e a Rádio Cantareira. Os conteúdos serão publicados nos canais de cada coletivo e divulgados nas redes sociais do Cidade dos Sonhos.
Atualizado em 25|04|2020
Falar sobre racismo ambiental é falar sobre território: periférico, indígena, quilombola, dos povos tradicionais. É trazer o lugar onde a vida acontece, as gentes vivem, e, como diria o geógrafo Milton Santos, onde elas “sofrem e sonham”.
É sobre esse espaço quase invisível às políticas públicas e aos governantes -- mas visíveis aos olhos dos grandes empreendimentos --, que esta reportagem trata, ao relatar a vocês como o racismo ambiental está completamente conectado à pandemia provocada pelo coronavírus.
Daqui, de dentro do meu quintal, o telefone e o WhatsApp são as ferramentas que me conectam às mulheres que lutam incansavelmente por seus territórios. Muitos deles, a quilômetros de distância de onde estou.
É assim que vou da periferia de São Paulo ao sertão de Pernambuco, ao interior do Maranhão ou para uma ilha na capital da Bahia. São as vozes dessas mulheres que me guiam nessa viagem, permitindo relatar a vocês o que elas veem, sentem e lutam não só nesse período, mas desde quando se entendem como mulheres quilombolas, indígenas e periféricas.
São elas: Sônia Guajajara, da Terra Indígena Arariboia (MA); Givânia Silva, do Quilombo Conceição das Crioulas (PE);
Tamikuã Txihi, da aldeia Itakupe, no Jaraguá (SP) e Marisa Kerethú, da Aldeia Tenondé Porã, em Parelheiros (SP); Eliete Paragassú, do Quilombo Comunidade dos Cavalos, em Salvador (BA).
Cristiane Faustino, de Fortaleza (CE); Karina Martins, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM-SP) e Liciane Andrioli, do Movimento pelos Atingidos por Barragens (MAB-SP)
A primeira vez que me deparei com o racismo ambiental eu era muito criança, aos nove anos, e nem imaginava que o conceito existia.
O governo de São Paulo decidiu instalar o segundo aterro sanitário no bairro de Perus, região noroeste de São Paulo, de onde escrevo.
O povo se reuniu no movimento chamado “Lixão, +1 não”, com entregas de panfletos na minha escola. O movimento popular saiu vitorioso e impediu que nós crescêssemos sentindo o cheiro do lixo que, antes, se alastrava em cada viela peruense.
A escolha por Perus não era, nunca foi arbitrária. São depositadas nas margens tudo aquilo que não é agradável aos olhos das classes médias e altas, fingindo normalidade ao centro, e reforçando os lugares de falta que já estão sujeitos os povos negros e pobres.
E disso é feita a matéria do racismo ambiental, mas não só. Vamos entender?
Falar sobre racismo ambiental é pensar em todos os territórios marginalizados e vulnerabilizados pelo poder público, principalmente agora, quando uma pandemia como a do Coronavírus age ainda com mais força em territórios que, antes mesmo disso tudo, já sofriam com as mais diversas faltas de direito: à saúde, à educação, a um saneamento básico de qualidade, à natureza, à vida.
Cunhado pela primeira vez em 1981 por Benjamin Franklin Chavis Jr, que foi, ao lado de Luther King Jr., uma importância liderança negra nos Estados Unidos na luta pelos direitos civis, o termo nasceu na pesquisa que o ativista realizava sobre a relação dos resíduos tóxicos e a população negra norte-americana.
Uma de suas falas tentam explicar como isso acontece: “racismo ambiental é a discriminação racial no direcionamento deliberado de comunidades étnicas e minoritárias para exposição a locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na formulação, aplicação e remediação de políticas ambientais.”
No Brasil, embora muitas vezes esse debate seja considerado “coisa de branco”, a questão ambiental é completamente atravessada pelo racismo estrutural, uma vez que esse processo tem início na tomada dos territórios indígenas e a escravização negra.
“Podemos conceituar o racismo ambiental como a prática de destinar às comunidades e populações negras, indígenas, não-brancas e imigrantes os piores efeitos da degradação ambiental”, explica Cristiane Faustino, assistente social, integrante do Instituto Terramar, em Fortaleza (CE), e Relatora do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca Brasil em 2013.
Desse modo, o termo, além de fazer uma reflexão sobre meio ambiente, traz também um recorte de raça. Afinal, quem vive e faz esses territórios à margem são, essencialmente, os povos pretos e indígenas e não-brancos de modo geral.
Esse tipo de racismo pode ocorrer tanto no ambiente rural quanto no urbano. No campo, ele tende a ocorrer principalmente em terras indígenas, quilombolas e de povos tradicionais.
Seja na ocupação desenfreada para a instalação de mineradoras ou, então, na invasão desses territórios por grileiros ou outras ameaças a esses povos.
“Isso acontece quando essas populações têm seus territórios tomados pelos brancos, e esses grupos obtêm todos os lucros advindos da exploração dessas riquezas e a degradação fica toda para essas comunidades”, exemplifica a assistente social.
Na cidade, esse racismo muitas vezes pode ser chamado erroneamente de preconceito por conta do CEP, ou seja, o local onde uma pessoa mora. Geralmente, as áreas periféricas de uma cidade como São Paulo, por exemplo, são encaradas como más escolhas para morar, desconsiderando todo o histórico de criatividade e de lutas de cada bairro.
A falta de saneamento básico ou as ações de despejo por conta do mercado imobiliário podem ser entendidas como práticas racistas sócio-ambientais. Mas isso tudo não seria classificado como racismo estrutural? Por que, então, que se utiliza o complemento “racismo ambiental”?
“Tudo isso se conecta ao racismo estrutural. Mas a importância de se fazer a relação com o racismo ambiental é porque o conceito qualifica um debate ambiental conectado com o debate racial. Dialogar esse tema e fazer as denúncias reconhecendo o seu lugar enquanto sujeito desprivilegiado nas relações raciais, é uma forma da gente promover também o auto-reconhecimento enquanto negros”, explica Cristiane.
Podemos conceituar o racismo ambiental como a prática de destinar às comunidades e populações negras, indígenas, não-brancas e imigrantes os piores efeitos da degradação ambiental
Cristiane Faustino
Ambientalistas de todo o mundo vêm refletindo sobre as ligações diretas e indiretas da Covid-19 com a degradação ambiental. Os vírus e pandemias, de maneira geral, sempre estiveram conectadas à exploração ou avanço do homem sobre a natureza, é o que explica Cristiane.
“A Covid-19 está ligada à exploração econômica dos animais silvestres, mas os vírus de modo geral estão ligados à destruição, ao desmatamento, à destruição ambiental de um modo geral”.
Mas diante disso tudo é importante destacar que o racismo é uma estrutura central para o problema da pandemia, uma vez que a destruição ambiental é atravessada pelo racismo.
“São os brancos que decidem e são os pretos e indígenas que sofrem. Temos uma doença cuja origem tem relação direta com a degradação ambiental, que os povos [originários e tradicionais] tanto combatem, mas os efeitos mais devastadores da pandemias e epidemias são nessas comunidades”.
O problema fica ainda mais evidente quando há um grande números de pessoas infectadas pela Covid-19 em áreas nobres, em comparação a um grande número de óbitos nas regiões periféricas.
“É uma doença trazida pelos brancos e que foi disseminada verticalmente do ponto de vista das classes sociais. Foram das classes brancas para as classes pobres. Mas aí você tem uma concentração de casos nas áreas brancas, mas você tem um aumento dos óbitos nas áreas negras. Os riscos e a gravidade dos riscos dos territórios negros periféricos pobres é muito maior do que nos territórios brancos, porque as pessoas foram historicamente situadas nessas áreas que são abandonadas pelas políticas de dignidade”.
Leia a entrevista completa abaixo!
“Rodando o mundo inteiro aqui da minha mesa". É assim que Sônia Guajajara, 46 anos, descreve esse momento tão peculiar que o mundo vive em decorrência da pandemia causado pelo Coronavírus.
Aqui da nossa mesa, também vamos até o Maranhão, para ouvir de uma das maiores lideranças indígenas mulheres do país, as estratégias de proteção dos povos originários frente a tudo isso. É ela que nos lembra também que os povos indígenas conhecem bem a dor de verem seus iguais serem dizimados por epidemias desde a invasão dos europeus ao território que hoje chamamos Brasil.
Sônia, que foi candidata a vice-presidente do país em 2018, pelo Psol (Partido Socialismo e Liberdade), dando esperança de termos a primeira mulher indígena em um espaço como esse, agora assiste com tristeza e indignação a forma desastrosa que o Presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), está lidando com a situação.
Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), dos 45.927 casos de Covid-19 no país, 2.917 mortes, os casos indígenas em áreas rurais totalizam 42, sendo quatro mortes. Para ela, tão agressivo e perigoso quanto o vírus é o descaso do poder público sobre os territórios, sobre as políticas públicas e o meio ambiente. "Não tem como se garantir saúde sem combater o crime e as invasões do território indígena".
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Do muro da minha casa em Perus, região noroeste de São Paulo, vejo nitidamente o Pico do Jaraguá -- a terra sagrada indígena. Na beirada das antenas, está uma das seis aldeias presentes no território, a Tekoa Ytakupe. Quem me leva por meio de sua voz para dentro da terra é liderança indígena Tamikuã Txihi, 27, que diz que o maior desafio nesse momento “é não perder nenhum indígena da aldeia para a Covid-19”. Cerca de 700 pessoas vivem no local.
Para ara evitar o contágio e disseminação da doença, a comunidade se fechou para o jeruá (homem branco em guarani). Agora, é hora de proteger os xeramõi (os mais velhos), diz Tamikuã, que acredita que a doença é uma resposta da Mãe Terra que grita há anos os maltratos que fazem e ela.
Do outro lado da cidade, extremo da zona sul, a indígena Marisa Kerethú, 49, me chama a conhecer a Aldeia Tenondé Porã, através de áudios de Whatsapp. Explica que a união de todas as terras indígenas da região - incluindo o conjunto de diferentes aldeias - reúne cerca de 300 famílias.
“Para nós, essa doença também é assustadora”, diz Marisa, que agora também está confinada. Ela nasceu na aldeia, teve seus filhos e netos lá. “A gente não pode sair para a cidade, andar na cidade”.
Seja organizando cestas básicas, preparando e dividindo a merenda das crianças ou, então protegendo os mais velhos, são mulheres como Marisa que impedem que a doença chegue ao local. Sua crítica é direta ao presidente Jair Bolsonaro. “A gente ouviu ele falando que não gosta de indígena, ficamos muito tristes”.
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O município de Salgueiro está a 513 km à oeste da capital Recife. É aqui que está localizado Conceição das Crioulas, um quilombo criado por mulheres ainda no século 17. Nós o conhecemos pela voz de Givânia Silva, de 53 anos de idade, quilombola, professora universitária, militante e uma das cofundadores da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas).
Mesmo com o bom humor leve e espontâneo do outro lado do telefone, Givânia é objetiva e cirúrgica quando o assunto é racismo ambiental, explicando em um parágrafo como o conceito é uma das conexões do racismo estrutural em nossa sociedade.
É ela quem vai contar pra gente, de maneira didática e simples, como o racismo ambiental está associado ao racismo estrutural de nossa sociedade e como ele acontece no cotidiano das comunidades quilombolas.
Segundo o monitoramento autônomo desenvolvido pela Conaq, entre os dias 16 e 17 de abril havia casos de pessoas diagnosticadas em cinco estados, sendo 29 casos pendentes de diagnóstico, sete confirmados e dois óbitos. Na última quarta-feira (22), a situação se agravou para 6 mortes de quilombolas, aponta nota oficial da organização.
Para além do perigo de letalidade, Givânia conta que a violência da doença é também simbólica, uma vez que os povos quilombolas sempre tiveram práticas de vida comunitárias e que, agora, não podem sequer pedir a benção aos mais velhos, seus anciãos, ou dá-la aos mais novos -- as duas pontas que conectam a história e a ancestralidade do povo quilombola.
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Descendo um pouco, conheço os caminhos das águas descritos também por uma mulher das águas. Pescadora, marisqueira e mãe de dois filhos. É assim que Eliane Paraguassu, 40, uma das lideranças da Comunidade Quilombola Porto dos Cavalos, na Ilha de Maré, em Salvador, Bahia, se apresenta.
É ela que me abre os caminhos pelas marés, me mostra a importância da pesca, e como o racismo ambiental opera nos cheiros de gás que os complexos industriais jogam diariamente sobre suas cabeças.
Se nas imagens de sites de busca a Ilha aparece em suas fotos de águas azuis e cristalinas, no cotidiano da comunidade o monstro invisível opera com força, contaminando toda a população, que sofre de diversas doenças respiratórias, como asma, e crônicas, como anemia falciforme e diabetes, deixando-os ainda mais expostos à Covid-19.
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"Por mais que haja uma hashtag #FicaemCasa, ela funciona dentro das grandes metrópoles e para um público privilegiado que pode ficar em casa". A fala é da professora, militante e uma das lideranças do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Karina Martins, 34.
Moradora da zona leste da capital paulista, um dos territórios mais afetados pela Covid-19 nas periferias, Karina divide seu tempo entre as lições virtuais que precisa enviar aos alunos enquanto professora e o trabalho junto às mulheres que sentem na pele os impactos da mineração e, portanto, do racismo ambiental que ronda seus territórios.
Para ela, a Covid-19 vem para alertar a sociedade de forma geral, mas ainda é um alerta tímido, uma vez que a preocupação está mais direcionada com os impactos da doença dentro das regiões metropolitanas. "A gente esquece que fora das regiões metropolitanas a gente tem uma massa de população existente".
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Com o rompimento da Barragem do Feijão, em Brumadinho, o alerta se acendeu também em São Paulo, inclusive nas regiões periféricas, porque duas das 7.449 barragens do estado estavam e ainda estão localizadas aqui em Perus, onde moro.
Mesmo após 30 anos da instalação, a maioria da população nunca tinha sequer ouvido falar sobre elas, gerando grande preocupação em todo mundo. À época, produzi uma matéria para os nossos parceiros da Agência Mural mostrando que, mesmo diante dos riscos, as barragens não tinham um plano de contingência, muito menos discutiam a questão junto à comunidade. Isso continua igual.
Nessa época, nós descobrimos que, mesmo sem querer, éramos mulheres atingidas por barragens. Quem me explicou isso à época foi Liciane Andriolli, 39, liderança do Movimento pelos Atingidos por Barragens (MAB) e moradora da Casa Verde, zona norte de SP.
Ela diz que, uma vez instalada, a barragem sempre pode causar efeitos à população que vive ao seu redor, mesmo que não seja de grandes proporções. Agora, é ela também que conta como as mulheres dos diversos territórios atingidos por barragens estão sendo afetadas pela Covid-19.
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