Nós, mulheres da periferia apresentamos relatos de como diversas mulheres da periferia estão se virando (como podem) para viver um envelhecimento saudável e, principalmente, feliz.
Esta reportagem faz parte do projeto #NoCentroDaPauta, uma realização dos coletivos Alma Preta, Casa no Meio do Mundo, Desenrola E Não Me Enrola, Imargem, Historiorama, Periferia em Movimento, TV Grajaú - SP, DiCampana Foto Coletivo e Nós, mulheres da periferia com patrocínio da Fundação Tide Setubal.
Atualizado em 13|02|2021
Desde meninas carregamos as dores e delícias de sermos mulheres. E, na periferia, nossos passos - que sempre vêm de longe - nos revelam por meio das mais velhas muitas experiências e trajetórias que nos ajudam a entender a História da nossa cidade e de nosso país.
Mulheres a quem, muitas vezes, foram roubadas as infâncias, a quem os trabalhos, sobretudo os domésticos, foram compulsoriamente ensinados de geração a geração, como herança da casa grande e do quarto de despejo. Mulheres que fugiram da fome, dos grandes sertões para, apesar das dificuldades, reconstruírem oportunidades na cidade grande.
Olhar para nossas mais velhas, nossas ancestrais, é também recontar como nos formamos e constituímos como periferia, palavra e força feminina. Mas falar sobre as mais velhas é também falar sobre o presente e como o envelhecer nas periferias é cotidianamente atravessado por questões do agora, em um país em que, até 2060, cerca de 25% da população brasileira será composta por idosos.
Os desafios não são poucos. O acesso à aposentadoria, por exemplo, sempre difícil para as mulheres periféricas, por serem donas de casa, não terem empregos formais, pela antes ausência de legislação de regulamentação do trabalho doméstico. Hoje, com a reforma da previdência, esse direito está cada vez mais ameaçado e distante do horizonte de quem ainda não tem o benefício.
Eis a controvérsia: cerca de 25% da renda das famílias mais pobres do país provêm de aposentadorias e outros programas sociais. Além disso, segundo o Mapa da Desigualdade 2019, realizado pela Rede Nossa Paulo, a população que vive na periferia pode morrer, em média, 20 anos mais cedo do que os residentes das regiões mais ricas da cidade.
As vidas dos extremos da cidade de São Paulo convivem com a possibilidade de não alcançarem a idade necessária para ter acesso aos direitos básicos. E como um outro impeditivo, a questão racial também torna a velhice, por vezes, uma utopia ou uma realidade ainda mais cruel.
Pessoas negra no Brasil vivem, em média, até os 67 anos. Mas a idade cresce pelo menos 6 anos para os brancos, que têm uma média de 73 anos de vida. Os números são do Relatório Anual das Desigualdades Sociais, realizado pelo Núcleo de Estudos de População, da Unicamp, 2011. Essa é a versão mais atualizada até então.
Este cruzamento, social e racial, se torna visível na capital paulista quando olhamos para os números por região. O Mapa da Desigualdades de 2019 traz esse recorte de forma implacável. Em Cidade Tiradentes, terceiro território com maior índice de negros (55,44%), a idade média ao morrer é de 57 anos, 23 anos a menos do que para quem vive em Moema (80), bairro em área nobre da zona sul.
No mês de consciência negra, Nós, mulheres da periferia apresentamos relatos de como diversas mulheres da periferia, em especial mulheres negras, estão se virando para viver um envelhecimento saudável e, principalmente, feliz.
Esse especial também é uma homenagem a vó Laurentina, nossa vó de Perus, que fez sua passagem, como um passarinho, no dia em que publicamos essa reportagem.
Seus passos abriram nossos caminhos e sua história continuará a inspirar os nossos passos. Para sempre, nossa vó.
"As rugas do rosto
são linhas de mapa,
indicam os caminhos
percorridos nessas
nove décadas.
São linha finas, mas cheias
de memória e sabedoria"Jéssica Moreira, a Jercinha