Meninas no tatame: projeto incentiva prática de jiu-jitsu na perifeira de SP

As modalidades de lutas para o gênero feminino ainda encontram desafios quando falamos de igualdade entre os sexos. Conheça a história da atleta e professora Talita Moreno.

Por Bianca Pedrina

03|06|2019

Alterado em 03|06|2019

Este conteúdo faz parte do especial #Deixaameninajogar produzido em parceria com o Portal Lunetas e o Think Olga

Image

O esporte ajuda as meninas a acreditaram em seu potencial.

©Jay Viegas

O ringue de lutas e o tatame foram os lugares que Talita Moreno, 32, decidiu trilhar sua trajetória. Empreendedora de uma academia de Muay Thai e Jiu-Jitsu, junto ao marido, se consolidou profissionalmente. O esporte a fortaleceu para enfrentar desafios e bater de frente com o machismo.

O Muay Thai surgiu em sua vida aos 15 anos, quando se apaixonou pela modalidade. Já foi campeã brasileira por dois anos, e lutou no WGP kickboxing – um dos maiores eventos do ramo das lutas, entre outros campeonatos importantes.

As artes marciais, desde muito cedo, a ajudaram a acreditar que não haviam limites pelo fato de ser mulher. Assim como a luta transformou a trajetória de Talita desde a infância, essa inspiração serviu de combustível para que ela impulsionasse outras crianças para o mesmo caminho.

A partir dessa vontade de ver outras crianças evoluindo através do esporte, Talita decidiu criar o projeto social de jiu-jitsu no bairro do Jaraguá e região, periferia da zona norte de São Paulo.

A turma é composta em sua grande maioria por meninas, que dividem com meninos os aprendizados que esse esporte possibilita. “É recente, as meninas são bem novas, mas, realmente, muito talentosas, estamos dando apenas o primeiro incentivo para elas”, destaca.

A ação social existe desde quando começou profissionalmente a lutar. Em meados de 2005, criou um projeto de capoeira na garagem de sua casa. Desde então, muda-se a modalidade, mas o objetivo continua o mesmo, estimular as crianças por meio do esporte.

Talita sabe da responsabilidade que carrega, e que muitas crianças a veem como espelho, por isso, se dedica para que essa inspiração seja motivadora para acreditarem em seu potencial.

Lutar é coisa de menina

Disciplina, foco e coragem para se superarem, são alguns dos ensinamentos dados na aula em que participam crianças com idades que variam de seis a 15 anos.

A reportagem do Nós mulheres da periferia e do Portal Lunetas foi conhecer a iniciativa no dia que estava acontecendo um Seminário Internacional de jiu-jitsu na academia de Talita.

As crianças da ação social estavam presentes no dia e receberam quimonos oferecidos pelo projeto gratuitamente. Alguns eram rosas, outros brancos, outros azuis, que foram adornados com a faixa para iniciantes. O brilho no olho de cada uma delas combinou bem com a técnica e determinação em fazer bem os exercícios propostos.

Sobre o esporte ser transformador para que essas meninas acreditem mais em seu potencial, Talita não tem dúvidas que de que prática contribui. “Minha sobrinha, hoje com 18 anos, começou a lutar criança, e hoje é outra pessoa. Ela sofria bullying na escola, tinha depressão e o esporte mudou a vida dela e sua autoestima”, lembra. “Você pega uma criança desmotivada, que só se preocupa com o pai e mãe que brigam dentro de casa, a coisa muda, elas passam a focar na arte marcial”, completa.

Image

A participação de mulheres em modalidades de esporte consideradas masculinas vem crescendo, mas Talita reconhece que muitas mulheres ainda sofrem com o machismo

©Jay Viegas

Nocaute no machismo

Uma das modalidade de luta, o boxe, foi criado no século 18 por homens e para os homens. Entrou nos Jogos Olímpicos de 1920, e começou a se disseminar entre o gênero feminino apenas na década de 1990. Mas só Olimpíadas de Londres, em 2012, que as mulheres passaram a competir. A prática vem ganhando cada mais adeptas. De acordo com a Federação Paulista de Boxe, cerca de 70% dos alunos das academias são do sexo feminino.

As modalidades de lutas para o gênero feminino ainda encontram desafios quando falamos de igualdade entre os sexos. No MMA (Artes Marciais Mistas), por exemplo, nas disputas feitas pelo principal evento da modalidade, o UFC (silga para Ultimate Fighting Championship), homens competem em nove categorias, e as mulheres apenas em três.

A participação de mulheres em modalidades de esporte consideradas masculinas vem crescendo, mas Talita reconhece que muitas mulheres ainda sofrem com o machismo. Ela também enfrentou preconceito e até hoje se depara com essa barreira no esporte, apesar disso, segue sempre em busca do seu espaço.

Começou na capoeira, com sete anos de idade, pratica da qual o pai era professor. “O meu pai, mesmo sendo capoeirista, foi me ver lutar e perguntou se eu estava dançando balé, que aquilo não era capoeira, fiquei bem chateada, e foi o que motivou a treinar ainda mais”, disse.

Esses padrões limitantes, para professora, são reflexo de uma sociedade que ainda insiste em colocar as mulheres como menos capazes do que os homens. “Muitas são convencidas de que lugar de mulher é atrás de um fogão e aceitam esses papéis, achando que nasceram para isso, a gente tem que fazer o que nos faz bem, e não o que nos impõe como normalidade”, argumenta.

Mesmo assim, ela acredita que a mudança já está acontecendo e o caminho é sem volta. “Temos que lutar pelo nosso espaço e direitos. Não podemos nos limitar a nada. Na hora que as mulheres sentem que podem fazer o esporte, a mudança é radical. Tem menina que antes não conseguia dar um golpe, depois de um tempo você vê trocando porrada com homem no tatame e dando show”, conclui.

Leia outros conteúdos do especial #Deixaameninajogar