“Consegui encontrar a negritude que me negaram: ser negra foi a maior das minhas escolhas”
Primeiro, nunca fui branca. Mas vai dizer isso para aqueles que sempre preferiam ver em mim só um nariz fino, um pai branco, uma mãe parda e uma irmã bem clarinha do cabelo liso. Passaram a vida toda tentando me convencer que a minha pele parda, de tom claro, fazia de mim uma menina branca, […]
Por Regiany Silva
06|08|2014
Alterado em 06|08|2014
Primeiro, nunca fui branca.
Mas vai dizer isso para aqueles que sempre preferiam ver em mim só um nariz fino, um pai branco, uma mãe parda e uma irmã bem clarinha do cabelo liso. Passaram a vida toda tentando me convencer que a minha pele parda, de tom claro, fazia de mim uma menina branca, mas eu nunca aceitei isso.
Na escola me chamavam de alemã, pra provocar, sabiam que eu odiava a ideia de ser branca. De pessoa com crise de identidade cheguei também a ser chamada de racista, “aquela louca que odeia brancos e se acha o Eminem”, ouvi isso de muita gente, tanto dentro da minha casa quanto em qualquer outro lugar por onde estive. Mas pra eles, tudo bem, riam e não me levavam muito a sério.
Foi muito difícil entender por que eu não me sentia à vontade com a cor da minha pele, ser branca, morena ou parda parecia não fazer parte daquilo que eu era. Queria ser preta, queria me olhar no espelho e ver minha pele mais escura, para assim ser linda como minha prima Sil ou, senão, tão foda quanto o Mano Brown. Mas, ao mesmo tempo, prendia meu cabelo pra esconder o volume dos meus cachos, a maior marca da minha raiz negra.
Quando eu era pequena ouvia meu pai reproduzir comentários racistas, de péssimo gosto, isso sempre me incomodou muito, porque minha prima era negra, minha melhor amiga era negra e meu primeiro namorado era negro. E que meu pai não leia esse texto, já que ele nunca soube que namorei aquele “neguinho” que vivia na minha casa, ele só soube do segundo namorado, pois esse era “branquinho”.
Mas também cresci ouvindo Racionais – viciadona! Negro Drama pra mim virou um hino, meu prazer era cantar “Inacreditável, mas seu filho me imita, no meio de vocês ele é o mais esperto, ginga e fala gíria, gíria não dialeto… seu filho quer ser preto, ah, que ironia.” Pensava: isso é quem eu sou e é isso que meu pai merece ouvir. Me encontrei.
Realmente, meu pai merecia ouvir, mas digo isso pra ele hoje de uma maneira mais sutil do que o Mano Brown.
Agora, com 25 anos, estou aprendendo a aceitar que não tenho a pele preta, sou parda, às vezes fico vermelha no sol e meu nariz é fino, mas que isso não significa que não sou negra, isso é o que a sociedade prefere que eu acredite. É mais facil embranquecer todo mundo e anular nossas raízes africanas.
Entendi que o tom claro da minha pele não pode determinar tudo o que sinto, acredito, defendo e nem pode esconder minha história e da minha família. Seria mais fácil alisar meu cabelo e aceitar o rótulo de branca, mas agora eu escolhi soltar meus cachos e dizer “eu tenho sangue negro e como eu me orgulho disso”.
Consegui encontrar a negritude que tanto me negaram principalmente quando entendi que isso passava pelas minhas escolhas, e ser negra sempre foi a maior delas.
Escolhi amar meu cabelo cacheado, escolhi cultuar minha ancestralidade africana, escolhi respeitar o sagrado do terreiro, escolhi ser filha de Iansã, escolhi militar pelas cotas raciais, escolhi ter um discurso de mulher negra que reconhece a dívida histórica que a sociedade brasileira precisa pagar e escolhi ser mais uma voz que grita contra o racismo e o genocídio da população negra.
E para aqueles que ainda quiserem me definir por uma cor, eu ofereço a cor da minha alma, porque essa é indiscutivelmente PRETA!
Regiany Silva, é designer e integrante do Nós, Mulheres da Periferia. Mora em Itaquera, zona Leste de São Paulo.