Crianças criam soluções para o clima em projeto que une literatura e sustentabilidade

Criado pela jornalista Renata Rossi, o projeto Clima e Literatura realiza rodas de leitura e oficinas a partir de livros infantis que abordam a sustentabilidade

Por Beatriz de Oliveira

19|11|2025

Alterado em 19|11|2025

“Alguém aqui ouviu falar da COP?”, perguntou a jornalista Renata Rossi a uma sala cheia de crianças. Algumas levantaram as mãos e uma delas respondeu: “Estão tratando mal o planeta Terra, e nesse evento estão fazendo uma reunião com todos os países”. Esse diálogo iniciou um dos encontros do projeto Clima de Literatura, no dia 14 de novembro.

Realizado na Biblioteca Hans Christian Andersen, na zona leste de São Paulo (SP), o Clima de Literatura conecta leitura, infância e sustentabilidade. Por meio de rodas de leitura, oficinas criativas e encontros com especialistas são abordados os grandes temas da Agenda 2030, das Organizações das Nações Unidas (ONU).

Estabelecida em Assembleia Geral da ONU em 2015, a Agenda 2030 é um plano global para um mundo melhor para todos os povos e nações, a ser atingido até 2030. São 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas universais que envolvem a erradicação da pobreza, e proteção do meio ambiente e do clima.

Clima, povos originários, meio ambiente, diversidade e igualdade de gênero são alguns dos assuntos abordados com as crianças por meio de uma seleção de 41 livros, os quais fazem parte do Clube de Leitura ODS, da ONU, que pauta o tema da sustentabilidade com crianças através da literatura. 

No mês de novembro, o assunto abordado é o clima. “As crianças já estão vivendo num mundo em crise climática, então não podemos deixar de falar com elas sobre isso, deixá-las apartadas dessa conversa, porque é esse mundo que elas vão herdar”, afirma Renata Rossi, criadora do projeto que é contemplado pelo Programa de Ação Cultural (ProAc).

As crianças já estão vivendo num mundo em crise climática, então não podemos deixar de falar com elas sobre isso

Renata Rossi

Como apontou uma pesquisa da UNICEF, quase todos os meninos e meninas do mundo estão expostos a pelo menos um risco climático. No Brasil, um relatório do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI) apontou que crianças nascidas em 2020 viverão, em média, 6,8 vezes mais ondas de calor e 2,8 vezes mais inundações e perdas de safra ao longo da vida do que as nascidas em 1960. 

Outro estudo do NCPI destacou que a crise climática afeta profundamente bebês e crianças pequenas, ao comprometer o desenvolvimento infantil e ampliar vulnerabilidades, e que as crianças negras, indígenas e periféricas sentem ainda mais esses impactos. 

A jornalista pontua que, por mais que o assunto seja difícil, é necessário conversar sobre ele com as crianças, as quais podem expressar visões de mundo surpreendentes. “Muitas vezes, enquanto adultos, achamos que as crianças são uma folha em branco que vamos preencher como quisermos. E não é assim, elas são sujeitos no mundo que têm suas opiniões, suas perspectivas e temos que estar dispostos a ouvir e criar junto”, afirma.

Pequenos leitores

Naquele encontro do dia 14 de novembro, as crianças participantes do projeto ouviram a leitura do livro “Além da chuva”, de Michel Gorski e Fernando Vilela. A obra conta as ideias de um grupo de amigos para solucionar os alagamentos na cidade em que viviam.

Atentas à contação de história, as crianças teceram comentários durante toda a leitura. Uma delas sugeriu a criação de um aspirador gigante para conter as inundações, outra deu a ideia de se criarem mecanismos para fazer parar de chover, mas logo foi confrontada por outros leitores, que disseram que a chuva é que faz as plantas crescerem.

Ao avançar da leitura, um menino falou que devemos nos preparar para a vinda das tempestades, colocando “150 ou 230 baldes” para guardar a água da chuva, outro falou que poderia ser usada “uma banheira gigante” para isso, e depois levar a água armazenada para outra cidade.

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Mediadoras leram obra "Além da chuva" © Beatriz de Oliveira

Projeto realiza rodas de leitura com crianças © Beatriz de Oliveira

Projeto une literatura, infâncias e sustentabilidade © Beatriz de Oliveira

Ações acontecem na Biblioteca Hans Christian Andersen © Beatriz de Oliveira

As crianças são convidadas a compartilhar ideais para cuidar do mundo © Beatriz de Oliveira

As crianças são convidadas a compartilhar ideais para cuidar do mundo © Beatriz de Oliveira

No fim do livro, a cidade está transformada e não sofre mais com alagamentos como no início da história. Encantado com a mudança, um leitor disse: “nossa, o mundo deveria ser assim, né”.

Finalizada a leitura, o grupo foi convidado a desenhar ou escrever em um papel ideias para cuidar do mundo e prevenir alagamentos, que depois serão expostas num “varal” na biblioteca.

Renata Rossi conta que as atividades e as trocas com as crianças têm sido proveitosas, e que muitas vezes, elas dão ideias de como cuidar do mundo que são executáveis e possíveis. Para a jornalista, não há como trabalhar com infâncias e ser pessimista, adotando, por exemplo, o discurso de que o mundo vai acabar e que não podemos fazer nada para mudar isso.

“Não tem planeta B. Temos que lidar com as consequências e construir futuros possíveis. Nesse meu trabalho com a infância, eu sou uma esperançosa. Acredito que podemos fazer diferente, construir com diálogo e escutando as crianças”, diz.