A crise climática não afeta só as florestas: 7 impactos nas periferias
Acesso desigual a alertas de desastres e impactos na saúde, na infância e no bolso mostram que justiça climática também é assunto de quem vive nas periferias
Por Amanda Stabile
18|11|2025
Alterado em 18|11|2025
Quando se fala em crise climática no Brasil, a imagem mais comum que pode vir à nossa mente é a de florestas queimando, rios secando e biomas como Amazônia e Cerrado sob ameaça. Mas os impactos das mudanças climáticas também aparecem nas cidades — especialmente em áreas com menor acesso a infraestrutura, como favelas, periferias, ocupações e territórios populares pouco considerados no planejamento urbano.
A seguir, reunimos sete impactos que mostram por que justiça climática é também justiça territorial, racial e urbana.
1. Moradores de periferias não recebem alertas de enchente por falta de CEP
No Brasil, os alertas de desastres enviados pela Defesa Civil chegam por SMS para quem tem o celular cadastrado — e esse cadastro depende do CEP, o código que identifica o endereço de uma casa ou rua.
A pesquisa “Sistema de alerta de desastre baseado no CEP” (2023) mostra que essa estratégia deixa de fora parte importante das periferias, porque:
muitos bairros não têm CEP;
alguns CEPs cobrem áreas enormes e pouco precisas;
vielas, becos e passagens não aparecem nos mapas oficiais;
moradores de favelas e ocupações têm dificuldade para registrar seu endereço.
Em algumas áreas analisadas, cerca de 10% dos domicílios em zonas de risco não conseguiam receber os alertas, simplesmente porque o sistema não reconhecia seu CEP. Sem endereço formal, o aviso pode chegar tarde ou nem chegar — e o perigo aumenta.
Isso afeta também o mapeamento de risco, o envio de equipes, o registro de ocorrências e o acompanhamento das famílias desalojadas. Ou seja: nas periferias, até o direito de ser avisado depende do endereço.
2. Onde o planejamento não chega, o desastre chega primeiro
O deslizamento de terra em São Sebastião (SP), em 2023, é um exemplo de como a crise climática afeta mais quem vive longe do centro. No bairro de Itatinga, a cozinheira Zuleide Pereira, que tinha uma bebê de sete dias, viu a lama descer o morro de madrugada.
Antes disso, a Defesa Civil chegou a passar pelo local, mas — segundo moradores — não subiu até as casas que estavam em maior risco. Sem comunicação, sem rotas seguras e sem ajuda imediata, vizinhos se salvaram entre si.
O Coletivo Caiçara, que já alertava há anos para o perigo na área, confirma que não havia plano de prevenção para o período de fortes chuvas. Enquanto isso, a Aldeia Rio Silveiras, território indígena próximo à região, ficou inundada e não recebeu a estrutura de socorro da prefeitura.
3. Populações negras e indígenas são as mais atingidas por enchentes e deslizamentos
O termo racismo ambiental descreve uma situação muito comum no Brasil: comunidades negras, indígenas sofrem mais com enchentes, deslizamentos, falta de água, calor extremo e poluição.
Isso acontece porque esses grupos vivem, historicamente, nos territórios:
mais próximos a áreas de risco;
com menos infraestrutura;
com pouca arborização;
e com pouca participação nas decisões sobre o território.
Os dados mostram:
São Paulo (SP): distritos com mais população negra foram os que mais sofreram com enchentes nos últimos 10 anos;
Belém (PA): em 125 áreas de risco, 75% dos moradores são negros e têm renda 32% menor que a média;
Recife (PE): onde o risco de deslizamento é maior, 68% dos moradores são negros, e boa parte das casas são chefiadas por mulheres de baixa renda.
Quando novas leis flexibilizam o licenciamento ambiental, como o PL da Devastação, o risco cresce. Isso porque obras e empreendimentos com impacto ambiental costumam se instalar justamente perto desses territórios — onde a proteção é menor.
4. Desastres climáticos interrompem vidas precocemente — sobretudo de mulheres
Um estudo da Universidade Federal Fluminense mostrou que, entre 2010 e 2022, os desastres naturais no Rio de Janeiro — como chuvas intensas, enchentes e deslizamentos — resultaram em 49 mil anos de vida perdidos. Essa métrica, usada em saúde pública, calcula quanto tempo de vida deixou de ser vivido por causa de mortes prematuras.
No período, foram 752 desastres extremos e 1.523 mortes, muitas delas em territórios periféricos. As mulheres foram as mais afetadas: 54% dos anos de vida perdidos se referem a elas. Segundo o estudo, isso acontece porque mulheres, especialmente negras e de baixa renda, têm menor acesso a saneamento, vivem mais em áreas de risco e cuidam de mais dependentes — fatores que aumentam a vulnerabilidade em enchentes e deslizamentos.
5. Bebês e crianças pequenas sofrem mais com calor extremo e falta de saneamento
Segundo o Núcleo Ciência Pela Infância, bebês e crianças pequenas são um dos grupos mais vulneráveis à crise climática. Na primeira infância, o corpo está em rápido desenvolvimento, o que aumenta o risco de infecções, desnutrição, problemas respiratórios e atrasos no desenvolvimento quando há ondas de calor, enchentes ou secas.
As crianças nascidas em 2020 devem enfrentar quase 7 vezes mais ondas de calor do que as nascidas em 1960. Mas os impactos não são iguais: crianças negras, indígenas e periféricas sofrem mais porque vivem com maior frequência em áreas sem saneamento, próximas a enchentes, encostas ou regiões com muita poluição.
O estudo mostra ainda que um terço das crianças pequenas em situação de pobreza vive em famílias chefiadas por mulheres negras, o que aumenta a exposição aos riscos. Por isso, pesquisadores defendem que políticas climáticas incluam saneamento, moradia digna, nutrição e proteção social — caso contrário, “comprometem o futuro coletivo”, afirma a pesquisadora Alicia Matijasevich.
6. A guerra às drogas acelera desmatamento e expulsa comunidades vulneráveis
A exposição “Reformar – políticas de drogas, Restaurar – direitos e Recuperar – natureza”, na Matilha Cultural (SP), mostrou como a guerra às drogas também gera impactos ambientais. Criada pela Iniciativa Negra em parceria com organizações internacionais, a iniciativa apresentou dez personagens e territórios afetados pelo proibicionismo — de coletoras de coca a ribeirinhas, defensoras de terras indígenas e até o próprio Rio Amazonas.
A mostra evidenciou que o dinheiro do tráfico alimenta crimes ambientais como grilagem, garimpo e desmatamento, enquanto a resposta do Estado costuma ser militarização e expulsão de comunidades. Isso aprofunda tanto a violência quanto a destruição ambiental, atingindo principalmente mulheres negras e periféricas, que já vivem em territórios mais vulneráveis.
A narrativa reforça que justiça climática também significa reformar políticas de drogas, proteger direitos e recuperar a natureza — reconhecendo que as desigualdades produzidas pelo proibicionismo têm efeitos diretos sobre o clima, a terra e a vida das pessoas.
7. A conta de luz aumenta com a crise climática e pesa mais para mulheres negras
A crise climática também pesa no bolso. Quando falta água nos reservatórios, o país aciona as bandeiras tarifárias, que deixam a conta de luz mais cara. Um estudo do Inesc mostra que esse aumento não atinge todos de forma igual: mulheres negras de baixa renda são o grupo que mais sente o impacto.
Em favelas como Heliópolis (SP), moradoras relatam que a conta de energia pode consumir até 10% da renda mensal, obrigando famílias a reduzir compras de alimentos, desligar a geladeira por horas ou tomar banhos alternados para economizar. Enquanto isso, grandes empresas — que consomem quase metade da energia do país — não pagam bandeiras tarifárias, porque estão no mercado livre de contratação.
Com as mudanças climáticas tornando os períodos de escassez hídrica mais frequentes, o custo da energia tende a subir ainda mais, afetando principalmente quem já vive com o orçamento apertado. O estudo aponta que políticas de proteção precisam considerar raça, gênero e renda, garantindo tarifa social automática, acesso a eletrodomésticos eficientes e expansão da energia solar nas moradias populares.