Por uma ministra negra no STF: nove mulheres apontadas como fortes candidatas ao cargo

Com a aposentadoria de Luís Roberto Barroso, movimentos, juristas e organizações sociais voltaram a defender que a cadeira seja ocupada por uma mulher — especialmente uma mulher negra

Por Amanda Stabile

17|10|2025

Alterado em 17|10|2025

Em 9 de outubro de 2025, o ministro Luís Roberto Barroso anunciou sua aposentadoria do Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, o presidente Lula deverá escolher um novo nome para ocupar a vaga em breve. Movimentos, juristas e organizações sociais voltaram a defender que a cadeira seja ocupada por uma mulher — especialmente uma mulher negra.

Essa é uma reivindicação antiga, que vem sendo reforçada a cada nova vaga aberta na Corte. No dia 10 de outubro, o Fórum Justiça, a Plataforma Justa e a Themis divulgaram uma lista com 13 nomes de mulheres com trajetória sólida no Direito e na defesa dos direitos humanos para preencher a cadeira.

Entre elas, estão nove mulheres negras que se destacam no sistema de Justiça brasileiro e que representam a força e a diversidade que o Supremo ainda precisa refletir. Abaixo, conheça suas trajetórias!

O STF, a mais alta instância da Justiça brasileira, é composto por 11 ministros, que têm a missão de interpretar a Constituição e garantir que as leis e decisões de todo o país estejam de acordo com ela. A pessoa é indicada pelo presidente da República e precisa ser aprovada pelo Senado Federal. Não há tempo fixo para o mandato, cada ministro pode ficar no cargo até os 75 anos, quando acontece a aposentadoria obrigatória. Para ocupar a cadeira, é preciso ter entre 35 e 75 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada (sem envolvimento em escândalos, crimes ou atitudes antiéticas).

1
Adriana Cruz

Juíza federal, professora e uma das principais vozes pela diversidade no Judiciário brasileiro, Adriana é carioca, filha de professora e de advogado. Formou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é mestre pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutora em Direito Penal pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Com mais de 20 anos de carreira, atua na 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.

Em 2023, fez história ao se tornar a primeira mulher e a primeira pessoa negra a ocupar a Secretaria-Geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indicada pelo ministro Luís Roberto Barroso. Também foi juíza auxiliar em seu gabinete no Supremo Tribunal Federal. Adriana ainda é professora e coautora da disciplina “Direito e Relações Raciais” na PUC-Rio, e atua na formação de juízes com perspectiva de gênero e raça.

Desde 2017, integra o coletivo Enajun (Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros), fortalecendo a presença negra na magistratura. Bisneta de Damiana — personagem do romance Água de Barrela, de sua irmã Eliana Alves Cruz —, honra suas raízes e luta para que mulheres negras ocupem o Judiciário não como exceção, mas como parte essencial de sua transformação.

2
Edilene Lobo

Edilene é jurista, advogada e professora, reconhecida nacional e internacionalmente por sua atuação em Direito Eleitoral e pela defesa da democracia e dos direitos fundamentais. Natural de Taiobeiras (MG), é doutora em Direito Processual Civil pela PUC-Minas, com pós-doutorado na Universidade de Sevilha e na Faculdade de Direito de Vitória, e mestra em Direito Administrativo pela UFMG.

Em 2023, Edilene tornou-se a primeira mulher negra nomeada ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em vaga destinada a juristas. Na posse, destacou que sua presença na Corte é resultado das lutas históricas de grupos minorizados e reafirmou o compromisso de enfrentar as desigualdades de gênero e raça no Judiciário. “Nós, mulheres negras, somos apenas 5% da magistratura nacional, mas seguimos como potência e esperança”, afirmou em discurso.

Autora de diversos livros e artigos, Edilene pesquisa temas como democracia digital, violência política de gênero, candidaturas coletivas e o impacto das tecnologias na participação cidadã. É membra da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), da Comissão de Liberdade de Expressão da OAB-MG e fundadora do Observatório Mundo em Rede – CYBERLEVIATHAN, que analisa os efeitos das novas tecnologias sobre a democracia.

3
Flávia Carvalho

Juíza de direito do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), também foi a primeira juíza-ouvidora do Supremo Tribunal Federal (STF), cargo criado em 2023 e para o qual foi nomeada pelo ministro Luís Roberto Barroso. Nascida em Nova Iguaçu (RJ), estudou em escola pública e formou-se em Comunicação Social pela UERJ, antes de se graduar e obter o mestrado em Direito pela UFRJ.

Doutora em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP, desenvolveu a tese “Jurisvivência”, que propõe um diálogo entre o Direito e a Escrevivência de Conceição Evaristo, explorando como o olhar de mulheres negras pode transformar a compreensão de justiça e igualdade.

Professora, pesquisadora e palestrante, integra o Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros (Enajun) e o Fórum Nacional de Juízas e Juízes contra o Racismo (Fonajurd), além de ter participado do Grupo de Trabalho sobre Questões Raciais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Autora e entusiasta da literatura como ferramenta de empatia e transformação, publicou obras como “Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas” e biografias ilustradas de Lélia Gonzalez e Michelle Obama, pela Editora Mostarda.

4
Karen Luise

Karen é juíza do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) e, desde 2022, atua como juíza auxiliar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em agosto de 2025, foi aprovada pelo Senado Federal, com ampla maioria (58 votos a favor e 3 contra), para integrar o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) — tornando-se uma das vozes femininas e negras em um espaço estratégico de fiscalização e formulação de políticas para o sistema de Justiça.

Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), é pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade de Passo Fundo e mestra em Direitos Humanos, Interculturalidade e Desenvolvimento pela Universidade Pablo de Olavide (Espanha). Sua pesquisa de mestrado abordou os desafios do Judiciário na proteção de mulheres negras vítimas indiretas em processos do Tribunal do Júri de Porto Alegre, tema que reflete seu compromisso com uma justiça antirracista e sensível às desigualdades de gênero.

Karen Luise é membra da Comissão de Juristas da Câmara dos Deputados responsável por propor o aperfeiçoamento da legislação antirracista no Brasil, integra o Instituto de Acesso à Justiça, o Comitê de Igualdade de Gênero, Raça e Diversidade do TJRS, e é formadora da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura (ENFAM). Reconhecida pela defesa dos direitos humanos, afirma que “não podemos ter uma magistratura que represente apenas um grupo social ou racial” — e que o Judiciário só cumprirá seu papel quando refletir a pluralidade e a diversidade da sociedade brasileira.

5
Lívia Sant’Anna Vaz

Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA) desde 2004, Lívia atua, desde 2015, na Promotoria de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa, Defesa das Comunidades Tradicionais e das Cotas Raciais — a primeira do tipo no Brasil.

Referência nacional e internacional no enfrentamento ao racismo institucional, é doutora em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, mestra em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e especialista em Estudos Afro-Latino-Americanos e Caribenhos pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO).

Autora de “Cotas Raciais” (Editora Jandaíra, 2023) e coautora de “A Justiça é uma Mulher Negra” (Editora Letramento, 2022), Lívia coordena o Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) desde 2018 e é parecerista de revistas jurídicas como a do CNJ e a Revista Brasileira de Ciências Criminais.

6
Lívia Casseres

Lívia Miranda Müller Drumond Casseres é defensora pública do Estado do Rio de Janeiro desde 2012 e atua como coordenadora-geral de Projetos Especiais sobre Drogas e Justiça Racial na Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (SENAD), do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

É doutoranda e mestra em Ciências Jurídicas pela PUC-Rio, além de graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ao longo da carreira, coordenou o Núcleo de Combate ao Racismo e à Discriminação Étnico-Racial (2015–2020) e o Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos (2015–2018) da Defensoria Pública do RJ, e foi Coordenadora de Promoção da Equidade Racial (2021–2022).

Também foi professora da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (2014–2016), membra da Comissão de Igualdade Étnico-Racial da Associação Nacional de Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP) e do corpo editorial da Revista de Direito da Defensoria Pública (2019–2022).

7
Mônica de Melo

Defensora pública do Estado de São Paulo, Mônica é professora doutora de Direito Constitucional da PUC-SP e voz ativa na defesa dos direitos humanos das mulheres a partir de uma perspectiva feminista e antirracista. Filha de um migrante pernambucano e de uma dona de casa que faleceu precocemente, Mônica cresceu na periferia de São Paulo, em uma família sem tradição no ensino superior. Chegou à universidade pela PUC-SP, onde se destacou em Direito Constitucional, iniciou a carreira docente em 1992 e construiu uma trajetória marcada pela luta por acesso à justiça, igualdade racial e de gênero.

Sua atuação vai além da sala de aula: Mônica participou da criação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em 2006, integrou o primeiro gabinete da instituição e foi responsável por propor o Núcleo de Direitos das Mulheres, área em que se especializou. Na universidade, assumiu em 2021 a Pró-Reitoria de Cultura e Relações Comunitárias da PUC-SP, liderando políticas de inclusão e diversidade — como os editais exclusivos para contratação de docentes negros e as diretrizes de combate ao assédio sexual.

Alia sua experiência de origem popular à militância intelectual. Sua tese de doutorado, “Direito fundamental à vida e ao aborto: uma perspectiva constitucional, de gênero e da criminologia”, reflete sua defesa pela descriminalização do aborto e pela legalização das drogas, pautas que entende como essenciais à proteção da vida e da dignidade das mulheres periféricas.

8
Sheila de Carvalho

Sheila é advogada, defensora de direitos humanos e secretária nacional de Acesso à Justiça, sendo a primeira mulher negra a chefiar uma pasta de Justiça no Brasil em mais de dois séculos. Nascida e criada no Campo Limpo, periferia de São Paulo (SP), formou-se em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie por meio do ProUni.

Iniciou sua trajetória na Uneafro Brasil, onde deu aulas e atuou juridicamente em defesa de pessoas negras e periféricas. Com passagem por organizações como Conectas Direitos Humanos, Instituto Ethos e Instituto de Referência Negra Peregum, Sheila consolidou-se como uma das principais articuladoras do movimento negro contemporâneo, tendo contribuído para a construção da Coalizão Negra por Direitos.

Também presidiu o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) e hoje é Secretária Nacional de Acesso à Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, onde coordena iniciativas como o Defensoria em Todos os Cantos, que fortalece defensorias públicas em áreas periféricas, e o Jovens Defensores Populares, em parceria com a Fiocruz, que forma lideranças comunitárias em direitos humanos.

9
Vera Lúcia Araújo

Vera Lúcia é ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e vice-diretora da Escola Judiciária Eleitoral. Baiana radicada em Brasília desde 1978, é advogada de formação, iniciou sua carreira na Defensoria Pública e ampliou sua atuação nas áreas trabalhista, sindical e de gestão pública, tendo exercido funções de chefia jurídica em autarquias federais e distritais.

Na esfera pública, integrou a Comissão de Anistia Política, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República e a Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Atualmente, é membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da CNBB, do Instituto dos Advogados do Brasil e do Grupo Prerrogativas, além de ser ativista da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal.

Reconhecida por sua atuação em defesa da igualdade racial, da democracia e dos direitos humanos, Vera Lúcia também é autora de artigos em coletâneas e jornais, e palestrante em eventos nacionais e internacionais. Sua trajetória une o exercício técnico do direito à militância social, consolidando-a como uma das principais referências negras no sistema de justiça brasileiro.