
Entenda por que as últimas movimentações do Congresso prejudicam as trabalhadoras
Nas últimas semanas, vieram à tona decisões do Congresso Nacional que vão na contramão da justiça tributária
Por Beatriz de Oliveira
07|07|2025
Alterado em 07|07|2025
Num dia, você liga a TV e o jornal informa que o governo Lula vai aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), como forma de equilibrar as contas públicas. No outro, lê uma notícia no celular dizendo que o Congresso vetou essa medida. Você ainda tenta entender o que isso significa de fato, quando vem à tona outras decisões como aumento da conta de luz, aumento do número de deputados e tributação de investimentos imobiliários e de agronegócio.
Sabemos que está complicado entender as discussões econômicas que rolaram nas últimas semanas. Por isso, reunimos, nessa reportagem, explicações sobre as movimentações recentes do Congresso que, infelizmente, prejudicam a vida das trabalhadoras brasileiras.
“As decisões recentes sugerem uma tendência de proteção a interesses de grupos mais ricos e organizados, como o agronegócio, o setor imobiliário e o próprio Legislativo, enquanto os custos são repassados à população em geral, especialmente os mais pobres”, afirma Isabel Ribeiro, economista, presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia e Gerente da Unidade de Gestão Estratégica do Sebrae Bahia.
Segundo Isabel, neste ano, a economia brasileira apresenta um cenário misto, com as seguintes características:
A inflação está relativamente controlada, mas há pressões em setores como alimentos e energia;
O crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) tem sido modesto, com projeções em torno de 2% ao ano;
O desemprego caiu em relação aos anos anteriores, mas o mercado de trabalho ainda é marcado por informalidade e baixa renda; e
A Dívida Pública segue elevada (R$ 7,6 trilhões em abril), o que pressiona o governo a buscar equilíbrio fiscal.
“Diante disso, aumentar a arrecadação – via impostos ou combate à sonegação – e controlar os gastos públicos são medidas vistas como necessárias por muitos economistas para garantir a sustentabilidade fiscal”, explica, e acrescenta que “ o desafio é fazer isso sem comprometer investimentos sociais e infraestrutura, que são essenciais para o crescimento de longo prazo”.
Entenda as últimas discussões econômicas que protagonizaram a pauta do Executivo e Congresso:
IOF
No dia 22 de maio, o governo Lula definiu, por meio de decreto presidencial, o aumento do IOF para operações de crédito, principalmente para empresas. Com a decisão, a alíquota para operações de câmbio ficou em 3,5%; e o teto de IOF de operações de crédito para empresas subiu de 1,88% para 3,38% ao ano. A medida geraria uma arrecadação de R$ 61 bilhões em dois anos.
O IOF é um tributo federal pago por pessoas físicas e jurídicas em diversas operações financeiras, como transações de crédito, câmbio, seguros, investimentos, operações relativas a títulos e valores imobiliários.
“O decreto do IOF corrige uma injustiça: combate a evasão de impostos dos mais ricos para equilibrar as contas públicas e garantir os direitos sociais dos trabalhadores”, escreveu o ministro da Fazenda Fernando Haddad no X.
No entanto, em 25 de junho, a Câmara e o Senado aprovaram a derrubada do aumento do imposto. Já em 1º de julho, foi anunciado que o governo federal recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a derrubada dos decretos. E, em 4 de julho, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, suspendeu os efeitos de decretos da Presidência e do Congresso que tratam do IOF, e determinou a realização de uma audiência de conciliação sobre o tema.
Tributação de investimentos financeiros e apostas esportivas
Em meio à reação negativa do Congresso sobre o aumento do IOF, o governo preparou, no dia 11 de junho, uma Medida Provisória (MP) 1.303/2025 tratando da tributação de investimentos financeiros. O texto define a incidência de Imposto de Renda para emissões de títulos que hoje são isentos, o que inclui investimentos imobiliários e agrícolas, como a Letra de Crédito Agrícola (LCA) e Letra de Crédito Imobiliário (LCI).
A medida prevê, ainda, mudanças na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), paga por instituições do sistema financeiro, e aumento da tributação sobre o faturamento das bets de 12% para 18%. Com vigência de 60 dias, a MP ainda precisa passar por aprovação do Congresso.
Aumento da conta de luz
No dia 10 de janeiro, o presidente Lula sancionou, com vetos, a Lei nº 15.097, que disciplina o aproveitamento de potencial energético offshore (a geração de energia offshore é feita por meio de turbinas eólicas instaladas em plataformas fixas ou flutuantes no leito marinho). Os vetos foram relacionados a “jabutis” (trechos que não tem relação com o tema original do projeto).
No entanto, em 17 de junho, o Congresso derrubou parte dos vetos do presidente. Passou a valer então a obrigatoriedade de contratação de energia de pequenas centrais hidrelétricas, mesmo sem necessidade, e a prorrogação contratual, por 20 anos, de contratos de compra de energia do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).
Essas mudanças podem provocar aumento de 3,5% na conta de luz para os brasileiros. Segundo estudo técnico da Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE), a decisão equivale à decretação da bandeira vermelha patamar 1 na conta de luz por seis anos, além de 19 anos subsequentes com bandeira amarela.
Aumento do número de deputados
No dia 25 de junho, Senado e Câmara aprovaram projeto que aumenta de 513 para 531 o número de deputados federais. Segundo levantamento da Agência Pública, a medida pode gerar um custo de mais de R$ 845 milhões aos cofres públicos. Com um maior número de deputados federais, deverá aumentar também a quantidade de representantes de assembleias legislativas de alguns estados, porque a Constituição Federal calcula o número de deputados estaduais proporcionalmente ao de representantes federais. De acordo com reportagem da Folha de S. Paulo, Lula avalia não sancionar o projeto.
Nesse embate, quem mais perde somos nós
Todas essas negociações entre Executivo e Congresso foram marcadas por tensões, e revelam os obstáculos impostos pelos parlamentares à efetivação de medidas que promovem justiça tributária. “As movimentações recentes do Congresso revelam uma assimetria na representação de interesses. Enquanto medidas que beneficiam os mais ricos avançam com facilidade, propostas que poderiam ampliar a justiça social enfrentam obstáculos”, resume a economista Isabel Ribeiro.
Outras prioridades do governo em relação à agenda econômica, e que também enfrentam resistência do Congresso, são o corte de benefícios fiscais, com previsão de redução de até R$ 15 bilhões em isenções; e a reforma tributária, com isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e taxação dos mais ricos.
Diante disso, de acordo com a economista, é notável que há uma ofensiva indireta do Congresso contra os mais pobres. “Na medida em que não há avanço em reformas tributárias progressivas, como a taxação de grandes fortunas ou lucros e dividendos; há cortes ou contenções em áreas sociais, enquanto benefícios fiscais são mantidos ou ampliados para setores privilegiados. Isso revela uma desigualdade na representação de interesses no Congresso, onde as vozes dos mais vulneráveis têm menos peso político”, afirma Isabel.
“O Brasil vive um momento decisivo. O equilíbrio fiscal é necessário, mas não pode ser alcançado às custas da equidade social”, conclui.