Mulher indígena segura placa com os dizeres: Não ao PL da Devastação

Em entrevista ao Nós, mulheres indígenas, quilombolas e ribeirinhas criticam PL da Devastação

O Projeto de Lei 2.159/2021 flexibiliza as regras do licenciamento ambiental, tem potencial de aumentar o desmatamento e acelerar os efeitos da crise climática

Por Beatriz de Oliveira

26|06|2025

Alterado em 26|06|2025

Uma ameaça ao meio ambiente e às populações que mais o protegem. É assim que ativistas climáticas com quem conversamos definem o Projeto de Lei 2.159/2021, mais conhecido como PL da Devastação. Em tramitação no Congresso Nacional, o projeto flexibiliza as regras do licenciamento ambiental, ferramenta que serve para avaliar o impacto de empreendimentos e atividades na natureza. 

Com potencial de aumentar o desmatamento, o PL pode acelerar e intensificar os efeitos da crise climática. Nesse cenário, mulheres indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais são as mais afetadas, conforme aponta o relatório Diretrizes de Proteção às Mulheres e Meninas em Emergências Climáticas, da ONU Mulheres no Brasil. 

“Frequentemente, elas estão na linha de frente, defendendo o meio ambiente, seus territórios, recursos e direitos e enfrentam formas interseccionais de violência baseada em gênero e outras violências, devido a uma longa história de discriminação associada ao racismo, marginalização socioeconômica e política”, alerta o texto.

Partindo desse contexto, questionamos três mulheres que fazem parte dos grupos que mais serão impactados negativamente em caso de aprovação do projeto. Elas relataram suas preocupações e críticas ao modo como o país tem lidado com a questão ambiental.

Confira.

“A minha maior preocupação é o impacto social”

Odenilze Ramos, jovem amazônida e ribeirinha, ativista socioambiental, formada em Gestão Pública.

mulher em floresta

Odenilze Ramos é ribeirinha e ativista socioambiental

©reprodução Instagram

Os impactos ambientais já são comprovados, temos estudos sobre isso. Basta olhar os dados e ver como o PL da Devastação vai prejudicar toda a região em termos de biodiversidade e desequilíbrio ambiental. Mas, a minha maior preocupação, e a que normalmente não é olhada, é o impacto social. Sabemos que quando se impacta a cadeia de biodiversidade do lugar, também há impacto na sociedade, nas pessoas que vivem ao redor dessas regiões, que dependem dos rios. Populações tradicionais ribeirinhas e populações indígenas serão afetadas tanto no modo de vida, quanto na alimentação, no trabalho.

“Explorar a terra é explorar nossos corpos, são nossos corpos que serão afetados com tudo isso”

Vanda Witoto, liderança indígena do povo Witoto no estado do Amazonas, ativista climática, diretora executiva do Instituto Witoto.

Mulher indígena segura placa com os dizeres: Não ao PL da Devastação

Vanda Witoto é liderança indígena do povo Witoto no estado do Amazonas

©reprodução Instagram

É assustador observar o avanço da desconstrução de mecanismos de proteção à natureza. Quando a gente olha para a política no Brasil, sobretudo o Congresso e o Senado, é assustador o nível das pessoas que ocupam esses espaços de poder. Eles constroem mecanismos de violência, não só para o território e para a natureza, mas, sobretudo, para nós, povos indígenas, comunidades tradicionais que estamos nesse processo de respeito com a natureza, de relacionamento com essa terra de forma tão sagrada e espiritualizada. Mais uma vez, esses deputados e esses senadores que a população elege, trabalham para que a crise climática se amplifique numa velocidade muito mais assustadora do que a gente já está vivenciando.

Quando a gente olha para esse cenário de mudanças climáticas, as pessoas mais vulnerabilizadas serão as mais impactadas. Os representantes políticos não estão preocupados com os desafios climáticos, não estão construindo políticas públicas para enfrentamento às mudanças climáticas, não estão criando nenhuma lei que possa mitigar isso. Pelo contrário, estão aprovando leis como esse PL da Devastação, que visa a continuidade da destruição da mãe terra, dos nossos rios e, sobretudo, dos nossos corpos. Porque explorar a terra é explorar nossos corpos, são nossos corpos que serão afetados com tudo isso. E nós, enquanto mulheres indígenas, que nos consideramos essa mãe terra, seguimos nessa resistência, nos mobilizando e denunciando. Então, é resistência, é luta, nossos corpos estarão em luta para que de alguma forma isso não avance como eles gostariam que fosse.

“É um risco enorme de retrocesso socioambiental, que ameaça a vida dos territórios e de toda a população brasileira”

Fran Paula, quilombola do Mato Grosso, engenheira agrônoma, integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

mulher negra de colar colorido

Fran Paula é quilombola do Mato Grosso e engenheira agrônoma

©arquivo pessoal

O PL da Devastação representa um grande retrocesso, não só ambiental, mas político e social. À medida que propõe uma flexibilização do marco regulatório sobre licenciamento ambiental, o projeto coloca em risco as populações tradicionais, indígenas e quilombolas, que desempenham um papel fundamental para preservação ambiental e justiça climática. Com a aprovação desse PL, o quadro de vulnerabilidades socioambientais tende a aumentar e ser potencializado, colocando em risco a nossa sobrevivência e a nossa existência. O projeto se propõe a não proteger os territórios que estão ainda passando por processos de demarcação e titularização, enfraquece a nossa participação nas tomadas de decisões, fragiliza a atuação de órgãos ambientais, compromete ainda mais a nossa garantia de direitos e proteção dos nossos territórios. Sem dúvida, é uma grande preocupação e é um grande risco para vida dos territórios e da população quilombola.

É um projeto que tem claramente interesses privados e comerciais dos setores que já promovem grande violação de direitos territoriais e ambientais no Brasil. É uma forma de tentar controlar e flexibilizar a legislação para atender setores econômicos que historicamente sempre desenvolveram atividades que são predatórias, exploratórias do meio ambiente e que veem os territórios quilombolas, territórios tradicionais e indígenas como ameaça e como risco para esse desenvolvimento tão prejudicial para o nosso país. É um risco enorme de retrocesso socioambiental, que ameaça a vida dos territórios e de toda a população brasileira.