Produzir e consumir arte de pessoas negras como missão ancestral

Em sua coluna, Aline Bispo apresenta o Movimento de Pessoas Negras Colecionadoras de Arte

23|06|2025

- Alterado em 23|06|2025

Por Aline Bispo

Enquanto sigo realizando entrevistas e preparando o conteúdo que dará continuidade ao último texto que escrevi por aqui — Rock de quebrada —, convidei para colaborar comigo na escrita desta coluna os galeristas e sócio-fundadores da LTRL Galeria. Eles vêm realizando um trabalho fundamental à frente do Movimento de Pessoas Negras Colecionadoras de Arte (MPNCA). Camila Alcântara e Guilherme Marinho formam uma dupla que está entre os — ainda poucos — galeristas negros no Brasil. Camila é galerista, colecionadora de arte, artista visual e curadora. Guilherme é galerista, diretor e consultor de arte.

Antes de falarmos sobre o MPNCA, queremos apresentar a LTRL Galeria, atualmente localizada em um novo espaço no centro da cidade de São Paulo. A galeria se propõe a democratizar o acesso à arte contemporânea, promovendo uma aproximação real entre o público e os trabalhos apresentados.

As visitas ao espaço são gratuitas, e a galeria vem realizando atividades em parceria com instituições como o Sesc e a Pinacoteca. Além disso, mantém um calendário ativo com bate-papos sobre arte e cultura, formação e mentoria para jovens artistas, novos galeristas e pessoas interessadas no colecionismo de arte.

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Surgimento do MPNCA

É a partir deste último eixo que surgem os encontros do MPNCA, que têm como objetivo reunir pessoas negras que já colecionam obras de arte ou estão começando a criar seus acervos. A proposta é discutir e fortalecer a presença negra no mercado de arte contemporânea e nas instituições — não apenas no campo da criação, mas também no lugar de fomento às produções artísticas.

Ressaltamos aqui a importância do trabalho da dupla à frente da galeria no que diz respeito às formações e discussões sobre essas temáticas. Acreditam na ideia de que produzir e consumir arte é parte de um legado ancestral — um gesto de tomada de narrativa e conservação da memória a partir de outras perspectivas.

Colecionar arte pode ser também uma forma de contar outras histórias, de afirmar existências e abrir caminhos para novas leituras do mundo.

Atualmente, o movimento conta com a liderança de Camila e Guilherme e um conselho composto por mim, Aline Bispo, e David Newton, que possui uma ampla experiência em articulações no mercado de artes visuais.

Presença negra na arte contemporânea

Os encontros promovidos têm reunido pessoas negras interessadas em colecionismo com o objetivo de fortalecer a presença e atuações negras no circuito da arte contemporânea. O primeiro encontro — e marco de fundação do movimento — aconteceu no dia 13 de maio, data da abolição da escravidão no Brasil. A escolha não foi aleatória: a proposta era reescrever essa história, pensando o colecionismo como gesto de memória e legado.

O segundo encontro ocorreu poucos dias após a ArPa — uma das principais feiras de arte contemporânea do Brasil. Reunido em São Paulo, o grupo promoveu um jantar intimista e potente. Organizado de maneira espontânea a partir do primeiro encontro, o evento marcou mais um passo importante no fortalecimento da rede formada pelo MPNCA.

Em um ambiente de troca e escuta atenta, os fundadores do movimento abriram a conversa reafirmando a importância da presença negra no colecionismo de arte como um gesto de pertencimento, continuidade e transformação. Realizado na casa do colecionador Denis Tassitano, o jantar teve como tema central a feira ArPa — suas percepções, destaques e experiências, a partir do olhar de pessoas negras inseridas no circuito da arte contemporânea.

Esse jantar foi um desdobramento simbólico e orgânico entre membros do movimento e convidados. Ainda assim, os idealizadores já anunciaram que o próximo encontro oficial do MPNCA acontecerá em breve. Estão previstos outros ao longo do ano, sempre com o objetivo de fortalecer vínculos, ampliar o acesso e valorizar a presença de pessoas negras no campo da arte e do colecionismo no Brasil. O movimento segue ganhando corpo, força e intenção.

O papel do artista

Lembramos aqui uma fala potente de Nina Simone, em uma entrevista provavelmente realizada na década de 1960, quando perguntaram a ela sobre o papel do artista:

“O dever de um artista, no que me diz respeito, é refletir o momento. {…} quando tudo é tão desesperador, quando todos os dias são uma questão de sobrevivência, acho que você não pode deixar de se envolver. Os jovens — negros e brancos — sabem disso, por isso estão tão envolvidos na política. Vamos moldar este país, ou ele não será mais moldado. Como você pode ser um artista e não refletir os tempos?”

A proposta aqui é essa: refletir sobre produção, consumo e valorização da arte. Refletir sobre como fortalecer o mercado e os artistas em quem acreditamos. Além disso, pensar em como colaborar para que mais pessoas tenham contato com o cenário artístico. Inclusive as que estão em regiões periféricas e distantes das zonas centrais, para que possam acessar, produzir e valorizar as artes visuais no Brasil. Acreditamos que trocas como as proporcionadas pelo MPNCA ajudam a construir essas respostas.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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