manifestação contra PL da Devastação

Por que o licenciamento ambiental é necessário e como o PL da Devastação acaba com ele

A advogada Alice Dandara afirma que as mudanças propostas no projeto de lei promovem aumento do desmatamento e aceleram crises ambientais

Por Beatriz de Oliveira

12|06|2025

Alterado em 12|06|2025

Em fase de tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 2.159/2021, que tem sido chamado de PL da Devastação,  tem gerado uma grande mobilização contrária à sua implementação por parte de ambientalistas, ativistas, comunidades tradicionais e sociedade civil. O projeto, que retornou para discussão na Câmara após aprovação no Senado no dia 21 de março, flexibiliza as regras do licenciamento ambiental no país e tem potencial de permitir o aumento do desmatamento. Mas, afinal, o que é o licenciamento ambiental e por que ele é necessário?

“A nossa legislação ambiental atual é uma das melhores do mundo, sendo considerada exemplo para todos os países. Além disso, também é necessário retirar esse mito de que há um excesso de burocracia no licenciamento ambiental”, afirma Alice Dandara, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), pesquisadora do Observatório das Metrópoles e integrante do Observatório do Clima.

Entre 2023 e 2024, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) emitiu um total de 1.044 licenças e autorizações; a maior parte foi da área de petróleo e gás, seguida por estruturas rodoviárias, hidrelétricas, sistemas de transmissão e mineração. 

Em nota publicada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, liderado por Marina Silva, o PL da Devastação é apontado como um risco à segurança ambiental e social no país. “ [O projeto] afronta diretamente a Constituição Federal, que no artigo 225 garante aos cidadãos brasileiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com exigência de estudo prévio de impacto ambiental para instalação de qualquer obra ou atividade que possa causar prejuízos ambientais”, diz o texto. 

Como funciona o licenciamento ambiental atualmente? 

Criado em 1981, através da Lei nº 6.938 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, o licenciamento ambiental serve para avaliar o impacto ambiental de empreendimentos e atividades, e a partir disso permite ou não a sua instalação, definindo diretrizes para o seu funcionamento.

Alice explica que o instrumento serve ainda para “dizer o que o solicitante deve fazer para evitar o risco, compensar o dano e realizar o controle sobre suas atividades para que elas não gerem outros danos decorrentes possíveis, como vazamento de rejeitos, explosões, incêndios, poluição do ar, das águas, da flora ou afetam à fauna do seu entorno”. 

Para que isso ocorra, o processo é dividido em três fases: Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação. Essas etapas são definidas pelo licenciamento ambiental federal e seguidas pela maioria dos estados.

Licença Prévia: é usada no período de planejamento da implantação, alteração ou ampliação do empreendimento para atestar a viabilidade ambiental, podendo autorizar a localização e definir como será realizada a atividade ou empreendimento. 

Licença de Instalação: autoriza a instalação do empreendimento, atividade ou obra, estabelecendo um cronograma para a execução das medidas mitigadoras de danos ambientais. 

Licença de Operação: autoriza o funcionamento da atividade, obra ou empreendimento, após a verificação do cumprimento das medidas de controle ambiental e condicionantes determinadas nas licenças anteriores.

A nível federal, os licenciamentos ambientais são de responsabilidade do Ibama, já em estados e municípios a condução é variada. Além disso, outros órgãos podem ser acionados durante o processo, como Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Fundação Palmares e Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

Quais as mudanças propostas pelo PL da Devastação?

O PL da Devastação propõe que responsáveis por empreendimentos possam obter o licenciamento de forma automática, apenas com uma autodeclaração feita pela internet, e dispensando as análises técnicas prévias previstas atualmente.

O projeto “muda toda a dinâmica do processo de licenciamento ambiental, criando modelos de licenciamentos novos que, na prática, flexibilizam o modelo de licenciamento existente hoje e retiram o poder de controle e fiscalização dos órgãos ambientais e até das próprias autoridades licenciadoras”, pontua Alice.

Entre as mudanças propostas estão as seguintes:

Autolicenciamento: empreendimentos de pequeno e médio porte e que tenham potencial poluidor poderão obter o Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC) ao preencherem um formulário no site do órgão ambiental;

Renovação automática: todos os modelos de licenciamento terão renovação automática por meio de formulário preenchido na internet, dependentemente de análise por parte da entidade licenciadora, desde que o requerimento seja realizado com 120 dias de antecedência;

Criação da Licença Ambiental Especial (LAE): licença de fase única para todo e qualquer empreendimento, obra e/ou atividade que o Conselho de Governo defina que é estratégico para o país, mesmo que seja de alto risco e potencial poluidor, retirando qualquer análise técnica, controle, fiscalização e determinação de condicionantes ambientais para compensar os danos que essas atividades, obras ou empreendimentos possam causar;

Isenção para agropecuária: uma série de atividades agropecuárias não precisarão de licenciamento ambiental, como empreendimentos para cultivo de espécies de interesse agrícola, pecuária extensiva, semi-intensiva e intensiva de pequeno porte;

Enfraquecimento da atuação de órgãos ambientais: o projeto retira atribuições dos órgãos colegiados do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e os Conselhos Estaduais. Além disso, permiti que empreendimentos em unidades de conservação sejam licenciados sem a manifestação obrigatória prévia do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). 

O projeto de lei já havia sido aprovado pelas comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), e no dia 21 de maio foi aprovado por 54 votos a favor e 13 contra no Senado Federal. Agora, o texto está na Câmara e, em caso de aprovação, será enviado para sanção ou veto do presidente Lula.

O PL da Devastação terá como consequência o aumento do desmatamento, da poluição do ar e das águas, dos lençóis freáticos, ameaça os povos e comunidades tradicionais e, por consequência, diminuição da qualidade de vida, do combate às mudanças climáticas, da proteção e preservação ambiental, acelerando processos de crises ambientais

Alice Dandara

Ao abrir espaço para aumento do desmatamento e poluição, o PL da Devastação vai na contramão dos esforços urgentes de promover justiça climática. Nesse contexto, mulheres são as mais afetadas pelas consequências da crise do clima. De acordo com o relatório 

Justiça Climática Feminista: um Quadro para Ação (2023), da ONU Mulheres, caso o cenário de aumento de 3°C na temperatura do planeta se concretize, mais de 158 milhões de mulheres e meninas no mundo todo serão levadas à pobreza até 2050, o que representa 16 milhões a mais do que o número esperado para homens e meninos no mesmo cenário.

Além disso, a depender da localidade e comunidade que esta mulher fizer parte, os impactos podem ser mais ou menos graves. Segundo o relatório Diretrizes de Proteção às Mulheres e Meninas em Emergências Climática, da ONU Mulheres no Brasil, as mulheres indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais vivenciam de maneira desproporcional as consequências da crise climática. “Frequentemente, elas estão na linha de frente, defendendo o meio ambiente, seus territórios, recursos e direitos e enfrentam formas interseccionais de violência baseada em gênero e outras violências, devido a uma longa história de discriminação associada ao racismo, marginalização socioeconômica e política”, alerta o texto.  

Diante do retrocesso que representa o PL da Devastação, questionamos à Alice quais mudanças poderiam ocorrer para de fato tornar o licenciamento ambiental mais eficaz. A resposta da advogada começou pela ampliação e valorização do quadro de servidores do Ibama, “para suprir a necessidade e a responsabilidade que o principal órgão de proteção ambiental tem no país, especialmente onde as mudanças climáticas têm exigido maiores ações, atores e respostas sobre suas crises e crimes ambientais”.

Outro ponto é a instituição de uma norma geral nacional que defina e padronize o processo do licenciamento ambiental, já que hoje as regras podem variar em estados e municípios. A advogada mencionou ainda a possibilidade de definição de prazos para os processos de licenciamento.