“A polícia me apalpou e me chamou de macaca”, Andreza Delgado, educadora em luta
Em sua conta no Facebook, após ser liberada pela polícia, em 4 de dezembro, a jovem relatou a violência
Por Semayat S. Oliveira
06|12|2015
Alterado em 06|12|2015
“Quem sofre mais com a precarização do ensino é a juventude preta e pobre”. A frase é de Andreza Delgado (foto acima), 20, estudante de Letras e educadora. Na última quinta-feira (3/12), Andreza foi presa arbitrariamente. Crime: lutar contra o fechamento em série de escolas em São Paulo.
Em sua conta no Facebook, após ser liberada pela polícia, em 4 de dezembro, a jovem relatou a violência – sempre aliada ao racismo e machismo – que sofreu nos dias encarcerada. “Fui privada do uso do banheiro, ouvi que eu era uma “macaca”, insinuações de que um dos estudantes não conseguiam me comer porque eu era cabeluda e “feminazi”, que iriam buscar uma gilete para minha “buceta”[…] Eles não conseguiam não transparecer o desejo de “raspar” e “queimar” as minhas tranças”, relatou.
No sábado (5/12), o Nós, mulheres da periferia entrevistou Andreza Delgado, durante manifestação organizada pelas escolas em ocupação que passou pela Av. Paulista, Consolação, Ipiranga e terminou em frente à Secretaria da Educação, no centro da cidade.
A educadora, que estudou toda a sua vida em escolas públicas da cidade, vem apoiando os e as estudantes secundaristas desde o princípio das ocupações, pois considera que esta causa também é dela, enquanto cidadã e mulher negra. “Enquanto mulher negra, essa luta super me representa e enquanto cidadã também, porque se trata da precarização do ensino, da educação”.
“Existe um recorte de classe e geográfico na luta”
Para ela, há um recorte de classe e geográfico muito claro dentro das discussões sobre a “reorganização” prometida pelo governo, já que quem sofre mais com a precarização do ensino é a juventude preta e pobre. A educadora aponta, no entanto, que os estudantes das periferias estão atuando de forma efetiva. “Costumam estigmatizar a periferia e a achar que a periferia não sabe fazer luta. A molecada está ocupando e auto-gerindo as escolas, com aulas de jornalismo, de ioga, horta, estão pintando e reformando as escolas”.
Ela comenta, ainda, a forma como a “grande mídia” concentra os holofotes nas escolas localizadas nas regiões centrais, não dando espaço às que estão nas bordas da cidade. “É mais “confortável” se deslocarem para gravar lá [em Pinheiros/ do que para o centro de Diadema, Mauá (localizados na Grande SP), que também tem escola ocupada, ou para o Campo Limpo ou Capão Redondo (zona sul da capital de SP)”.
Protagonismo feminino
Na entrevista concedida ao Nós, ela também comentou que é evidente o protagonismo feminino na luta contra o fechamento das escolas. “As meninas param o trânsito, as meninas não estão só na cozinha fazendo comida, estão saindo pras ruas, travando ruas, botando o dedo na cara da polícia e dizendo: ‘ó, isso aqui é abuso!’. Estamos mostrando que as mulheres são tão fortes quanto os homens e quebrando vários tabus.”
Confira abaixo a entrevista na íntegra:
Nós, mulheres da periferia: Como você veio parar nessa luta?
Andreza: Eu estudei minha vida toda em escola pública e entendo que, enquanto mulher negra, essa luta super me representa e enquanto cidadã também, porque se trata da precarização do ensino, da educação. E eu acho que tem um recorte de classe muito foda dentro dessa discussão. Quem vai sofrer e quem sofre mais com a precarização do ensino é a juventude preta e pobre.
Nós, mulheres da periferia: E o que você acha sobre a mobilização das escolas na periferia?
Andreza: Tô achando incrível! Costumam estigmatizar a periferia e a achar que a periferia não sabe fazer luta. A molecada está ocupando e auto-gerindo as escolas, tendo aula de jornalismo, de ioga, horta, estão pintando e reformando as escolas. Tem uma questão de visibilidade, né? Que fica mais difícil a gente ficar sabendo dessas coisas, mas tem luta na periferia sim, tem escola ocupada na periferia sim.
Nós, mulheres da periferia: A visibilidade na mídia para as escolas da periferia está semelhante em relação às do centro?
Andreza: Não é semelhante, mas a gente sabe que existe um recorte geográfico e de classe. A Fernão dias é uma escola pública e tem alunos da periferia que se deslocam da suas quebradas para estudar no centro, mas a escola ainda está em um bairro do centro. Então é mais “confortável” se deslocarem para gravar lá do que para o centro de Diadema, Mauá (localizados na Grande SP), que também tem escola ocupada, ou pro Campo Limpo e para o Capão Redondo (zona sul da capital de SP).
Nós, mulheres da periferia: E o que você acha da atuação das jovens mulheres nas ocupações e manifestações?
Andreza: Tá lindo! Tem um recorte de gênero muito foda, que é o protagonismo feminino nas lutas. As meninas param o trânsito, as meninas não estão só na cozinha fazendo comida, estão saindo pras ruas, travando ruas, botando o dedo na cara da polícia e dizendo: “ó, isso aqui é abuso!”. E estão, inclusive, sofrendo abuso. Eu fui detida e sofri vários tipos de violência, sofri com o machismo, com o racismo. Mas estamos mostrando que as mulheres são tão fortes quanto os homens e quebrando vários tabus.
Andreza durante as manifestações | Foto de Mel Coelho
Nós, mulheres da periferia: Quando essa mobilização começou, você achava que teria toda essa repercussão?
Andreza: Olha, eu estou acompanhando os Secundaristas desde o primeiro ato, porque eu toco em uma fanfarra e participamos das manifestações. Eu não imaginava, mas as pessoas também não imaginavam que o aumento da tarifa seria barrado em 2013, né? Eu acho que, mais uma vez, os movimentos autônomos, sem liderança, horizontais também sabem fazer luta e que dá pra avançar, sabe? Esquecer um pouco dessa política velha, dessa coisa arcaica que a esquerda tem, com carro de som, por exemplo. Temos que fazer ação direta, os meninos e meninas estão fazendo ação direta, que é ocupar as escolas travar as ruas, fazendo atividade nas escolas, nesse final de semana vai ter a Virada Ocupação. E é isso, é uma lição que estamos aprendendo.
Nós, mulheres da periferia: Você acha que vivemos aqui uma processo de consciência política? O que você espera da próxima eleição?
Andreza: Eu não acredito que o avanço pra uma coisa melhor virá de algum representante. Fica de lição: ninguém nos representa. Tanto que a gente vê muitos desses movimentos sem liderança. Eu acho que a galera, na próxima eleição, vai estar com uma cabeça melhor. Mas eu não acredito que a mudança que a gente quer vai vir de algum partido ou de alguma pessoa. O que eu acredito é que a consciência política desses jovens já estará muito avançada. A gente tá vendo os meninxs sentarem pra discutir feminismo negro, racismo, questões políticas, questões do Oriente Médio e várias outras coisas. Eu acho que essa molecada vai entrar na universidade pra tratar dos problemas da universidade com mais disposição, coisa que o movimento estudantil universitário não consegue fazer. Que é tratar da permanência da USP sem cotas ainda, por exemplo. A Ocupação Preta deu um gás na luta, mas a USP continua sem cotas.
Nós, mulheres da periferia: E qual o impacto para os alunos que vão permanecer nas escolas no ano que vem?
Andreza: Uma maior disposição de diálogo com os professores, isso está sendo uma lição para gente e para eles próprios. A questão do companheirismo na sala de aula, por exemplo. Vai ser diferente voltar para a sala de aula. Muito diferente e muito bom.
Nós, mulheres da periferia: Sobre a repressão que você sofreu, você se considera mais atingida por ser uma mulher negra?
Andreza: Sim, sim! Existe uma disposição do estado para tratar as pessoas pretas e pobres de outra forma. Se eu fosse uma estudante da Universidade de São Paulo e branca, a polícia nunca ia me apalpar e dizer que ia cortar minhas tranças e me chamar de “macaca”. Existe uma disposição do estado, uma disposição racista de dar esse outro tratamento. Poxa, eu ainda fui passar por uma CDP (Centro de Detenção Provisória) e em alguns momentos ainda fui bem tratada, mas tinha gente lá fora me esperando e me observando. E quem não tem?