
Menstruação: o que você precisa saber para cuidar do seu corpo com carinho e conhecimento
Entender o próprio corpo é um passo essencial para o cuidado e a autonomia. Saiba mais sobre métodos e cuidados
Por Amanda Stabile
26|05|2025
Alterado em 26|05|2025
Menstruar é natural, mas ainda hoje é cercado de silêncios, vergonha e desinformação. Em muitos lugares, falar sobre o próprio ciclo menstrual é um tabu — e isso dificulta o acesso a informações importantes, produtos adequados e cuidados de saúde. Este texto foi feito para quem menstrua, para quem convive com pessoas que menstruam, e para todas as pessoas que acreditam que saúde é um direito. Afinal, entender o próprio corpo é um passo essencial para o cuidado e a autonomia.
Entendendo o ciclo menstrual
O ciclo menstrual acontece, em média, a cada 28 dias e passa por diferentes fases marcadas por variações hormonais e mudanças no corpo. Esses são os momentos principais:
Fase folicular: começa no primeiro dia de sangramento menstrual e marca o início do ciclo, quando o organismo começa a preparar um novo óvulo. O cérebro libera o hormônio folículo estimulante (FSH), que estimula o crescimento dos folículos (estruturas onde os óvulos se desenvolvem) nos ovários. O hormônio estrogênio aumenta, ajudando a reconstruir o endométrio (tecido que reveste o útero) que foi liberado durante a menstruação. Essa fase dura em torno de 14 dias e, após a menstruação, o muco cervical tende a ser seco, esfarelado ou ausente; conforme a ovulação se aproxima, ele se torna mais abundante, fluido e cremoso, até atingir uma textura elástica e transparente, semelhante a clara de ovo;
Fase ovulatória: o óvulo é liberado a partir do aumento do hormônio luteinizante (LH). Nesse período, o estrogênio atinge seu pico, e o corpo fica biologicamente mais “fértil”. Em geral, considera-se “período fértil” cerca de três dias antes até três dias depois da ovulação e, se você não quer engravidar, é importante usar métodos contraceptivos. Algumas mudanças podem ser percebidas, como o aumento da libido e da autoconfiança, sensação de mais energia, disposição e sociabilidade. Essa fase dura entre 16 a 32 horas e o muco cervical que pode ser observado é abundante, transparente e elástico;
Fase lútea: na reta final do ciclo menstrual, o folículo rompido (que continha o óvulo) forma um tecido chamado de corpo lúteo, que passa a produzir progesterona. Esse hormônio ajuda a espessar o tecido que reveste o útero, preparando o órgão para uma possível gravidez. Se a fecundação não acontece, a progesterona e o estrogênio diminuem, e o endométrio se desfaz e é eliminado na forma de sangue menstrual. Nessa fase, é comum sentir a TPM (Tensão Pré-Menstrual), com oscilações de humor ou irritabilidade, retenção de líquido, maior necessidade de descanso e conforto. Dura entre 10 a 16 dias e o muco cervical é mais espesso e pegajoso com uma coloração esbranquiçada ou amarelada;
Período menstrual: a menstruação não é considerada uma fase independente do ciclo menstrual (como as anteriores), já que acontece nos primeiros dias da fase folicular, que começa no primeiro dia de sangramento. É nesse período que o corpo libera o revestimento do útero (endométrio), se renovando para um novo ciclo. Dura entre aproximadamente entre 3 a 7 dias.
Cada pessoa vivencia o ciclo menstrual de forma única, com variações na intensidade dos sintomas e duração das fases. Alterações muito bruscas ou dores extremas podem indicar a necessidade de acompanhamento médico.
“Um ciclo regular, onde a menstruação vem de tempos em tempos (a cada 28 dias, 30 dias, 35 dias, 25 dias), tende a significar um ciclo saudável”, explica Ellen Vieira, obstetriz e integrante do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde. Ela acrescenta que características como a coloração vermelho vivo do sangramento, ausência ou presença de poucos coágulos e a inexistência de corrimentos ou secreções com odor fétido, além da falta de cólicas incapacitantes ou outras dores intensas, também são sinais de um ciclo menstrual saudável.
Quando a ausência de menstruação é considerado um sinal de alerta?
O ciclo menstrual costuma se iniciar entre os dez e 13 anos de idade. Nos primeiros anos, é comum que o ciclo leve um tempo para se estabilizar, já que o corpo ainda está em fase de crescimento e reorganização hormonal. “Nestes casos, durante a adolescência, é mais provável que a ausência de menstruação tenha a ver com o processo de maturação do corpo. A partir dos 18, 20 anos, esse ciclo já tende a começar a se regular”, conta a especialista.
Se a pessoa não tem um ciclo regular, precisa entender as causas da irregularidade. Já se a pessoa já tem um ciclo regular e ele pausar por mais de três meses, pode ser um sinal de atenção. “Sempre importante lembrar que no caso de atraso menstrual para quem tem relações sexuais com penetração de pênis, é preciso descartar a possibilidade de gestação antes de pensar em infeções ou doenças”, alerta.
Algumas pessoas optam por não menstruar de forma intencional, utilizando contraceptivos hormonais de forma contínua. Segundo Ellen, essa prática pode trazer riscos à saúde, especialmente para quem apresenta fatores de risco como tabagismo, histórico familiar de trombose, hipertensão, diabetes, idade acima de 35 anos, além de condições específicas, como doenças cardíacas, AVC prévio e determinados tipos de câncer.
Ela observa que suspender a menstruação por opção é uma possibilidade recente – de menos de 100 anos –, e existem poucos estudos sobre. “O que podemos observar é que essa escolha fala sobre as poucas opções de cuidado ofertados pela ginecologia moderna para desconfortos durante a menstruação, sobre o tabu social e em como os ciclos femininos não são compreendidos e incluídos na vida social como um funcionamento normal dessa corporalidade”, diz.
Mariana Lima, mestranda em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pesquisadora sobre pobreza menstrual, traz um conceito chamado “menstruação decolonial”. Ele questiona a visão dominante que trata o corpo que menstrua como algo que deve ser controlado ou até apagado para se encaixar em padrões sociais e produtivos. Isso pode levar muitas pessoas a suprimir a menstruação.
Muitas vezes essa escolha está ligada à exigência do capitalismo: de ter de ser produtiva o tempo todo. Então, muitas mulheres se submetem a tomar remédios constantemente para parar de menstruar. Porque ‘a mulher moderna não menstrua’. Como se fosse algo ultrapassado.
A ideia da menstruação decolonial propõe justamente o contrário: entender melhor o próprio corpo, ter acesso a outras formas de cuidado e a métodos contraceptivos que não obrigam a parar de menstruar. É uma forma de lembrar que o ciclo menstrual é parte natural da vida e que deveria ser levado em conta – e respeitado – na forma como vivemos em sociedade.
No Brasil, 713 mil meninas vivem em casas sem banheiro ou chuveiro, e mais de 4 milhões não têm acesso a itens básicos de higiene menstrual nas escolas. Os dados são do estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, lançado em 2021 pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Essa falta de acesso é chamada de pobreza menstrual e afeta principalmente meninas pretas e pardas.
Como lidar com o sangue menstrual?
Existem diversos métodos disponíveis para lidar com o sangue da menstruação. Dentre eles:

Vendido em diversos tamanhos e com variações de abas e coberturas, fica grudado à roupa íntima de forma adesiva. Deve ser trocado a cada quatro ou seis horas, dependendo da quantidade do fluxo menstrual. Apesar de ser fácil de encontrar e de uso prático, o absorvente descartável e sua embalagem poluem o meio ambiente por não ter composição biodegradável (a maioria é feita de plástico). Os pacotes com oito unidades variam entre R$5 e R$15;

Muito parecido com o descartável, o que muda é sua composição. Fica preso à roupa íntima com botões de pressão e tem camadas de tecido absorvente. É uma alternativa sustentável e econômica por ser reutilizável e deve ser trocado de acordo com o seu fluxo menstrual. Dura de dois a três anos e requer lavagem adequada para garantir higiene. O preço de cada unidade varia entre R$30 e R$60;

Também conhecido como “tampão” ou “ob”, esse absorvente tem o formato de um tubinho arredondado com um cordão fino e resistente na ponta. É inserido na vagina para absorver o sangue antes de sair do corpo. Assim como o absorvente descartável externo, esse método também polui o meio ambiente por não ter composição biodegradável. As caixas com oito unidades variam entre R$10 e R$15;

É um copinho de silicone que, inserido no canal vaginal, coleta o sangue internamente. Pode ser usado por até 12 horas e reduz o descarte de resíduos. Dura até 10 anos, é econômico, ecológico e reduz odores. Porém, pode causar desconforto nos primeiros usos e tem um custo mais elevado comparado aos absorventes – entre R$50 e R$80 por unidade;

Similar ao coletor, mas com um formato mais achatado. É posicionado de forma diferente, mais ao fundo da vagina, perto do colo do útero. Assim como o coletor, coleta grande quantidade de sangue e pode causar desconforto no início dos usos. Dura até dois anos e também tem valor mais elevado – entre R$39 e R$79 por unidade;

Parece uma calcinha comum, mas é composta por camadas internas que absorvem o sangue. Dura de 2 a 3 anos e exige cuidados específicos na lavagem. Tem custo elevado por unidade, podendo oscilar entre R$60 a R$140 cada.
Como se cuidar e acolher durante a menstruação?
A menstruação é um período de mudanças internas, por isso, pequenos cuidados fazem diferença:
Higiene íntima: troque os absorventes com regularidade de acordo com seu fluxo menstrual; se usar algum método reutilizável, higienize de forma adequada. Lave a vulva com água corrente — exagerar nos produtos pode desequilibrar a flora natural. Use roupas íntimas confortáveis;
Alimentação: alimente-se bem. Comidas ricas em ferro (como folhas escuras, feijão e carne vermelha) ajudam a repor nutrientes perdidos com o sangramento, frutas e verduras ajudam na digestão. Já o excesso de açúcar e cafeína pode agravar sintomas como inchaço e irritabilidade. Beba bastante água para manter o corpo hidratado e auxiliar no funcionamento intestinal;
Alívio para cólicas e desconfortos:respeitar o próprio ritmo e descansar quando necessário é importante. Compressas quentes na região abdominal podem relaxar os músculos e aliviar a dor. Chás de ervas como camomila, gengibre e hortelã ajudam a acalmar e reduzir o desconforto. E exercícios leves, como caminhadas ou alongamentos, ajudam na circulação e podem aliviar cólicas;
Sentir dor extrema não é normal:se sentir dores intensas ou o fluxo for muito forte, procure atendimento médico.
Menstruação e desigualdade
A pobreza menstrual não é só a ausência de absorventes, mas a falta de toda uma estrutura para que a pessoa atravesse o ciclo menstrual com dignidade.
“Falta acesso a itens básicos, como papel higiênico, água encanada, saneamento básico, um local com privacidade para fazer a troca dos produtos e até mesmo um sistema adequado de descarte”, pontua a pesquisadora Mariana Lima.
Essa desinformação dificulta o entendimento sobre o ciclo menstrual e impede o uso de alternativas, como calcinhas absorventes, coletores menstruais, entre outros métodos. Também falta acesso a medicamentos para controlar cólicas e outros sintomas físicos. Um dos impactos mais visíveis é o absenteísmo escolar: deixar de frequentar a escola porque não têm como lidar com a menstruação.
“Muitas vezes, por não ter como comprar absorventes, as pessoas usam meios alternativos como miolos de pão, jornal, pedaços de tecido — o que coloca em risco a saúde ginecológica. Isso pode gerar infecções urinárias e até levar à síndrome do choque tóxico, que pode ser fatal”, alerta Mariana.
A síndrome do choque tóxico é uma infecção grave que pode levar à morte. Frequentemente, ela está associada ao uso prolongado de absorventes ou à má higienização — decorrente da falta de condições adequadas ou de desconhecimento.
A especialista observa que essa desigualdade escancara realidades profundas sobre o país e revela não apenas uma desigualdade de gênero, mas também de raça e classe, considerando que pessoas pretas e pardas são as mais afetadas. “As principais vítimas dessa situação são meninas que não têm acesso à informação, a medicamentos, e aos direitos básicos à saúde e à educação. Algumas chegam a faltar até 45 dias no ano letivo por não conseguirem lidar com a menstruação de forma digna — o que compromete profundamente seus direitos”, conta.
Há ainda a dimensão econômica. Um dos pontos frequentemente discutidos é a chamada “taxa rosa”, que corresponde à tributação mais alta sobre produtos destinados às mulheres, em comparação com itens voltados para o público masculino.
O absorvente é altamente taxado, e quem ocupa os piores cargos com as menores remunerações são mulheres pobres e pretas. Isso impacta diretamente o acesso a itens básicos — o que transforma o absorvente em um item de luxo.
O agravamento desse cenário durante a pandemia de COVID-19 também é abordado no estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”. Com o aumento da insegurança alimentar, muitas famílias precisaram escolher entre comprar comida ou absorventes — e, naturalmente, priorizaram a alimentação.
Isso escancara o quanto essa desigualdade está entrelaçada com gênero, raça e classe.
Mariana também aborda que distribuir absorventes, sem educação sexual, apenas favorece a indústria e não muda nada estruturalmente. “Por isso eu acho que a educação tem um papel essencial nesse processo. Trazer mais vezes esse assunto à tona. Porque, muitas vezes, as meninas passam de cinco a sete anos no ambiente escolar menstruando. São muitos anos enfrentando isso, indo pra escola, precisando de apoio, precisando que essa causa seja vista”, conclui.
Programa Dignidade Menstrual
Para combater essa desigualdade, projetos sociais e políticas públicas buscam fornecer esses itens gratuitamente. O Programa Dignidade Menstrual, do Governo Federal, por exemplo, oferta gratuitamente pelo Programa Farmácia Popular do Brasil absorventes para pessoas de baixa renda que estejam matriculadas em escolas da rede pública, em situação de rua ou de vulnerabilidade extrema.
Para retirar o absorvente, é preciso baixar o aplicativo Meu SUS Digital, emitir uma autorização e apresentar em uma das 31 mil farmácias credenciadas (acesse a lista aqui) junto de um documento com foto. As pessoas que tiverem dificuldade em gerar o documento, podem procurar uma Unidade Básica de Saúde (UBS) ou equipamentos da assistência social como os Centros de Referência em Assistência Social (Cras), Centros Pop ou equipes do Consultório na Rua para obter orientações.