mulher negra com semblante sério

Levantamento “Sem moradia digna, não há justiça de gênero” revela que morar não é um direito de todas

Feito pelo Habitat para a Humanidade Brasil, relatório estima tempo em que mãe solo negra levaria para conquistar a casa própria

Por Beatriz de Oliveira

11|04|2025

Alterado em 11|04|2025

Uma mulher negra e mãe solo pode levar até sete gerações para conquistar a casa própria numa favela brasileira. É o que aponta o estudo lançado em março deste ano “Sem moradia digna, não há justiça de gênero”, da organização Habitat para a Humanidade Brasil, dedicada à promoção da moradia como um direito humano fundamental. 

O relatório reúne dados de levantamentos sobre moradia e desigualdade de gênero feitos nos últimos cinco anos, além de entrevistas com representantes de 106 favelas, comunidades urbanas, ocupações e territórios populares de várias cidades do país.

Para chegar na estimativa mencionada acima, a organização considerou dados como: preços de casas e apartamentos à venda nas 20 maiores favelas do Brasil, a remuneração

média de uma mulher negra (R$2.745,76), custos mensais com uma criança (30% da renda), valor médio da cesta básica (R$714,65) e custo de aluguel (30% da renda).

“Considerando que ela apenas se desloque para o trabalho, pague aluguel, se alimente e crie seu filho isso significa que, com a sobra de R$31,62 por mês, para comprar uma casa em uma favela brasileira, no valor médio de R$69.828,57, ela demoraria 184 anos, cerca de 7 gerações”, aponta o estudo.

O relatório considera ainda um segundo cenário: que essa mulher receba auxílio de R$750 do Programa Bolsa Família e gaste 30% da renda com o filho por 18 anos, ou seja, até que ele complete a maioridade. Nesse caso, a personagem levaria 28 anos para comprar sua casa em uma favela brasileira.

“Isso evidencia o impacto do benefício na possibilidade de aquisição de imóvel próprio. Para além da segurança alimentar e da garantia do básico, o auxílio se apresenta como caminho possível para sonhar com a casa própria, já que as políticas habitacionais têm se mostrado incapazes de impactar significativamente o déficit”, diz o texto.

Déficit habitacional é feminino

Em 2022, o déficit habitacional chegou aos 6,2 milhões de domicílios, ou seja, em condições de moradia precárias. Diante disso, 62,6% dos domicílios em situação de déficit habitacional são chefiados por mulheres.

“Com menores rendas, dedicadas a longas horas de trabalho mal remunerado e sendo as principais responsáveis pelo trabalho de cuidado não remunerado, que consome parte do seu tempo produtivo e de sua renda, as mulheres são maioria dentre os que comprometem mais de 30% dos seus rendimentos com aluguel”, explica o estudo.

Além disso, as mulheres também são grande parte das afetadas por despejo, mesmo tendo em vista que um dos pilares fundamentais do direito humano à moradia adequada é a

proteção contra despejos e remoções forçadas. Pelo menos 1.564.556 pessoas foram despejadas ou impactadas por ameaças de despejos desde 2020, das quais 938.734 são mulheres e meninas, segundo levantamento da Campanha Despejo Zero.

Os impactos de um despejo são muitos: sem um endereço fixo, crianças não conseguem acessar escolas, postos de saúde e outros serviços públicos, por exemplo. Há ainda as consequências emocionais e mentais. “A gente viu casos de lideranças que entraram em depressão profunda e tentaram suicídio por causa do despejo. E aí, as famílias se desestruturam, elas ficam sozinhas com os filhos. É preciso observar as múltiplas faces das violências contra a mulher no contexto do despejo”, disse uma das entrevistadas pelo relatório da organização Habitat para a Humanidade Brasil.

Para melhorar o cenário habitacional do país, o estudo propõe que as mulheres continuem sendo priorizadas nas políticas habitacionais (conforme prevê a Lei nº 11.124), e que haja mais celeridade na produção de novas moradias, na destinação e requalificação de imóveis públicos para fins de interesse social como o direito à moradia, na regularização fundiária plena, na urbanização de favelas e comunidades urbanas. Cita também a criação de políticas públicas de melhorias habitacionais que melhorem as condições de acesso à água e ao saneamento.

“Para nós, não há direito que se concretize sem o acesso à moradia digna. (…) A casa está na base de tudo, é o nosso pilar, nossa fundação. E é ela a porta de entrada para todos os outros direitos”, pontua a organização.